Trade off retorno x impacto: discussão se perde no micro e ignora o macro

O real debate é qual mundo queremos construir e qual o portfólio, com investimentos em todas suas variações de risco e retorno, melhor nos servirá nessa jornada, escreve o fundador da Sitawi, Leonardo Letelier

Ilustração mostra peças de quebra-cabeça simbolizando o impacto positivo
A A
A A

Quem quer vender o mundo do investimento de impacto se apressa em dizer que não há trade off entre retorno e impacto. No mundo da filantropia, que historicamente focou exclusivamente no impacto, o consenso é que impacto custa dinheiro, sim. 

(No mundo do investimento responsável, o argumento é que pode se alcançar uma equação risco-retorno ainda melhor do que em investimentos tradicionais, mas não é o foco deste artigo.)

Mas, afinal, quem tem a razão? Ambos. A verdade é que existem, sim, oportunidades de gerar impacto e obter um bom retorno financeiro, além do impacto.

Eventos de liquidez no portfólio da Vox Capital ou os financiamentos da plataforma de empréstimo coletivo da Sitawi são evidências disso.

Mas também há muito impacto que precisa de subsídios — grandes ou pequenos, temporários ou mais permanentes.

O que gera confusão é que estamos falando de impacto de forma imprecisa: cada campo tem um impacto diferente em mente. Se você quiser fazer ‘um’ investimento em energia renovável (ou que gere benefícios na área de saúde ou educação), certamente encontrará algum com relação risco-retorno atrativo.

Mas, se você quiser que o país atinja uma emissão de carbono líquida zero, eliminar a fila do SUS ou prover creche para todas as crianças até 2 anos, a equação financeira é bem menos certa.

Isso acontece porque, por natureza, o investimento cria uma linha pontilhada dentro da qual os ganhos e perdas são capturáveis e contabilizadas — e fora da qual não o são.

Conforme cada um de nós desenha sua linha pontilhada, ou seu espaço de impacto, a equação econômica dentro desta se altera e, em vários casos, o investidor não conseguirá capturar o retorno necessário para compensar o risco, ainda que a sociedade como um todo se beneficie.

E, para esta, não só a conta fecha como também produz um impacto positivo desejado (para uma ilustração deste argumento, veja um case aqui).

Mas se é simplesmente uma questão de reformular a pergunta “Existe trade off entre impacto e retorno?” para que seja menos genérica, por que tanta discussão?

Porque, como indivíduos, queremos soluções simples e rápidas, mesmo para problemas complexos e estruturais. Queremos um sim ou um não, um indicador único de sucesso, de preferência um indicador quantitativo e, para agradar o mercado, um indicador financeiro, algo como ROI (Return on Investment). 

Infelizmente, esse foco excessivo no indicador único e, pior, de curto-prazo foi o que nos trouxe aonde estamos: desigualdades sociais insustentáveis num planeta à beira do colapso ambiental (e como se fosse pouco, ainda enfrentando uma pandemia).

Para impactar essa realidade, apenas investimentos de impacto ou responsáveis com retornos ‘de mercado’ não vão dar conta. Temos que pensar em todo o espectro de risco-retorno-impacto, inclusive aqueles com recorte ‘não linear’, isto é, oportunidades de alto impacto, mesmo que com alto risco e baixo retorno.

Aliás, apenas investimentos não vão dar conta, temos que pensar também nas demais transações financeiras: consumo e doação. E, se sairmos de nossa bolha, vamos perceber que precisamos muito do engajamento para além do mundo financeiro. Temos que ponderar o impacto das escolhas da gestão de nossas organizações bem como as escolhas de gestão de nossas cidades, estados e país. 

Acredito que a discussão que temos que ter com nosso dinheiro não é retorno x impacto, mas qual o mundo que queremos construir e qual o portfólio de impacto, com investimentos em todas suas variações de risco e retorno, que melhor nos servirá nessa jornada.

Quando foi a última vez que você conversou com seu dinheiro nesses termos?

* Leonardo Letelier é fundador e CEO da Sitawi Finanças do Bem e tem mais de 20 anos de experiência em negócios, finanças e setor social. Tem MBA pela Harvard Business School e é engenheiro de Produção pela USP. Mas prefere se apresentar assim: pai da Clara, casado com Lucimara e sempre aberto para tomar um café com quem quiser colocar seu dinheiro para trabalhar por um mundo melhor.

LEIA MAIS

A diferença entre ESG, investimento de impacto e filantropia