Shell injeta R$ 200 milhões na Carbonext (de olho em créditos de CO2)

A transação dá fôlego à startup para entrar em novas áreas de negócios e abre portas a novas tecnologias da petroleira, que terá acesso preferencial aos créditos de CO2 gerados

Um barril com o símbolo da petroleira Shell
A A
A A

Dez meses depois de captar R$ 30 milhões com fundos para escalar a geração de créditos de carbono a partir da preservação da Amazônia, a Carbonext está recebendo um aporte de R$ 200 milhões da Shell Brasil, que se tornará sua acionista minoritária.

Esse é o primeiro fechamento parcial de uma rodada de captação maior que está em curso e deve ser concluída ainda este ano.

“A transição para a economia de baixo carbono não é tarefa fácil e fazer essa parceria com a Shell, com a acesso a muitos recursos direcionados a essa agenda, é uma mudança de paradigma”, diz Janaina Dallan, co-CEO da Carbonext.

A empresa é uma das pioneiras na geração de créditos de carbono a partir do desmatamento evitado da floresta nativa no país e hoje tem 2 milhões de hectares de projetos em desenvolvimento na Amazônia

A transação dá fôlego à startup para entrar em novas áreas de negócios e abre portas a novas tecnologias da Shell – como monitoramento de florestas via satélite de última geração –, ao mesmo tempo em que garante à petroleira anglo-holandesa acesso preferencial aos créditos de CO2 que serão gerados pela Carbonext daqui para a frente. 

Pelo acordo, sempre que a Carbonext gerar novos créditos, a Shell terá exclusividade por três meses para comprar, a preços de mercado, uma fatia equivalente à sua participação acionária (que não foi revelada).

Emissões indiretas

Com um compromisso de zerar as emissões líquidas de gases de efeito-estufa de suas próprias operações até 2050, a petroleira tem como maior desafio as chamadas emissões indiretas, aquelas que acontecem na sua cadeia de valor – especialmente no uso dos seus produtos pelos consumidores.

Para essas, a empresa tem uma meta de compensar 120 milhões de toneladas de CO2 ao ano até 2030 via compra de créditos de carbono.

Trabalhando com um cenário futuro de escassez de créditos, para garantir seu lugar ao sol, a petroleira tem feito uma série de apostas semelhantes à que agora acontece na Carbonext.

Em março a empresa fez uma joint-venture na Índia com a EKI Energy para criar a Amrut Nature Solutions, na qual tem 49% do capital e prevê investir US$ 1,6 bilhão nos próximos cinco anos. Em 2020 já havia comprado a Select Carbon na Austrália e movimento semelhante foi feito na China.

Os direitos da Shell com o contrato estão restritos à preferência sobre parte dos créditos. “A Shell não terá ingerência sobre os negócios e não vai interferir no nosso dia-a-dia”, diz o co-CEO Luciano Corrêa da Fonseca.

Ampliando o escopo

Com planos de chegar a 10 a 15 milhões de hectares de áreas de floresta nos próximos anos, os recursos serão usados, segundo o executivo, para ampliar as possibilidades de desenvolvimento da bioeconomia na região.

Além do extrativismo de açaí – a empresa tem um contrato de exclusividade com a rede Oakberry – e de outros frutos da Amazônia, outra frente que começa a ser desenvolvida é o ecoturismo nas áreas preservadas. Nos dois casos, Fonseca diz que pode haver oportunidades de aquisições de negócios que tenham complementaridade. 

A empresa tem planos também de entrar em atividades mais intensivas em capital. Entre eles está a compra de terras próprias – hoje, a Carbonext desenvolve projetos em propriedades de terceiros. Outra frente será o reflorestamento de porções desmatadas dentro das áreas em atua.  “Faremos o reflorestamento de forma complementar à preservação”, diz Fonseca.

No fim do dia, a estratégia é criar, para as mesmas áreas preservadas, diferentes fontes de receita além dos créditos de CO2. 

A empresa também pretende atuar na atividade de compensação de reservas legais. Pelo código florestal, os produtores rurais precisam preservar um percentual de mata nativa em suas propriedades, que varia de bioma a bioma. A ideia aqui é atuar como uma espécie de imobiliária de reservas florestais para oferecer a compensação para quem está desenquadrado.

De janeiro a maio a Carbonext gerou 2,5 milhões de créditos de carbono que foram vendidos a R$ 150 milhões no mercado voluntário – a empresa costuma ficar com 25% a 30% da receita gerada e o restante vai para o proprietário da terra e para o desenvolvimento das áreas. A expectativa é gerar 10 milhões de créditos no ano.

Monitoramento high tech

Fonseca e Dallan dizem que a entrada da Shell fez sentido não só pelo aporte financeiro, mas porque a empresa criou em 2018 uma divisão de Nature-Based Solutions (NBS) que já apresenta uma série de soluções tecnológicas que representam um salto para a Carbonext.

“Eles vão abrir a cozinha deles e aportar tecnologias”, diz Fonseca. 

Uma das primeiras será o acesso às imagens de satélite de alta definição da petroleira (hoje a Carbonext trabalha com imagens públicas, de menor qualidade) para fazer o monitoramento das florestas preservadas. A Shell também cederá um algoritmo desenvolvido por ela para identificar focos de desmatamento e gerar alertas.

Outra tecnologia que a Carbonext poderá usar é um E-DNA ou “DNA ambiental”. A partir de amostras de água ou solo de determinada área, um leitor de DNA faz o cruzamento com um banco de espécies e é possível montar um inventário da biodiversidade da área. 

A partir do banco de dados montado, diz Dallan, é possível acompanhar a evolução e saber se está havendo redução ou aumento de cada uma das espécies, a partir da quantidade do material orgânico coletado.

Esse tipo de tecnologia é especialmente interessante quando se pensa em créditos de carbono ‘premium’, que atestam benefícios extra como a preservação da biodiversidade.

A Carbonext também vai instalar em suas áreas torres de medição de fluxo de CO2 de baixo custo desenvolvidas pela Shell e trocará experiências com a equipe de gestão de comunidades tradicionais que a petroleira tem.

“Tudo isso somado faz com que os projetos sejam cada vez mais ricos, em termos de ter informações e dar transparência”, diz Fonseca.