Vale troca 50% do conselho (de novo) – e independente solta o verbo

Analistas temem ampliação de poder da Previ e enxergam disputa de poder com a Cosan, que se tornou acionista de referência em outubro

Vale troca 50% do conselho (de novo) – e independente solta o verbo
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Ainda não será desta vez que a eleição do conselho de administração da mineradora Vale ficará livre de polêmicas. Desde que se tornou uma true corporation, em 2020, com o capital pulverizado em bolsa, a mineradora tem enfrentado controvérsias a cada nova formação do colegiado. 

Em 2021 a companhia tentou emplacar um exótico sistema de voto contrário que deixou investidores descontentes e acabou vetado pela CVM

Agora, passados apenas dois anos da formação atual, o conselho será novamente renovado em 50%, ensejando críticas de que a alta rotatividade pode ser prejudicial à continuidade dos trabalhos. 

A chapa montada pelo comitê de indicação e governança, e que será votada em assembleia de acionistas em 28 de abril, também despertou preocupações no mercado com a recuperação da influência da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que teve dois nomes apontados, num momento em que a Cosan está chegando ao board. 

O conselheiro independente Mauro Cunha, eleito em 2021 e que não foi apontado para compor a nova chapa com 12 nomes, saiu atirando.

Ele fez questão de registrar por escrito seu voto contrário, que foi anexado à ata da reunião do conselho que aprovou a lista realizada no último dia 8.

Uma das suas principais críticas é que a renovação de 50% pelo segundo ciclo consecutivo é incoerente com a mensagem do chairman atual, José Penido, no relatório anual de 2022, divulgado há um mês. O comitê de indicação da chapa também é coordenado por Penido.

No relatório anual Penido afirmou que o conselho atual teve papel fundamental na definição do planejamento estratégico da companhia para os próximos 20 anos e trouxe números para corroborar como o desempenho do órgão melhorou no segundo ano do mandato, conforme os membros passaram a se familiarizar com a complexa operação da Vale.

“A dinâmica do Conselho de Administração ganhou mais eficiência, com a redução do número de reuniões e melhor dinâmica nas discussões. Em 2022, foram 21 reuniões de Conselho e 86 reuniões de Comitês de Assessoramento, redução de 42% e 21%, respectivamente, em comparação a 2021, primeiro ano de mandato do atual Conselho”, escreveu ele.

Segundo Cunha, em reunião no dia 2 de março, seis dos atuais 13 conselheiros haviam se colocado a favor de uma menor renovação (além dos 12 eleitos pelos acionistas, um é escolhido em separado pelos funcionários). 

Cunha também afirma que a chapa apontada pelo comitê de indicação e governança e ratificada pelo conselho é resultado de uma política de “check the boxes” – aumentar o número de estrangeiros, de mulheres e de pessoas com experiência em mineração – somada a uma ação deliberada para evitar o procedimento de voto múltiplo na assembleia de acionistas.

Pelo voto múltiplo, cada ação tem direito a um número de votos equivalente ao número de cadeiras do conselho e os votos podem ser concentrados num único candidato, aumentando as chances de eleição de nomes apontados por acionistas minoritários. É preciso reunir investidores com 10% do capital para solicitar o procedimento.

Na eleição de 2021, a gestora americana Capital Group, maior acionistas da empresa, pediu o voto múltiplo, o que culminou na eleição de quatro conselheiros que não constavam da chapa indicada pelo conselho: o próprio Cunha, o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, Rachel Maia e Marcelo Gasparino.

Agora, o comitê teria acatado todos os nomes apontados pelos maiores acionistas, numa tentativa de agradar a todos e evitar a solicitação de voto múltiplo.

Além de representantes de Bradespar, Previ e Mitsui, que integravam o antigo bloco de controle, um ex-executivo da Capital, Douglas Upton, foi incluído na chapa.

Outra acusação feita por Mauro Cunha: os membros que desafiam os executivos e o colegiado, indo contra o pensamento de grupo, teriam sido excluídos da nomeação.

Essa referência seria a ele mesmo, a Roberto Castello Branco e a Roger Downey. Diferentemente de Cunha, Castello Branco e Downey pediram para não serem reconduzidos. Segundo uma versão que circula, o ex-presidente da Petrobras teria se antecipado porque o ambiente já não era favorável à sua permanência.

Além dos dois, Eduardo Rodrigues e Ken Yasuhara também encaminharam cartas a Penido dizendo que não gostariam de ser reeleitos, alegando motivos pessoais. 

Um sexto membro, Murilo Passos, também não foi incluído na nova chapa porque não atendia aos critérios recém-criados pelo comitê de indicação e governança para evitar o chamado ‘overboarding’, quando o candidato participa de um número excessivo de conselhos ou acumula uma posição executiva, por exemplo.

Previ versus Cosan?

No mercado, a rotatividade no conselho e as críticas públicas de Mauro Cunha não preocupam tanto quanto dois outros assuntos: a presença reforçada da Previ e a chegada da Cosan.

Para o analista de uma gestora carioca, o mais preocupante é a perspectiva de maior influência do governo sobre a mineradora, via Previ. O fundo de pensão, que atualmente tem um representante, emplacou dois nomes na nova chapa: seu atual presidente, o sindicalista João Luiz Fukunaga, e Daniel Stieler, que presidiu a fundação durante o governo Bolsonaro.

Este último foi apontado para presidir o colegiado da Vale, retomando a prática que vigorou antes que o bloco de controle fosse desfeito e que havia sido interrompida com a eleição de Penido, um membro independente, em 2021.

Há quem enxergue no movimento uma disputa de poder com a Cosan, que montou uma grande posição em ações da mineradora no ano passado com um interesse estratégico. 

Um analista do sell side diz que muitos investidores esperavam, e até desejavam, mais influência da Cosan no conselho. A chapa trouxe o nome de Luis Henrique Guimarães, o CEO do grupo controlado por Rubens Ometto. “Apesar de ser um nome só, é um nome forte.”

Ao anunciar a entrada na Vale, em outubro do ano passado, Guimarães afirmou em teleconferência com investidores que a Cosan pretendia, via interação com outros acionistas de referência e executivos, acelerar o passo da mineradora para se tornar um ator importante na descarbonização da economia.  

“A Cosan entra devagar, mas com certeza vai impactar a Vale e trazer um elemento de dinamismo às discussões do conselho”, diz um outro observador.

A composição

Em seu relatório final, o comitê de indicação e governança da Vale ressaltou que a chapa apontada tem sete membros considerados independentes, traz duas candidatas mulheres (ante apenas uma na composição atual), quatro não brancos e quatro estrangeiros, o que amplia “as dimensões de diversidade”. 

Segue a lista de candidatos:

  • Daniel Stieler, da Previ, como chairman (reconduzido);
  • João Fukunaga, da Previ;
  • Fernando Buso, da Bradespar (reconduzido e o mais antigo conselheiro da mineradora);
  • Shunji Komai, pela Mitsui;
  • José Luciano Penido, atual chairman (reconduzido)
  • Luis Henrique Guimarães, CEO da Cosan;
  • Douglas Upton, ex-Capital Group;
  • Manuel Lino Oliveira (reconduzido);
  • Marcelo Gasparino (reconduzido);
  • Rachel Maia, ex-CEO da Lacoste (reconduzida); 
  • Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo;
  • Vera Marie Inkster, ex-CEO da Lundin Mining