Quanto a lei de igualdade salarial custará para empresas da bolsa

Renner terá maior aumento na folha de pagamentos para igualar salários de mulheres e homens; Engie lidera em disparidade, indica análise do Santander

Desigualdade salarial entre homens e mulheres é objeto de nova lei
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Fechar a lacuna de remuneração existente entre homens e mulheres deve pesar no bolso da maioria das companhias do Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira. 

Em relatório que acaba de ser publicado, a equipe de análise do Santander identificou a diferença salarial de gênero existente nas empresas listadas e calculou o impacto sobre a folha de pagamentos para se adequar à nova lei de igualdade salarial proposta em março pelo governo Lula, já aprovada nas duas casas do Congresso e à espera da sanção presidencial para entrar em vigor.

No topo do ranking, o maior impacto para igualar os salários e benefícios das mulheres aos dos homens que ganham mais para exercer a mesma função deve ser da varejista Renner, com um custo adicional de 9,8% sobre a folha de pagamento, segundo cálculos de Maria Paula Cantusio, analista ESG da equipe de research do banco.

Embora a varejista não lidere o ranking da diferença salarial, o que aumenta o peso relativo da conta a pagar é o fato de que mais de 60% da sua força de trabalho é composta por mulheres. Mesmo sendo maioria na empresa, elas ainda recebem 15% a menos que homens na mesma função, em média, considerando diferentes níveis hierárquicos.

A concessionária de rodovias CCR vem em segundo lugar, com impacto de 7,6% sobre a folha, seguida pela elétrica Engie Brasil, com acréscimo de 7,2% (ver tabela com as 30 companhias com maior acréscimo potencial nas despesas com pessoal). 

Diferentemente de Renner, Engie e CCR estão entre as companhias que exibem as maiores disparidades médias de remuneração no Ibovespa. Na elétrica, que lidera o ranking do gap salarial de gênero do Santander, a remuneração das mulheres é 26,9% menor que a dos homens. Na CCR, elas ganham 20,1% menos, em média. 

A SLC Agrícola (22,1%), o grupo sucroenergético São Martinho (21,2%) e a MRV (19,3%) completam o ‘top 5’ da desigualdade entre as empresas do Ibovespa que reportam esse dado (ver tabela com as 30 maiores disparidades de remuneração entre gêneros). 

Mas não só de mulheres mal remuneradas vivem as empresas da bolsa. Na outra ponta, a rede de farmácias Raia Drogasil, a fabricante de painéis de madeira, louças e metais Dexco e a construtora Cyrela, as funcionárias recebem 8,9%, 1,2% e 1,0% a mais que os os homens, respectivamente. Os dados são uma média de todos os níveis corporativos, do operacional à diretoria.

 

Falta de transparência

Para elaborar os rankings e os custos potenciais para equiparar os salários, Cantusio se baseou nos mais recentes relatórios de sustentabilidade disponíveis, de 2021 ou 2022, e, em último caso, em seus relatos.

Uma das limitações para saber quanto a desigualdade salarial pode custar ao Ibovespa está na falta de transparência e também de precisão das informações.

Uma a cada três empresas que compõem o índice, ou 22 companhias, não fornecem dados de remuneração por gênero em seus relatórios de sustentabilidade, diz o Santander. 

Entre as empresas que trazem a informação, algumas são mais completas e detalhadas que outras. 

No documento da Engie, por exemplo, é possível saber quantas mulheres ocupam posições em determinado nível hierárquico e a disparidade salarial entre gêneros em cada um deles, o que permitiu que o banco fizesse um cálculo mais preciso, usando a média ponderada. 

Em casos com informações menos detalhadas, a analista fez cálculos aproximados, usando os dados disponíveis.

“Isso acaba prejudicando os números de algumas delas, porque as maiores lacunas de remuneração estão no topo da pirâmide, enquanto é também ali que há menos mulheres”, diz Cantusio. 

O levantamento mostra que, em cargos similares, há mulheres que recebem 54% a menos que homens na MRV e na CPFL Energia, mas 54% a mais na Vibra Energia, por exemplo. 

Outros grandes nomes, como a Vale, responderam apenas que não há diferença na remuneração para pessoas que ocupam a mesma posição. O próprio Santander, a Natura e o Grupo Pão de Açúcar, também não reportam esse dado. 

Tirando o terço corporativo que não fornece detalhes, na média, equilibrar as remunerações deve custar 2,3% adicionais nas folhas de pagamento das componentes do Ibovespa, estima o relatório – com 26 delas com custos acima da média. Outras 11 companhias não devem sentir o impacto.

As mulheres que trabalham para empresas componentes do índice são 7,6% pior remuneradas que os homens para o mesmo cargo, na média. Esse percentual é muito inferior aos 22% da média nacional. 

O que diz a nova lei

O relatório foi publicado na esteira da aprovação do  PL 1085/23, que trata da igualdade de remuneração e aguarda assinatura do presidente Lula até 4 de julho. 

Atualmente, a CLT já determina que todo trabalho de igual valor deve corresponder a salário igual, sem distinção de gêneros. No entanto, a lei não é devidamente cumprida e, quando a discriminação é comprovada, a multa corresponde a pouco mais de R$ 3,7 mil, metade do teto previdenciário.

Pela nova lei, a empresa terá que pagar uma multa correspondente a 10 vezes o melhor salário do funcionário que realiza aquela mesma atividade – limitado a 100 salários-mínimos. Em caso de reincidência, o valor será dobrado.

A expectativa é que, com o endurecimento da punição e a publicidade dada ao tema, as empresas busquem corrigir as desigualdades, incorrendo em custos para isso.