UE aprova veto a commodities ligadas a desmatamento; Cerrado fica de fora

Considerada vitória histórica para florestas, regulação reforça pressão por rastreabilidade e tem impacto direto sobre o Brasil

UE aprova veto a commodities ligadas a desmatamento; Cerrado fica de fora
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Após uma longa negociação que se arrastou madrugada adentro, a União Europeia aprovou na manhã de hoje uma regulação que proíbe a entrada no bloco de commodities produzidas em áreas de floresta que foram desmatadas – de maneira legal ou ilegal – após 31 de dezembro de 2020. 

Foram incluídas na regulação carne, soja, madeira, borracha, café, cacau e óleo de palma, além de uma lista de produtos derivados, que inclui couro, móveis e chocolate.

Considerada por ativistas uma vitória de forma geral para a proteção das florestas, a legislação pode ter ampla repercussão sobre a produção de commodities em áreas desmatadas na Amazônia, especialmente na pecuária. 

Os grandes frigoríficos ainda têm um ponto cego relevante na sua base de fornecedores indiretos e as pastagens para criação de gado de baixa produtividade são um dos principais destinos das terras que são desmatadas na região.

Contudo, o texto deixou de fora, ao menos num primeiro momento, a área do Cerrado, de onde vem boa parte da produção de commodities do Brasil. 

Nas discussões, focou-se em áreas de floresta mais densas e a inclusão de “outras áreas florestadas” acabou vetada. O texto promete revisar a lei um ano depois de implementada para avaliar a entrada do que chamou de ‘other wooded land’ e, em até dois anos, de outros biomas.

“Ao restringir a produção com desmatamento na Amazônia, na Mata Atlântica e no Chaco, os biomas mais tipicamente florestais da América do Sul, a nova regulação pode causar o ‘vazamento’ do desmatamento para o Cerrado, ampliando sua destruição”, afirma o Observatório do Clima em nota. 

Discutido há mais de um ano, o regulamento deixou de fora ainda as instituições financeiras. Havia uma pressão para que bancos europeus fossem incluídos na lei para não financiarem clientes e operações que pudessem estar associados ao desmatamento. Essa pauta também pode ser reavaliada mais à frente. 

O texto ainda precisa passar pela aprovação formal do Parlamento Europeu – um procedimento considerado meramente burocrático, depois que foi construído o consenso a seis mãos, incluindo também o Conselho Europeu e a Comissão Europeia. 

Aprovada um dia antes do começo da COP de biodiversidade em Montreal, a lei também é considerada um sinal importante da Europa em direção às negociações para metas de proteção à natureza. Do encontro no Canadá pode sair um compromisso global de conservar 30% da natureza global até 2030.

Rastreabilidade

Segundo a WWF, em termos globais, a União Europeia é o segundo maior “importador” de desmatamento do mundo, atrás da China, e é responsável por 16% do desmatamento associado com o comércio internacional. 

Considerada a região mais à frente em políticas climática e ambiental, o bloco de 27 países costuma ditar tendências para outros compradores – o que deve colocar forte pressão sobre o Brasil. 

O bloco europeu é o segundo maior comprador de commodities do país, também atrás dos chineses. 

Um dos efeitos mais imediatos do regulamento vai ser o aprofundamento da demanda por rastreabilidade. 

A partir da entrada em vigor, traders e operadores que trouxerem mercadorias de fora da União Europeia precisarão fornecer as geolocalizações de seus produtos até a terra da fazenda onde foram produzidas. 

A Comissão Europeia vai definir países que considera de risco “alto”, “baixo” e “padrão” para desmatamento. 

Quem estiver no risco mais elevado deve ter exigências de due diligence (jargão corporativo para auditorias para conformidade) mais elevados. No sentido oposto, regiões de risco mais baixo devem passar por procedimentos mais simplificados. 

“A aprovação da legislação europeia é um marco importante na luta pelo fim do desmatamento. Para o Brasil, é uma mensagem clara e inequívoca de que o único caminho para a prosperidade do agronegócio é eliminar, o mais rápido possível, o desmatamento e a conversão das cadeias produtivas”, disse Maurício Voivodic, diretor-executivo da WWF Brasil, em nota.