Safra nova, velhas práticas: Em estreantes na bolsa, mulheres são só 10% nos conselhos

Metade das empresas que estrearam na B3 este ano não tem sequer uma mulher no conselho de administração, aponta 30% Club, que tenta reverter a tendência

Safra nova, velhas práticas: Em estreantes na bolsa, mulheres são só 10% nos conselhos
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As empresas podem ser novas na bolsa, mas as práticas, nem tanto.

Nas 17 empresas que estrearam na B3 neste ano até setembro, a presença de mulheres nos conselhos de administração é de apenas 10% — o mesmo percentual baixíssimo encontrado nas companhias que integram o índice IBrX-100.

Em números absolutos: das 116 vagas abertas nos conselhos dessas empresas, apenas 12 são ocupadas por mulheres.

Oito dessas 17 empresas sequer têm mulheres em seus colegiados: Boavista, Cury, Locaweb. Quero-Quero, Melnick, Mitre Realty, Moura Dubeux e Simpar.

Nesse caso, a fatia de 47% de ‘all male boards’ supera o percentual de 37% encontrado no IBrX-100.

O levantamento é do 30% Club, movimento nascido na Inglaterra e presente em 15 países, inclusive Brasil, que defende a presença de ao menos 30% de mulheres nos conselhos de administração.

“Essa leva de ofertas traz números muito preocupantes, porque as novas entrantes replicam essa composição pouco ou nada diversa dos conselhos”, diz Olivia Ferreira, que co-dirige o capítulo brasileiro do movimento. “É algo incoerente com a agenda ESG, que revela a falta do G de governança e do S de social.”

Apenas uma estreante da bolsa entrega os 30% de mulheres: a rede de farmácias Pague Menos. Das três mulheres num total de 9 conselheiros, duas são da família controladora da empresa e uma é independente.    

A rede é também a única das novatas da bolsa a ter uma chairwoman. Patriciana Maria de Queirós Rodrigues assumiu o lugar do pai, Francisco Deusmar de Queirós, em junho, pouco antes do IPO da empresa. 

Deusmar renunciou à presidência do conselho em setembro de 2018 logo depois de ser preso por crime contra o sistema financeiro, mas havia sido reconduzido em janeiro deste ano.

O grupo de moda Soma, dono de marcas como Animale e Farm, exibe percentual de 29% de mulheres em conselho e outro destaque positivo fica por conta de Ambipar, que faz gestão de resíduos, com 20%.

Campanha de vacinação

Com outras 40 empresas na fila para fazer IPO entre este ano e 2021, o 30% Club está se mexendo para conter a epidemia de conselhos exclusivamente masculinos.

Para tentar elevar a barra daqui para a frente, está se engajando com os principais bancos de investimento e escritórios de advocacia envolvidos nas ofertas. A ideia é sensibilizá-los para a questão e fazer com que defendam a diversidade na formação dos conselhos das empresas clientes.

A Abvcap, que reúne fundos de private equity, acionistas de muitas dessas candidatas a abrir o capital, também é alvo do engajamento.

O movimento é coordenado por Natalia Dias, CEO do Standard Bank no Brasil e que lidera a área de financial services do 30% Club no Brasil, e por Juliana Buchaim, do Programa Diversidade em Conselhos (PDeC) do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

As conversas estão começando por BTG, XP e Itaú.

A inspiração vem do Goldman Sachs, que assumiu o compromisso de, a partir de julho, só fazer o IPO de empresas com ao menos um membro diverso em seu conselho. E a partir de 2021 essa meta sobe para dois integrantes.

O movimento quer envolver CVM e B3 também, mas Olivia Ferreira diz que é fundamental atuar na ponta de quem está colocando essas ofertas na rua. “A janela é agora.”

Ambição maior

Essa ação direcionada aos IPOs corre em paralelo à agenda central do movimento no Brasil. Há duas metas em curso. Uma delas é zerar o número ‘all male boards’ no Brasil até 2022. 

No IBrX-100, há 34 empresas com conselhos exclusivamente masculinos. “A última oportunidade para isso é a próxima temporada de assembleias gerais ordinárias, no começo de 2021”, diz Ferreira.

A segunda meta é elevar a presença de mulheres no conselho dessas mesmas empresas a uma média de 30% até 2025. Hoje, apenas seis companhias do IBrX-100 têm mais de 30% de mulheres no conselho.

“Não é um número absurdo. Estamos falando de sair de 90 mulheres hoje para pouco mais de 200. E existe um universo de mulheres muito prontas para assumir essas vagas”, diz Ferreira, que é CEO da empresa de recrutamento Enlight.

O negócio do 30% Club, onde todos os envolvidos são voluntários, é o advocacy. Mas alguns outros movimentos focam na oferta.

É o caso do Women Corporate Directors, que tem cerca de 200 mulheres participantes, e do próprio PDeC do IBGC, com cerca de 100 mentoradas. A Saint Paul Escola de Negócios também tem o seu ‘banco de conselheiras’.

O 30% Club tem apostado em duas frentes: no engajamento com presidentes de conselho, vistos como guardiões da diversidade nos colegiados, e grandes investidores.

Na primeira delas, este ano a ideia é extrapolar a prática de envio de e-mails e partir para reuniões coletivas e individuais com esses presidentes, para discutir metas de inclusão e políticas claras para a seleção de integrantes.

No front dos investidores, o movimento já conta com a adesão, no Brasil, de BlackRock, Federated Hermes, Robeco, Petros, Previ, Leblon Equities, Fundação Real Grandeza, Stratus, Fram Capital e Santander Asset Management. 

“É preciso criar políticas de votos entre os investidores, para que não votem em chapas compostas exclusivamente por homens. E a gente espera que esses investidores puxem a agenda nas assembleias.”

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