Sergio Rial: Capitalismo social é ‘irreversível’, mas não cabe a bancos fazer políticas públicas

Sergio Rial: Capitalismo social é ‘irreversível’, mas não cabe a bancos fazer políticas públicas
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Na crise financeira de 2008, os bancos saíram com a imagem completamente abalada. Agora, com o mundo de ponta-cabeça por conta do coronavírus, se esforçam para serem vistos como parte da solução, enquanto são pressionados a não cortar o crédito quando os clientes mais precisam. 

Sergio Rial, presidente do Santander Brasil, vê como irreversível o surgimento do que chama de um ‘capitalismo social’, especialmente pós-covid.

“Dar resultado é obrigação. Como se faz esse resultado e como se pensa distribuí-lo, não é. É entender o papel que uma empresa tem, que vai além da remuneração do acionista”, diz.

Em entrevista ao Reset por videoconferência na tarde de quinta-feira (16), o executivo, que dirige o terceiro maior banco privado, falou do desafio em equilibrar o risco que subiu com a crise e dar crédito para não deixar o cliente na mão. 

“Os dirigentes bancários se deram conta que técnica bancária é importante, mas que nós temos uma indústria bancária forte o suficiente para neste momento termos um papel social em fazer o que é correto mais do que ir para a planilha. Tendo dito isso, os bancos tampouco vão fazer políticas públicas.” 

Rial avalia que os bancos têm dificuldade de chegar ao Brasil real: os trabalhadores informais e microempreendedores que não têm renda certa no fim do mês. 

Há dificuldade de acesso, de criar produtos e serviços que sejam rentáveis e mesmo entender esse cliente que, segundo ele mesmo diz, vive uma realidade muito distante da maior parte dos funcionários do banco. 

“Abraçar um mundo cujo consumidor você não conhece é infinitamente mais difícil. É muito mais fácil falar de investimentos e de crédito imobiliário, porque a gente vive essa realidade.”

A seguir, os principais trechos da entrevista, que também pode ser vista na íntegra em nosso canal no Youtube.

A pandemia está levando a medidas de estímulos fiscais e monetários extremas, ao mesmo tempo em que exige uma capacidade de coordenação, gerenciamento e liderança como há muito não se via. Você acredita que isso vai mudar os paradigmas sobre tamanho e papel do Estado na economia?

A pandemia traz logo o reconhecimento da importância do Estado. Já estamos investindo dinheiro que estruturalmente o Estado brasileiro não tem, mas que tem a legitimidade para fazê-lo. Aqui tem um primeiro sinal claro de que [não é verdadeira a ideia de que] com pouco Estado as sociedades estariam melhor. É preciso um Estado eficaz.

A experiência do SUS, por mais criticada que seja, é um exemplo muito concreto. É muito melhor um SUS do que a ausência dele. A pandemia traz a oportunidade de discutirmos, em sociedade, como podemos reforçar e melhorar o SUS. Por que não termos doações mesmo fora de uma pandemia?

Por último, dado que vamos fazer os investimentos sem ter os recursos, como é que fica o depois? Os líderes dos Três Poderes da República precisam sentar ao redor da mesa e discutir como vamos pagar essa conta. Que tamanho de Estado é esse e iniciar uma reforma administrativa que atinja o Estado como um todo, valorizando segmentos que essa pandemia deixou clara a importância.

E no setor privado? A pandemia traz uma mudança de paradigma na forma como as empresas devem atuar?

Muito grande. Eu acho que até anterior à pandemia. O surgimento do que alguns chamam de capitalismo social é uma tendência irreversível. A pandemia trouxe para todos nós que basta um estar mal para que todos também estejam mal. Basta um não ter acesso e todos estaremos mais vulneráveis. Por mais rentável que uma empresa seja, ela não terá longevidade e perenização se não tiver um entorno que seja economicamente viável e vibrante. E o que é o capitalismo social? Dar resultado é obrigação. Como se faz esse resultado e como se pensa distribuí-lo, não é. É entender o papel que uma empresa tem, que vai além da remuneração do acionista. E tampouco é cair na filantropia. Você tem que dar de volta à sociedade, além dos produtos e serviços que você faz, algo maior. Hoje é muito mais difícil engajar um funcionário por um balanço. Muito menos um cliente.

Ontem em live do Santander você disse que os bancos precisam pensar no Brasil real. O Brasil real é de enormes desigualdades. O que se pode esperar do Santander nesse sentido?

O mundo se tornou muito desigual nos últimos 40 anos. Muita riqueza foi gerada, o mundo está estruturalmente mais rico, mas existem milhões e milhões de pessoas desprovidas. O Brasil é 85% urbano e passou a ter uma classe média emergente. Os bancos naturalmente se direcionaram para essa classe média, que é quem paga impostos, que está formalizada, é a que você consegue matematizar. Mas você tem um Brasil enorme informal, que vive do seu empreendedorismo.

Há uma dificuldade de chegar a esse público disperso. É difícil ter modelo de rentabilidade que justifique o investimento feito. Mas a indústria financeira percebeu que existe escala, tamanho e nível de empreendedorismo na base da pirâmide que não eram observados. A tecnologia nos permite olhar para esse mundo. Hoje fazemos financiamento a pequenos empreendedores no tablet, com o crédito na conta da pessoa em minutos e não em dias. E não tem mérito nosso nisso, é a tecnologia que permite. O mérito é criar o foco e ir atrás.

O que estamos trabalhando agora é como criar oferta mais integrada de produtos e serviços para o microempreendedor. Com a total humildade de [reconhecer que] quem eu tenho no banco, em sua grande maioria, nem sequer conhece esse mundo. Abraçar um mundo cujo consumidor você não conhece é infinitamente mais difícil. É muito mais fácil falar de investimentos e de crédito imobiliário, porque a gente vive essa realidade, do que a realidade de alguém que não tem renda fixa no final do mês. Mas estamos nos mobilizando para isso.

Na crise de 2008 os bancos saíram com a imagem completamente abalada. Desta vez a crise não tem origem financeira, mas a gente vê os bancos tentando se colocar como parte da solução e não do problema. O que mudou?

Muita coisa. Essa é uma crise que lida com mortes. Mudou também a qualidade da liderança [dos bancos] e eu falo pelos meus colegas mais do que por mim. Não há um dirigente hoje que não tenha um nível de sensibilidade em relação à sociedade. A questão da sustentabilidade, do papel dos bancos na sociedade, isso vem crescendo, como vem crescendo em qualquer outro setor.

É talvez surpresa na indústria financeira por causa da postura histórica de distanciamento, de uma certa indiferença. A nova liderança é menos protocolar e menos pomposa, menos distante. O que não significa que não cabem críticas. 

Agora, o nível de resposta que hoje somos capazes de dar teria sido impensável em 2008. A tecnologia disponível não permitiria fazer a quantidade de prorrogação [de prazos de pagamento] que está sendo feita. E não houve grandes discussões sobre como precificar o risco, porque a inadimplência está dada.

Os dirigentes bancários se deram conta que técnica bancária é importante, mas que nós temos uma indústria bancária forte o suficiente para neste momento termos um papel social em fazer o que é correto do que ir para a planilha. Tendo dito isso, os bancos tampouco vão fazer políticas públicas.

Na prática, o que está sendo feito? Negócio bancário é gerenciar risco. O risco já subiu. Como o banco equilibra isso com a questão de não deixar o cliente na mão no momento que ele mais precisa? 

Primeira coisa é reforçar a noção de que não pagar não é pecado, rasgar contrato é inadmissível. Todo mundo pode renegociar sua dívida. Segundo ponto: dado que temos uma Selic a 3,75% ao ano, hoje podemos falar em prazo, opção que não tínhamos em 2008. No caso do financiamento da folha de pagamento estão sendo dados três anos. No caso de outras coisas, estamos fazendo alongamento por um a dois anos. No caso do cartão de crédito, 24 meses. Prazo dilui o impacto. Esse é um ferramental que não tínhamos. Mas é muito importante a propensão a querer pagar.

Um caso concreto: estamos escrevendo uma reportagem sobre a fabricante de ventiladores pulmonares Magnamed. Ela teve dificuldades em conseguir fiança bancária para garantir a venda ao governo federal de 6500 aparelhos. Há relatos de que os maiores bancos exigiram aval pessoal dos sócios. Um produto essencial no cenário atual, uma pequena empresa nacional que precisava de crédito urgentemente.

Não falamos de nome de clientes. Posso falar que nós, juntamente com Bradesco e Itaú, colocamos fiança de R$ 155 milhões de reais para algumas empresas de médio porte fabricantes de respiradores.

Mas a primeira pergunta interessante é: por que essa empresa precisa incorrer em custo da fiança? Porque, apesar do momento, o Ministério da Saúde não pode correr o risco. Porque os órgãos de fiscalização claramente iriam questionar. Esse risco é transferido para os bancos.

Os bancos estão prontos a dar a fiança. Quando você pede um aval, o que está pedindo é um comprometimento do controlador, que ele permaneça à frente de um negócio. O aval vale relativamente pouco. É um compromisso moral, são técnicas bancárias de se trazer para a mesa esse compromisso.

O Santander foi um dos primeiros lá fora a anunciar um corte na remuneração dos altos executivos. Isso chega ao Brasil?

Foi decidida uma redução da compensação total da nossa chairman executiva e do nosso CEO global em 50%. Além disso, foi constituído um fundo de 25 milhões de euros e parte desse fundo está sendo alimentada por eles, mas também pelos executivos mais sênior da organização, inclusive eu. Possivelmente o meu bônus vai ser zerado ou impactado materialmente neste ano.

No Brasil, o banco tomou medidas como antecipar o 13º salário. Mas também foi o primeiro a adotar o banco de horas permitido pela MP 927. Essas decisões não se contrapõem?

Quanto ao 13º fomos os primeiros e tenho o maior orgulho. Mais por mérito da minha equipe. Tomamos também a decisão de não demitir no pico da crise, para eliminar a ansiedade. Nós temos um negócio a proteger. Não há a menor dúvida de que o que tem que ser protegido é a vida de nossos colaboradores. Mas eu não consigo atender 26 milhões de clientes com todo mundo dentro de casa e não querendo estar conectado.

Nós temos uma atividade de utilidade pública, as pessoas têm que se conscientizar disso. Portanto, ninguém teve corte de salário como muitas empresas fizeram. Mas me parece legítimo mitigar o impacto no negócio usando recursos que já existem, como o banco de horas, como as férias.

As metas do pessoal de vendas mudaram por causa da covid?

Estamos no processo de repensar. É importante ter produção, nós somos varejo, a gente vende por metro quadrado por mais estranho que isso pareça. Mas temos que entender qual o elenco de produtos e serviços que vão fazer sentido neste momento.

Exemplo: seguro de vida para profissionais de saúde sem carência. Foi uma discussão enorme dentro da companhia porque o risco é absolutamente claro. E tomamos esse risco.

Segundo produto: se você tiver um imóvel te dou dinheiro por 20 anos contra esse imóvel, pode até ser o imóvel em que você mora, que legalmente eu não vou ter o direito de te tirar. Mas você tem um valor nesse imóvel. Temos que encontrar os produtos que conversem com o momento da crise.