Stone/Linx: No 1º teste do 'tsunami ESG', pragmatismo sai à frente de princípio

Stone/Linx: No 1º teste do 'tsunami ESG', pragmatismo sai à frente de princípio
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Você quer ser feliz ou ter razão? É com essa pergunta hedonista que os acionistas da Linx estão se deparando em meio à proposta de fusão com a Stone, que inclui um pacote de benefícios aos fundadores que está sendo apontado como um prêmio indevido na transação.

Ninguém duvida do mérito das críticas, tornadas públicas numa carta publicada nesta madrugada pela Fama Investimentos.

Mas, na primeira transação societária polêmica após o ‘tsunami ESG’ ter invadido o discurso de 10 entre 10 empresas e gestoras locais, o pragmatismo curto prazista parece estar prevalecendo sobre os princípios de longo prazo. 

Apesar do barulho necessário gerado pela Fama, ainda não se desenha uma articulação entre acionistas para questionar formalmente a operação ou tentar barrá-la em assembleia. 

A base de acionistas é pulverizada e dominada por estrangeiros, para os quais a empresa é pequena no portfólio, o que dificulta a concertação.

Até agora, gestores locais ouvidos pelo Reset se mostram pouco propensos a comprar briga. Apontam que o preço oferecido faz sentido — e num mercado em que são remunerados pelo desempenho da carteira no fim do ano, isso vale mais que o fato de que fundadores da Linx vão levar mais dinheiro por isso. 

A transação dá uma porta de saída de uma empresa que estava patinando no patamar dos R$ 25. A Stone ofereceu R$ 34 por ação, um prêmio de 30% sobre a cotação de fechamento do pregão imediatamente anterior. 

“A Linx sempre se financiou no mercado de ações e os investidores sempre deram um voto de confiança porque viam valor estratégico na companhia. Agora que esse valor foi destravado, os fundadores se apropriam de um valor maior”, diz um gestor que já foi acionista de Linx.

Líder no setor de softwares para gestão no varejo, a companhia passou por uma valorização robusta de 2018 para 2019, chegando a bater uma máxima de quase R$ 40, após anunciar uma incursão mais agressiva no setor de pagamentos, com a Linx Pay. 

Em grande parte amparada por essa tese, trouxe para sua base uma nova leva de acionistas e fez uma oferta de ações de R$ 1 bilhão em junho do ano passado, que deu saída para o BNDESPar e colocou cerca de R$ 650 milhões no caixa da companhia sem desconto nos papéis. 

Mas, no mercado das maquininhas cada vez mais competitivo, vem sofrendo para entregar o esperado. Hoje, o Linx Pay representa cerca de 10% das receitas. Com a crise do coronavírus pesando sobre o varejo, boa parte do mercado decidiu parar de pagar para ver e o papel tombou no começo deste ano. 

“Se não fosse um papel tão encrencado….”, disseram com pequenas variações retóricas dois gestores ao Reset, para ponderar porque não pretendem questionar a operação. 

Antes de divulgar a carta, a equipe da Fama fez a reflexão de que colocar a boca no trombone poderia doer em seu próprio bolso. “Mas não dava para ser conivente”, diz o sócio-fundador Fabio Alperowitch.

Se, por um lado, há sentido em ‘amarrar’ os fundadores, como executivos-chave para o negócio num acordo de non-compete, o valor das cifras chama atenção. 

Mais controverso ainda é o valor pago ao CEO da Linx Alberto Menache, que vai levar cerca de R$ 90 milhões por um contrato de trabalho de três anos na companhia resultante. É muito mais do que ele recebia antes: como apontado pela Fama, em 2019 o conselheiro mais bem remunerado recebeu R$ 18 milhões. 

“É muito feio, faz até sentido amarrar [o Menache], mas podia ter sido feito de outro jeito, com um fee sobre performance da empresa nos próximos anos, por exemplo”, diz um gestor que tem uma posição em Stone. 

O problema de querer ser feliz em vez de ter razão é que a felicidade pode ter prazo de validade. 

Ainda que muitos gestores brasileiros apontem dificuldades em integrar o ESG, grande parte sempre começa o discurso dizendo que o ‘G’ é a dimensão que já dominam. 

Num mercado calejado por problemas com minoritários, eles realmente entendem do assunto, mas não necessariamente sabem lidar com ele. Ao optarem pelo silêncio e chancelarem a operação da forma como foi desenhada, não poderão se mostrar surpresos se algum outro problema de governança destruir valor para os acionistas no futuro.

Ecos

O episódio da Stone/Linx traz à mente o caso da Qualicorp, em que o fundador José Seripieri Jr. levou um pacote multimilionário para não competir com a própria empresa, levantando uma série de críticas de minoritários, que se mobilizaram para mudar os termos do contrato que tinha sido aprovado pelo conselho. 

Mas gestores apontam ecos de outro caso que ganhou menos notoriedade pelo ângulo de governança: a compra da Netshoes pelo Magazine Luiza, fechada em junho do ano passado. 

A proposta da Magalu incluía um acordo de trabalho de 12 meses e mais uma cláusula de não-competição de 30 meses com o fundador e CEO da Netshoes Marcio Kumruian, que tinha 12,5% das ações, e sua irmã e COO Graciela Tanaka.  Os valores não foram tornados públicos. 

A Magalu levou o ativo com uma oferta de US$ 3,70 por ação, mesmo com uma proposta de US$ 4,10 da Centauro na mesa, que não foi levada a votação no conselho. O argumento do colegiado foi de que a oferta da Magalu endereçava melhor “as preocupações com liquidez de curto prazo” da Netshoes, que estava estrangulada. 

(Em tempo: a Netshoes era listada em Nova York e constituída em Cayman, diferentemente da Linx, que é listada no Novo Mercado.)


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