Tokens de impacto: Como a Gaia quer ampliar o acesso ao mercado

Em parceria com a fintech Liqi, securitizadora quer utilizar blockchain para democratizar acesso a investimentos de impacto, do emissor ao tomador 

Tokens de impacto: Como a Gaia quer ampliar o acesso ao mercado
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Se o cardápio de investimentos de pegada ESG vem aumentando, o acesso aos produtos de impacto — aqueles que têm intencionalidade de gerar impacto socioambiental positivo — continua mais nichado. 

Por um lado, muitas vezes negócios já estruturados e que precisam do crédito ainda não têm porte suficiente para fazer uma emissão no mercado de capitais, com todo o custo e complexidade envolvidos. 

Por outro, as opções de investimento, quando existem, ainda ficam longe do bolso do varejo, distribuídas em ofertas restritas ou em operações com tíquete médio mais alto. 

Numa parceria com a fintech Liqi, a securitizadora Gaia Impacto está apostando na tecnologia para superar essas duas questões e democratizar o acesso a produtos que unam possibilidade de retorno e impacto. 

A ideia é ‘tokenizar’ os títulos financeiros, transformando emissões de papéis como CRIs e CRAs em ativos digitais por meio de blockchain — a mesma tecnologia por trás das criptomoedas.

A expectativa é que as primeiras operações com tokens de impacto venham a mercado nos próximos meses. 

“Com os tokens, você pode fazer uma operação de R$ 1 milhão ou R$ 100 milhões com um esforço muito parecido, porque a tecnologia te dá esse ganho de escala. E uma pessoa com R$ 10 ou R$ 25 pode ter acesso a esses ativos”, diz João Pacífico, fundador e CEO do Grupo Gaia, que já securitizou mais de R$ 20 bilhões em ativos desde sua fundação em 2009. 

A tecnologia e a negociação será feita na plataforma da Liqi, tokenizadora fundada este ano por Daniel Coquieri, reconhecido empreendedor do setor de criptoativos e blockchain do Brasil. Ele fundou a BitcoinTrade, que rapidamente se tornou uma das maiores bolsas da moeda no Brasil e foi vendida para a argentina Ripio em 2020. 

Na vanguarda

A tokenização é uma grande tendência no mercado financeiro: de obras de arte a passe de jogadores de futebol, passando por créditos de carbono, tem emergido como uma forma de dar acesso amplo a produtos ilíquidos ou até então restritos a um universo pequeno de investidores.

Na prática, por meio de contratos inteligentes e blockchain, os tokens garantem a propriedade do ativo e a liquidação dos pagamentos sem a necessidade de uma série de intermediários que acaba encarecendo muito o processo. 

Assim como no caso das criptomoedas, há ainda a possibilidade de negociação dos ativos no mercado secundário, 24 horas por dia, 7 dias por semana, com formação de preço em tempo real. 

Mas, como toda vanguarda, a inovação ainda precisa superar duas barreiras: o conhecimento do investidor e o escrutínio regulatório. 

A Liqi já lançou tokens que representam direitos de crédito sobre transações de jogadores formados no Cruzeiro — numa operação que movimentou R$ 1,4 milhão e atraiu mais de 1,5 mil investidores. E pretende lançar mais dois tokens semelhantes de clubes de futebol neste mês.

Mas a tokenização de valores mobiliários, regulados pela CVM, ainda é território inexplorado. 

“Não tem uma normativa ainda, é uma coisa que está se construindo. E a gente quer participar dessa construção”, diz Pacífico. 

A Gaia está desenhando algumas operações que já estavam no seu pipeline para colocá-las no formato de token e pretende lançar a primeira já nas próximas semanas. 

O formato ainda está sendo estudado: a princípio, pode ser uma oferta privada, para poucos investidores, para testar mecanismos e controles. Mas a ideia é ir ganhando corpo e partir para ofertas públicas, sempre em colaboração com os reguladores, para fazer esse mercado andar, diz Pacífico. 

Hoje, a CVM já tem um ‘sandbox’ regulatório, que dá flexibilidade temporária a inovações, para blockchain e tokenização. Cabe às empresas tentar enquadrar seus projetos dentro do escopo abrangido pelo regulador. 

“É um mercado novo, com poucas operações. Temos que fazer com muito cuidado porque a natureza do ativo determina muito do que podemos ou não fazer hoje, ainda mais quando falamos em oferta pública, investidor de varejo, que não é profissional e qualificado”, complementa Coquieri. 

CEO ativista 

Sob a batuta de Pacífico, que se autointitula um CEO ativista e um “capitalista consciente” — “não um comunista, como dizem”, brinca –, a Gaia estruturou diversas operações icônicas no ainda incipiente mercado de investimentos de impacto nos últimos anos. 

Entre elas, uma emissão pioneira de R$ 5 milhões em debêntures para financiar a reforma de moradias populares pela Vivenda, ainda em 2018 e um Certificado de Recebíveis do agronegócio (CRA) de R$ 1 milhão para financiar pequenos produtores de cacau no Sul da Bahia neste ano. Também está por trás da oferta pública de R$ 17,5 milhões para cooperativas de agricultura familiar de assentados do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST).

“Fato é que essas emissões dão trabalho. Para fazer uma operação de R$ 1 milhão, tenho que fazer uma ginástica, dar um duplo twist carpado para conseguir por de pé e ainda fazer pro bono”, diz. 

Tradicional no mercado de securitização de recebíveis, especialmente no agronegócio e no mercado imobiliário, a empresa passou por uma transformação neste ano para abraçar de vez o seu viés de impacto socioambiental. 

As emissões mais tradicionais — sempre com uma preocupação com sustentabilidade — ficaram sob o guarda-chuva da Planeta Securitizadora, enquanto a marca Gaia se tornou Gaia Impacto. 

“Temos três focos na Gaia: desigualdade social, emergência climática e felicidade das pessoas. E nossa missão é que, além de risco e retorno, queremos que o impacto entre na conta das pessoas”, diz Pacífico. “Não impacto subsidiário, cosmético. Impacto na veia.”