Vinci Partners vai de fast food a gestora 'orgânica’

Vinci Partners vai de fast food a gestora 'orgânica’
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Mais conhecida por investimentos como o da rede de lanchonetes Burger King, a gestora de fundos Vinci Partners, com R$ 37 bilhões em ativos sob gestão, aos poucos vem substituindo o cardápio fast food por uma dieta mais saudável.

O roteiro já se tornou um clássico mundo afora: tudo começa com a pressão de fundos europeus, que querem saber se o seu dinheiro está investido em companhias e projetos com bom desempenho ambiental, social e de governança.

Foi a faísca para um caminho sem volta.  Progressivamente, a gestora vem criando processos de análise de fatores ESG para todas as classes de ativos, dos fundos de private equity às carteiras com liquidez.

A cereja do bolo virá a mercado neste ano. Está em fase de captação um fundo de impacto que tem a ambição de levantar até R$ 800 milhões e deve ser o flagship da casa para a nova fase.

A transição da Vinci é uma versão mais para ‘orgânica’ do que vegana da agenda ESG e de impacto. Ou seja, mesmo com sistemas de avaliação de sustentabilidade e impacto no lugar, as políticas de investimento criadas a partir deles não são muito restritivas.

“Esse processo é evolutivo e nunca vamos chegar ao final”, comenta Roberto Leuzinger, sócio da Vinci da área de private equity que se tornou o responsável pela implementação da política ESG de forma transversal na gestora.

Com nada menos que 235 fundos, a Vinci tem como sócio principal o financista Gilberto Sayão. Até 2006, Sayão controlava o Banco Pactual junto com André Esteves e ambos entraram para o clube dos bilionários do país ao vender a instituição ao UBS naquele ano. 

Os caminhos se separaram de vez em 2009, quando Esteves recomprou o controle do banco dos suíços para criar o BTG Pactual e Sayão preferiu seguir para outro lado, fundando a Vinci ao lado dos ex-Pactual Alessandro Horta e Paulo Fernando Oliveira.

Uma transição gradual

A Vinci é signatária do Principles for Responsible Investments (PRI) das Nações Unidas desde 2012 e tem uma política formalizada de ESG para os fundos de ‘private markets’ (private equity, real state e infraestrutura) desde 2014. Mas foi apenas há três anos que os sócios resolveram dar um passo de fato concreto em direção à sustentabilidade.

Contrataram a consultoria ERM para desenvolver um sistema de gestão ESG para todos os fundos de mercados privados e criaram processos de due diligence específicos para todos os novos investimentos.

Uma megaplanilha com 150 questões indica se as práticas de sustentabilidade da empresa ou projeto-alvo são: as melhores possíveis; existentes, porém passíveis de melhoria; ou inexistentes.

Caso o alvo caia na terceira categoria, é gerado um plano de ação a ser resolvido antes do investimento ou nos primeiros cem dias após a entrada da Vinci no negócio.

“Podemos ajustar o ‘valuation’ em função dos custos envolvidos nesse plano de ação. Se for uma questão insolúvel, desistimos do negócio”, diz Leuzinger.

Nenhuma desistência aconteceu ainda.

O sistema foi usado nos três investimentos realizados até agora pelo fundo VCP III: as compras da rede de fast food Domino’s Pizza, da Cura, de medicina diagnóstica e das operadoras de internet por fibra ótica que formam a Vero Internet.

Por uma provocação específica do IFC, braço de investimentos privados do Banco Mundial e cotista do VCP III, as companhias que já fazem parte do portfólio têm sido levadas a implementar políticas ESG.

Em cada uma dessas empresas, um executivo do C-Level foi indicado para ser a interface com o fundo para implementar uma política de sustentabilidade. “Inicialmente, criamos seis KPIs (indicadores de desempenho), dois para cada letra do ESG, e os executivos são responsáveis por reportar trimestralmente as evoluções em cada um deles”, explica Leuzinger.

São indicadores como percentual de reciclagem de lixo e presença de mulheres em cargos de liderança.

Na largada, nenhuma meta foi fixada. A ideia é começar a estabelecer responsabilidades e criar uma cultura para que só a partir de então as metas possam ser estabelecidas.

Top down

Se nos fundos ilíquidos a demanda para se conectar com o ESG veio dos estrangeiros, que respondem por 30% dos ativos sob gestão da Vinci, nos fundos de ações listadas e de crédito privado o impulso foi da própria gestora. 

“A demanda do investidor local ainda não é forte. O processo tem que ser top down e partiu dos sócios principais a decisão de implementar”, diz Leuzinger.

No ano passado a consultoria Sitawi foi contratada para desenvolver o sistema de análise ESG, que foi entregue no começo do ano e ainda está sendo implantado nas carteiras.

O sistema gera um rating ESG para cada empresa-alvo, que permite que ela seja comparada a seus pares. Esse rating funcionará apenas como uma variável adicional a ser usada pelo gestor do portfólio, que poderá fazer um ajuste do preço-alvo ou reduzir o peso do papel no portfólio.

Até agora, a Vinci diz não ter encontrado incentivo para lançar fundos abertos com mandatos ESG pré-definidos. “Os volumes de investimentos nesse tipo de carteira ainda não justificam. Está muito nichado”, diz Leuzinger.

A afirmação costuma gerar discussões acaloradas no mercado brasileiro. Há quem defenda que os volumes investidos de forma sustentável não crescem porque faltam produtos e quem afirme que os produtos não existem porque falta demanda dos investidores.

Para Leuzinger, o rigor da due diligence conduzida por investidores institucionais estrangeiros nos quesitos ESG não encontra qualquer paralelo no Brasil. “Aqui recebemos, no máximo, um questionário curto para assinalar respostas. Enquanto as fundações não fizerem um trabalho mais rigoroso, é muito ruim, porque não se separa o joio do trigo no mercado de gestão de fundos.”  

Menina dos olhos 

O primeiro produto pensado desde a concepção para gerar impacto socioambiental positivo é o Vinci Impact Returns.

Leuzinger evita dar detalhes porque o fundo está em captação e, portanto, sujeito ao sigilo de informações imposto pela Comissão de Valores Mobiliários.

Ele se limita a confirmar que o produto nasceu a partir de uma chamada pública do BNDES conduzida em 2018 para selecionar gestores e diz que a Vinci resolveu oferecer um produto diferente, usando a experiência acumulada no desenvolvimento das políticas ESG e na gestão de dois fundos de investimento em empresas do Nordeste.

O banco estatal gostou da ideia e se comprometeu a aportar até R$ 150 milhões ou 25% do patrimônio total.

Quem teve acesso às informações disponibilizadas aos investidores conta que a gestora tem sinalizado intenção de chegar a R$ 800 milhões de patrimônio. Foi elaborado um índice de impacto, que servirá de parâmetro para a escolha das companhias e também para a mensuração dos resultados alcançados, que serão auditados por uma consultoria externa.

“Com um fundo de R$ 800 milhões, o tíquete médio por investimento deve ser relativamente grande. Obviamente, não serão negócios de impacto prontos, mas empresas com potencial para chegar lá”, comenta uma pessoa com conhecimento do assunto.

Outro detalhe não tem escapado durante as conversas com potenciais investidores: a gestora indica expectativa de taxa interna de retorno bruta entre 20% e 25%, numa faixa inferior aos 25% a 30% de um private equity tradicional.

O mandato é claro: abrir mão de uma parte do retorno para gerar impacto.