SEC fecha cerco a fundos que usam rótulo ESG

Xerife do mercado de capitais americano incluiu os fundos ditos sustentáveis em regra de nomenclatura e impôs exigência de transparência em reportes

SEC fecha cerco a fundos que usam rótulo ESG
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O órgão que regula os mercados de capitais dos Estados Unidos divulgou hoje uma série de medidas para colocar ordem no vale-tudo dos fundos de investimento que usam – ou dizem usar – critérios ambientais, sociais e de governança como parte de suas estratégias. As regras ficam em audiência pública para receber comentários do mercado antes de serem implementadas.

Um dos principais objetivos das regras propostas pela Securities and Exchange Commission (SEC) é estabelecer padrões para os nomes dos produtos oferecidos aos investidores.

Muitas dessas opções de investimentos se aproveitam de termos como “ESG”, “sustentável” ou “socialmente responsável” sem que seus produtos entreguem o prometido – uma prática conhecida como greenwashing e que cresceu tão rápido quanto a oferta desse tipo de produto graças ao vácuo regulatório que existiu até aqui.

O universo das aplicações que se descrevem como sustentáveis totalizou quase US$ 2,8 trilhões mundialmente no primeiro semestre deste ano, de acordo com dados da empresa de informações de mercado Morningstar. Em 2019, esse segmento representava cerca de US$ 1 trilhão.

“Embora os investidores devam ir além do nome, olhando as informações subjacentes do fundo, o nome pode ter impacto significativo nas decisões [do cliente]”, afirma a proposta apresentada pelo regulador americano.

Num vídeo publicado no Twitter em março, Gary Gensler, diretor da SEC, fez um paralelo da indústria financeira com a de alimentos. “É fácil saber se o leite é desnatado. Talvez seja a hora de saber se o fundo realmente é o que diz ser”, afirma Gensler no clipe (veja abaixo).

As propostas para criar algo comparável às tabelas nutricionais para o setor financeiro vão passar por consulta pública, mas a expectativa é que elas sejam aprovadas. Medida semelhante já foi adotada pelo regulador europeu.

Está no nome

Uma lei em vigor desde 2011 e conhecida como “Regra dos Nomes” estabelece que, se o nome do fundo sugere um certo tipo de investimento – um setor da economia ou uma região geográfica, por exemplo –, pelo menos 80% de seus recursos devem estar aplicados de acordo com o que foi indicado.

A proposta apresentada hoje atualiza a regra de modo que ela se aplique de forma inequívoca quando os termos pertencem ao universo ESG. Na opinião da SEC, a redação atual deixa brecha para interpretações por parte dos gestores.

Certos usos de terminologia ESG em nomes de fundo também passariam a ser considerados “materialmente enganosos” – o que representaria uma proteção extra para o investidor.

Caso o portfólio do fundo fique abaixo dos 80% exigidos de acordo com a Regra dos Nomes, uma correção deve ser feita em até 30 dias. Os gestores também terão de indicar quais de seus ativos são contabilizados para alcançar os 80%.

Outra restrição proposta pela SEC diz respeito aos “fundos de integração”, ou seja, aqueles que incluem critérios ESG em sua política de investimentos em peso menor ou igual a outros fatores. Nestes casos, os produtos não poderão usar termos relacionados a ESG em seus nomes.

Os prospectos e relatórios anuais dos produtos financeiros terão que conter a “definição dos termos usados em seu nome, incluindo os critérios usados pelo fundo para selecionar os investimentos descritos pelo termo”.

Reporte

Para evitar uma divulgação exagerada dos atributos ESG dos fundos, a SEC também apertou as regras de reporte. Tanto os prospectos quanto os relatórios anuais dos fundos terão que atender a padrões mínimos de transparência sobre as práticas ESG adotadas.

Especificamente no caso de fundos de impacto, a SEC determinou que esses produtos terão que indicar seu progresso em termos quantitativos e qualitativos. No caso de fundos que fazem engajamento com as companhias em que investem como parte de sua estratégia, eles terão que informar os investidores sobre seus votos em assembleias quando o assunto tiver relação com o universo ESG.

Também há uma provisão que vai obrigar fundos focados em ESG a contabilizar as emissões de gases de efeito-estufa de seus portfólios em seus relatórios anuais.

Um dos objetivos desse requerimento, segundo a SEC, é evitar “afirmações exageradas, oferecendo dados consistentes, comparáveis e confiáveis”, que ajudem na tomada de decisão do investidor interessado em fatores climáticos.

Rachel Curley, presidente da entidade ativista Public Citizen, afirmou à Reuters que muitos gestores se aproveitam da dubiedade do texto para atrair clientes. 

“As novas regras vão começar a mudar o cenário desses investimentos ‘verdes’”, afirmou ela.

Hay que endurecerse

Os ajustes propostos fazem parte de uma atuação mais firme da SEC, particularmente em temas relacionados ao clima, uma promessa do presidente democrata Joe Biden.

Na segunda-feira, antes mesmo da divulgação das novas propostas, o regulador anunciou um acordo de US$ 1,5 milhão com a BNY Mellon. A gestora teria omitido informações sobre os critérios ESG usados na administração de seus fundos.

Foi a primeira ação direta tomada pela SEC em relação aos termos usados  por gestores para descrever seus produtos.

Além de regras mais estritas em relação aos fundos, o regulador apresentou em março um pacote de divulgações obrigatórias e padronizadas sobre as emissões de gases de efeito-estufa por parte das companhias de capital aberto.

As regras sugeridas, que também afetam empresas brasileiras listadas nos Estados Unidos, estão em período de consulta pública e devem entrar em vigor em 2024 (em relação ao ano fiscal de 2023).

E, há três semanas, o regulador anunciou um processo contra a Vale na Justiça americana por informações enganosas e falsas divulgadas aos investidores nos relatórios de sustentabilidade da mineradora.

Embora haja consenso sobre a necessidade de mais transparência e informações comparáveis, o posicionamento agressivo da SEC despertou reações contrárias.

A diretoria da agência é composta por quatro integrantes, dos quais três são do Partido Democrata (incluindo Gensler).

Integrantes do Partido Republicano afirmam que o órgão está indo além dos limites ao aumentar as exigências de reportes públicos.