Universalizar o saneamento demanda inovação. Este fundo aposta na 'venture philanthropy' para acelerar a curva

Universalizar o saneamento demanda inovação. Este fundo aposta na 'venture philanthropy' para acelerar a curva
A A
A A

O marco legal do saneamento ajudou a reduzir incertezas e deve ajudar a destravar investimentos no setor no Brasil. 

Mas para enfrentar a realidade brasileira, um país de dimensões continentais e estatísticas medievais, onde uma em cada sete casas não está ligada à rede de água e metade dos domicílios não tem esgoto, é preciso pensar fora da caixa (ou dos canos). 

Foi com esse intuito que nasceu o Ipu, o primeiro fundo brasileiro que quer operar à risca nos moldes da chamada ‘venture philanthropy’ ou filantropia de risco — uma abordagem que adota ferramentas e práticas do mundo dos investimentos para entender de perto as necessidades de empresas e iniciativas sociais e maximizar o seu impacto socioambiental.

O fundo está na fase final para levantar R$ 2,5 milhões, que devem ser aplicados em três projetos.

“Um gestor de investimento tradicional é remunerado para maximizar retorno”, diz Renata Ruggiero, diretora-presidente do Instituto Iguá, ligado à empresa de saneamento de mesmo nome, que está por trás do projeto. “O venture philanthropy é pensado não como investimento de impacto, mas investimento para impacto, para maximizar e acelerar o impacto.” 

O Ipu parte de dois princípios fundamentais da ‘venture philanthropy’: financiamento customizado para projetos e aceleração ‘artesanal’, com acompanhamento cuidadoso e detalhado dos projetos investidos, provendo conhecimento, rede de apoio e contatos para que ele possa prosperar. 

O capital será levantado na forma de doações, e deve ser aplicado como empréstimo, a taxas abaixo das de mercado para as companhias selecionadas. 

A ideia é entender as necessidades de cada projeto para avançar: “Se precisar de mais prazo, damos mais prazo, se precisar de mais carência, damos mais carência. É uma espécie de aceleração customizada, em que vamos trabalhar junto com as investidas para entender quais os pontos de acupuntura necessários”, diz Ruggiero. 

Ainda que esse não seja o foco, o fundo pode também dar recursos na forma de doações, se for entendido que essa forma de capital é essencial para alavancar algum negócio. 

É uma das diferenças em relação ao investimento de impacto, que busca retorno e, por isso, pode ficar mais engessado em relação a assumir alguns riscos. 

“Existem diversas startups e negócios de impacto que têm potencial, mas grande dificuldade para ganhar escala. Do outro lado, os fundos de impacto — que ainda são poucos no Brasil — sentem falta de negócios em estágios mais maduros para investir”, pondera a executiva. O Ipu quer ajudar a fazer essa ponte.

O Instituto Iguá está atuando na montagem do fundo e mobilização dos recursos. O Climate Ventures cuida da gestão operacional e a SITAWI Finanças do Bem é responsável pela gestão financeira e administração do fundo filantrópico. A assessoria jurídica está por conta do TozziniFreire. 

O Iguá está conversando com empresas, institutos, fundações e family offices interessados em investir no projeto. “A ideia é ter poucos e bons investidores que possam constituir uma rede para os empreendedores”, diz Ruggiero. 

A IG4, firma de private equity que controla a Iguá, fez a doação inicial. 

O plano é fechar a captação nas próximas semanas e fazer uma segunda rodada maior já neste ano ou no próximo, com cotas em que haja a possibilidade de retorno. É mecanismo chamado de ‘blended finance’, em que o capital filantrópico entra para assumir a maior parte do risco, e o capital financeiro em busca de retorno chega para dar escala. 

Tecnologia social

Os projetos a serem financiados serão escolhidos pelo comitê de investimentos e pela estrutura de governança do fundo, ainda em formação.  Mas já há algumas iniciativas mapeadas, que dão uma ideia do perfil de negócios que o fundo quer fomentar. 

“Grandes estações e redes de água e esgoto têm um espaço enorme para crescer, mas é mais difícil chegar ao fim da fila”, diz Ruggiero. 

“Algumas áreas não são economicamente interessantes para as empresas de saneamento e, em outras há desafios logísticos, como em áreas alagadas em que não dá nem mesmo para fazer a infraestrutura de tubo e canos por conta do solo.” 

Um desses projetos é uma parceria com a Terra Nova, que trabalha com regularização fundiária. A empresa é especializada em fazer a mediação de conflito entre os donos dos terrenos e famílias que os ocupam ilegalmente e, ao fim do processo, consegue que elas se tornem donas dos imóveis ao indenizar os proprietários por meio de pagamentos parcelados. 

O problema é que a regularização quase nunca vem acompanhada de infraestrutura — e a maior parte dessas comunidades não têm acesso a água e esgoto. 

O Instituto Iguá já atua como parceiro da Terra Nova no projeto Galo, em Nova Lima (MG), que tem 600 famílias. Uma das possibilidades é que o fundo financie um projeto piloto, juntando os serviços da Biosaneamento, que desenvolveu um modelo de biodigestores compactos de baixo custo, capazes de tratar o esgoto direto na fonte. 

Mais do que oferecer uma solução descentralizada, a ONG tem o traquejo para atuar com as comunidades, oferecendo, por exemplo, renda através da capacitação de mão de obra local para implantação dos biodigestores. 

As soluções de infraestrutura encontradas na comunidade do Galo têm potencial para ganhar escala. A Terra Nova está prestes a regularizar uma outra comunidade enorme em Nova Lima, a de Água Limpa, com 6 mil famílias, e quer securitizar os recebíveis a serem pagos pelas famílias ao longo dos anos para antecipar os recursos, e conseguir desenvolver a infraestrutura da região na partida. 

Se o modelo associado de esgoto se mostrar viável, pode ajudar a destravar a operação, além de ter potencial para ser implementado em outras 30 comunidades já regularizadas no país.  

“Na teoria da mudança que envolve o Ipu, tem que ter um componente de como o dinheiro que vamos aplicar ajuda a escalar soluções e pode gerar uma mudança estrutural. Esse case envolve empresas que desenvolveram uma ‘tecnologia social’ e têm potencial de influenciar políticas públicas, com questão fundiária e de saneamento”, diz Ruggiero.