Tudo sobre o eVTOL, o carro elétrico voador que fez a Embraer decolar

Toyota, Hyundai, Airbus e Bell estão investindo na tecnologia, que promete revolucionar a mobilidade urbana (e não está muito longe de virar realidade)

Tudo sobre o eVTOL, o carro elétrico voador que fez a Embraer decolar
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As ações da Embraer dispararam mais de 15% depois de uma notícia publicada em 9 de junho pela Bloomberg e confirmada no dia seguinte pela companhia: a Eve Urban Air Mobility, sua subsidiária responsável por um tipo revolucionário de aeronave, está negociando uma fusão com uma Spac.

Spac é a sigla em inglês para uma companhia “cheque em branco”, que abre o capital na bolsa e depois sai em busca de um alvo de aquisição. Caso o negócio seja fechado, a Eve passa a ser listada na Nasdaq. 

A estimativa é que a transação possa dar à companhia — startup desmembrada da EmbraerX (braço de inovação da Embraer) em outubro do ano passado — um valor de mercado de US$ 2 bilhões, dois terços do valor de mercado da Embraer, de US$ 2,96 bilhões.

O entusiasmo dos investidores tem a ver com um novo tipo de aeronave, conhecida pela sigla eVTOL.

O nome não faz justiça ao apelo da ideia: é o carro voador, um veículo movido a eletricidade (e, de electric) que decola e pousa verticalmente (VTOL, de vertical take-off and landing). 

“Carro voador” é uma expressão que a indústria nascente da mobilidade urbana aérea prefere evitar. É compreensível. Os eVTOLs não serão veículos de uso pessoal nem poderão ser pilotados por qualquer um. 

Talvez seja mais razoável compará-los com helicópteros, mas esse também não é o paralelo mais adequado. Na realidade, as novas aeronaves têm o potencial de substituir com vantagens os helicópteros: elas são mais sustentáveis, mais seguras e mais silenciosas.

Pense em táxis aéreos. A Eve anunciou no início de junho um acordo com a Halo, empresa britânica que opera uma frota de helicópteros para transporte de passageiros, para o fornecimento de 200 aeronaves com a primeira entrega em 2026.

Seja qual for a melhor maneira de entender essas novas máquinas voadoras, elas prometem revolucionar a mobilidade urbana. A estimativa é que em alguns anos o preço de um voo de eVTOL entre Manhattan e o aeroporto seja o mesmo de um táxi ou um Uber — sem contar a economia de tempo, claro.

A AESA, órgão da União Europeia que regula a aviação comercial, espera que os primeiros voos comerciais desse tipo aconteçam em 2024 ou 2025. A United Airlines anunciou a intenção de encomendar até 200 aeronaves para levar passageiros de e para aeroportos.

Companhias tão diversas como Toyota, Hyundai, Airbus e Bell estão investindo na tecnologia, seja dentro de casa ou em parceria com startups – que se contam às dezenas. 

A Archer, startup californiana que vai fornecer as aeronaves para a United, foi avaliada em US$ 3,8 bilhões na fusão que vai colocá-la na Bolsa de Nova York. A Joby, também americana, fez uma operação semelhante e foi avaliada em US$ 6,6 bilhões.

Empreendedores são otimistas por obrigação, e o mercado financeiro corre riscos calculados. Mesmo com essas ressalvas, os entendidos do assunto estão confiantes. “Algumas empresas estão bem adiantadas no desenvolvimento”, diz Sergio Cecutta, um dos fundadores da SMG, uma consultoria americana especializada no setor aeroespacial. “Acredito que as datas anunciadas são realistas.”

O som do silêncio

Algumas características explicam o entusiasmo com os eVTOLs. A primeira é o barulho – ou a ausência dele. Num vídeo recente postado no YouTube, JoeBen Bevirt, CEO da americana Joby, fala para a câmera em voz normal enquanto ao fundo uma de suas aeronaves flutua sobre o chão.

Outra vantagem potencial dos eVTOLs tem a ver com segurança. Todos os modelos em desenvolvimento contam com múltiplos propulsores. O Maker, protótipo apresentado pela americana Archer há uma semana, tem 12 rotores, cada um movido por seu próprio motor. No Volocity, da alemã Volocopter, são 18.

Isso significa distribuição do risco. Se a aeronave tem 12 rotores e um para de funcionar, ainda há os outros 11.

Além disso, os eVTOLs têm sistemas muito sofisticados de automação. “Num avião, caso o software não saiba o que fazer, o controle passa para o piloto. Nessas novas aeronaves, a necessidade de intervenção humana é mínima”, diz Cecutta.

Em termos práticos, isso representa treinamentos mais simples para os pilotos. Os voos inteiramente autônomos, porém, devem demorar mais tempo para serem aprovados. “Essencialmente, estamos falando de uma área completamente nova do ponto de vista da regulação”, afirma Cecutta.

Concorrência com táxis

Estima-se que um helicóptero exija quatro horas de manutenção para cada hora de voo. No caso dos eVTOLs, a proporção deve ser dramaticamente diferente.

Apesar de contar com mais elementos de propulsão, a tecnologia do motor elétrico é muito mais simples que a dos que queimam combustível. São menos peças e menos partes em movimento, ou seja, custos menores para manter o equipamento em operação. 

É por essa razão que a tecnologia é apresentada não só como concorrente do helicóptero, mas potencialmente também dos carros.

A alemã Volocopter pretende iniciar seus serviços transportando passageiros do centro de Paris para os aeroportos que servem a cidade. O protótipo Volocity tem dois assentos (um passageiro e o piloto). 

“Nossos estudos apontam que 80% das viagens realizadas por táxis levam um único passageiro”, diz Helena Treeck, porta-voz da empresa. “Acreditamos que existe uma grande demanda para deslocamentos dentro das cidades.”

Como a Volocopter, a maioria das startups enxerga um modelo vertical: elas não só produzirão as aeronaves como também vão operar os serviços. Seria como se a Ford ou a Volkswagen, além de produzir os carros, também oferecessem um serviço de Uber.

Cecutta espera que em dois ou três anos após o lançamento os preços já tenham caído de forma considerável.

Por enquanto, falar em números é especular. Somente quando forem concluídas as fusões com os SPACs — quando as companhias serão obrigadas a publicar relatórios financeiros — haverá mais clareza em relação aos custos de produção e operação dos eVTOLs.

Portas em manual

Antes que tudo isso aconteça, entretanto, os eVTOLs têm de ser aprovados pelas agências que regulam o transporte aéreo.

Startups que saíram na dianteira, como Volocopter e Joby, já vêm conversando há alguns anos com as autoridades para estabelecer os critérios de avaliação dos eVTOLs.

Do ponto de vista tecnológico, o principal desafio diz respeito às baterias. Em voo, os eVTOLs não emitem gases causadores do efeito estufa, portanto essa modalidade de transporte aéreo é mais sustentável por natureza (mesmo levando em conta o impacto causado pela geração da energia usada para carregar as baterias).

Mas os combustíveis líquidos têm densidade energética 12 vezes maior que a tecnologia mais moderna das baterias de íons de lítio. Em outras palavras, eles ocupam menos espaço, pesam menos e levam as aeronaves mais longe.

A maioria dos protótipos tem capacidade para poucos passageiros – e somente com a evolução da tecnologia das baterias será possível aumentar a capacidade dos eVTOLs.

Os planos das startups mais adiantadas no desenvolvimento é oferecer rotas de até 100 km, mais ou menos. Algumas delas também esperam atuar no mercado de logística de última milha.

Outro ponto fundamental para a decolagem – com o perdão do trocadilho – dos eVTOLs é a infraestrutura terrestre, os chamados “vertiportos”.

“Inicialmente, vamos aproveitar a infraestrutura já existente”, dizem Brett Adcock e Adam Goldstein, co-CEOs da Archer, em entrevista ao Reset por email. “Conforme o negócio crescer, vamos construir nossos próprios vertiportos. A ideia é que eles sejam capazes de acomodar centenas de decolagens e pousos por hora.”

Na Europa, a empresa Skyports foi criada para montar e operar vertiportos compartilhados por diversas dessas novas companhias aéreas.

Na opinião de Treeck, da Volocopter, não faz sentido operar uma própria rede de vertiportos: “Seria como ter postos de gasolina que só abastecessem carros Audi.”

Os pioneiros

Cecutta compara o estágio atual da indústria aos primeiros anos da aviação comercial, cem anos atrás: muitas startups, com uma inevitável consolidação no futuro.

Mas ele acredita num mercado grande. “Teremos muito mais eVTOLs sobrevoando as cidades em comparação com os helicópteros que vemos hoje.”

A capacidade de manufatura deve ajudar a separar os vencedores dos perdedores – desde o estágio da certificação. Um dos aspectos analisados pelas agências reguladoras é a garantia de que todas as aeronaves que saem da linha de montagem são idênticas e confiáveis.

Essa é uma das potenciais vantagens da Eve. Além de desenvolver aeronaves, a startup da Embraer pretende oferecer serviços e suportes globalmente e desenvolver a tecnologia usada no controle de tráfego aéreo.

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