Quebra do SVB pega fundos ESG que ignoraram o ‘G’

Banco do Vale do Silício estava havia quase um ano sem o chief risk officer; Fed vai investigar

Quebra do SVB pega fundos ESG que ignoraram o ‘G’
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Quase 1000 fundos que fazem a integração de fatores ESG em sua gestão ou declaram ter um objetivo de investimento sustentável, segundo as estritas regras da União Europeia, tinham ações do Silicon Valley Bank (SVB) em suas carteiras e foram pegos pela derrocada do banco queridinho do universo do venture capital.

BlackRock, Amundi e BNP são algumas das grandes gestoras com fundos ESG que carregavam os papéis, segundo dados compilados pela Bloomberg.  

O que atraía esses fundos era o fato de o banco ter centenas de climate techs entre as startups clientes e dar crédito para os negócios de energia renovável. Era o sexto maior financiador de projetos solares, eólicos e de baterias, nos Estados Unidos. Em 2022 havia destinado US$ 1,2 bi para esse tipo de projeto e pretendia injetar outros US$ 5 bi em negócios sustentáveis até 2027.

Parece ser um caso clássico em que os gestores e agências de rating olham para um dos pilares do ESG, no caso o ambiental, e ignoram os demais. 

Sobram críticos à junção dos fatores ambiental, social e de governança corporativa debaixo de um mesmo guarda-chuva. Mas também há quem defenda que, sem boa governança, as boas práticas ambientais ou sociais não param de pé. E a derrocada do SVB reforça o argumento deste segundo grupo.

Só depois da corrida bancária e da intervenção do governo americano é que ganhou destaque uma informação que poderia ter sido descoberta por um gestor ou investidor que fizesse sua lição de casa: fazia quase um ano que o SVB estava sem um chief risk officer, o que será investigado pelo Fed, o banco central americano.

O banco anunciou uma nova CRO no comecinho de janeiro e apenas em março esclareceu que o cargo estava vago desde abril do ano passado.

Não fazer uma boa gestão de risco é fatal para qualquer banco, porque é exatamente essa a essência do negócio bancário.

No caso do SVB, ele tinha uma base de depósitos pouco pulverizada, já que seus depositantes eram startups que faziam rodadas milionárias de captação de recursos com fundos de venture capital e mantinham o caixa aplicado no banco. E, na outra ponta, investia pesadamente em títulos do governo americano, em tese seguros, mas que eram de longuíssimo prazo. 

Quando veio o aperto monetário e acabou a farra do dinheiro fácil no universo do venture capital, o banco sofreu nas duas pontas, na do ativo e na do passivo. Passou a perder depósitos porque as startups estavam queimando caixa e a farra das novas rodadas de captação acabou.

Ao mesmo tempo, o SVB viu sua carteira de títulos perder bilhões de dólares em valor conforme os juros subiram (os papéis mais longos são aqueles que mais se desvalorizam num aperto monetário).

O banco até poderia ter aguentado a desvalorização da sua carteira, mantendo os títulos até o vencimento, mas a combinação com a perda de depósitos foi fatal para minar a confiança dos clientes, que então empreenderam uma fuga bancária. 

Má gestão de risco na veia – ou que falta faz um chief risk officer.

Tampouco as agências que fazem rating ESG viram qualquer problema, porque o banco tinha notas altas segundo as principais delas. A MSCI dava rating “A” para o banco, enquanto a Sustainalytics considerava que a instituição não estava envolvida em qualquer controvérsia.

E a cereja do bolo: em 27 de fevereiro, 15 dias antes da quebra e quando os problemas de liquidez já estavam evidentes dentro de casa, o CEO do banco, Gregory Becker, vendeu US$ 3,6 milhões em ações do SVB quando elas ainda estavam a US$ 287 (na sexta, data da intervenção, já haviam caído para US$ 100).  

Venda de ações por executivos é algo comum, mas quando acontecem de forma inesperada, como foi o caso, podem ser um sinal de que quem está dentro sabe de alguma coisa que os minoritários ainda ignoram.

Para reduzir os riscos de insider trading, no ano passado, a Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, criou uma norma que proíbe vendas de ações por executivos e conselheiros que não tenham sido comunicadas com pelo menos 90 dias de antecedência, mas a regra ainda não está valendo.