Biofílica Ambipar: Brasil pode ter mercado voluntário de carbono de R$ 30 bi

Definições de Glasgow dão segurança para um crescimento explosivo das transações voluntárias de créditos de carbono, diz Plínio Ribeiro

Biofílica Ambipar: Brasil pode ter mercado voluntário de carbono de R$ 30 bi
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A regulamentação do chamado Artigo 6 do Acordo de Paris, criando regras para trocas internacionais de créditos de carbono, removeu uma enorme incerteza que pairava sobre o mercado voluntário de CO2. O resultado deve ser o destravamento de investimentos em projetos para evitar ou remover emissões de gases de efeito-estufa no mundo todo, Brasil inclusive.

A avaliação é de Plínio Ribeiro, CEO e fundador da Biofílica Ambipar. A Biofílica é pioneira no desenvolvimento de projetos florestais na Amazônia para a geração de créditos de carbono e em julho teve o controle adquirido pela Ambipar, com a ideia de não só escalar os projetos de conservação de florestas, mas para entrar em novas atividades de geração de créditos, como a agropecuária, e criar uma ‘one stop shop’ de soluções para neutralidade em carbono.

A leitura de Ribeiro é que, a partir de Glasgow, ficou claro que os chamados mercados voluntários não terão que passar pelos mecanismos criados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e estão livres de amarras para serem negociados. 

Até então, diz ele, pairava a dúvida para alguns sobre a necessidade ou não de as negociações no chamado mercado voluntário terem que ser descontadas ou somadas dentro das metas de descarbonização dos países, as chamadas NDCs (nationally determined contributions), o que tornaria tudo mais moroso e burocrático. 

(Tecla SAP: Existem dois tipos de mercados de carbono. Nos regulados, governos fixam limites de emissão de CO2 para setores mais poluentes, que precisam se ajustar e, para isso, compram ou vendem ‘direitos de emissão’ entre si. E existe o mercado voluntário, em que empresas que espontaneamente querem reduzir suas emissões compram créditos gerados por projetos que evitaram ou reduziram o lançamento de gases na atmosfera. Esse mercado não é sujeito a regulação, mas segue padrões aceitos. Para entender mais, veja o nosso Resetpedia sobre mercados de carbono.)

O executivo estima que, num cenário conservador, o chamado mercado voluntário global poderá atingir um volume transacionado de US$ 30 bilhões por ano a partir de 2030. “E o Brasil tem todas as condições de ter pelo menos 20% desse mercado”, disse ele, logo depois de chegar de Glasgow, onde participou da sua 11ª COP.

“Vamos ter uma corrida de investidores internacionais interessados no Brasil, para os setores nos quais somos competitivos para remover carbono. Agora vai ter muito mais mercado, muito mais concorrência e isso é bom. Nós apostamos nesse resultado de Glasgow e por isso nos posicionamos antes.”

A seguir, os principais trechos de conversa:

Regulação do Artigo 6 do Acordo de Paris

Gosto de falar que Artigo 6 não é sinônimo de mercado, mas é uma estruturação no âmbito de como os países vão usar os mercados e registrar essas trocas entre si. Não é que ele cria mercados. Os mercados já existem. Você tem vários mercados regulados, regionais e nacionais, e o próprio mercado voluntário.

Essa definição na COP foi de fato importante porque agora deixou de ter algo pendente, que gerava insegurança dos atores principais, sejam investidores ou empresas, quanto à importância e o reconhecimento do instrumento de mercado para mitigação dos gases de efeito estufa. 

Definição de regras

A regulamentação do Artigo 6 resolveu questões técnicas das trocas entre países que provocavam discussões e empacavam investimentos no setor privado. A principal delas era a questão do ajuste correspondente. 

(O mecanismo de ajuste correspondente criado em Glasgow tem como objetivo evitar a dupla contagem de um mesmo crédito de carbono por dois países dentro de suas metas de redução de emissões, as chamadas NDCs. Pelo mecanismo, se um país comprar um crédito de outro e usá-lo para abater da sua NDC, o país hospedeiro do projeto terá que fazer o chamado ajuste correspondente, ou seja, descontar o mesmo crédito do cumprimento da sua meta. O mesmo vale para troca entre empresas, sempre que suas reduções forem contabilizadas dentro das metas nacionais. Essa diferenciação é importante porque alguns setores ou tipos de atividades não entram nas contas de redução de emissões apresentadas pelos países. O setor de tecnologia é um exemplo.)

Foi criado um bom termo. Ou seja, vamos ter ajuste correspondente nas metas nacionais para evitar dupla contagem, sim, e isso é importante para a credibilidade do sistema e para o benefício climático do planeta. Tanto para trocas entre países, quanto para as trocas entre empresas.

Mas ficou reconhecido que, no caso do mercado voluntário, não se faz necessário esse ajuste. E a lógica é: se uma empresa está disposta a desenvolver um projeto e um investidor está disposto a colocar um projeto de pé, mas isso não vai se refletir na meta de redução de emissões (NDC) do país hospedeiro do projeto ou do país onde está o comprador dos créditos, não tem a necessidade de fazer o ajuste.

Impacto na prática

Temos a oportunidade de alavancar financiamento para projetos a partir de mercado voluntário. Empresas e investidores que estavam travados, à espera dessa definição, agora aumentarão o investimento em financiamento de projetos e programas de redução de emissões via mecanismos de mercado. 

Vi em Glasgow uma quantidade absurda de participantes do setor privado na comparação com outras COPs. Já víamos há alguns anos a participação de empresas mais demandantes de créditos, ou aquelas que têm a oferecer soluções para reduzir emissões. Mas agora o que me chamou a atenção foi a presença de financiadores, querendo investir na originação de créditos de carbono.

De gestores de fundos a executivos de grandes empresas que começam a anunciar elevadas somas de investimento em programas de remoção e sequestro de carbono. Para esse pessoal essa mensagem foi importante e destrava investimento. 

O mercado do net zero

O mercado que chamamos de voluntário será aquele do net zero, ou seja, as companhias de serviços que têm uma questão reputacional a resolver, por demanda dos consumidores ou dos investidores, serão atendidas por esse mercado para neutralizar suas emissões. E isso é uma parte da jornada global.

Outra parte será cumprida pelos mercados regulados de carbono, como o da China, que está ajudando a China a cumprir sua NDC. Então, os mercados regulados vão ser aqueles que apoiam os países a atingir suas NDCs [regulando os setores mais carbono intensivos]. 

Num segundo momento, dentro de 5 a 10 anos, alguns países vão conseguir de fato ir além da sua NDC e vão começar a ter créditos para de fato vender para outros países mais atrasados nesse processo. Mas acho que esse é um outro estágio, até porque outra definição que saiu dessa COP é que as NDCs também se ajustam para ser mais ambiciosas ano após ano.

Não podemos esquecer que o net zero das empresas não pode ser dependente só de compensação [tem que haver redução propriamente das emissões]. E em Glasgow houve o reconhecimento da importância de todos esses compromissos de net zero das empresas, mas também uma pressão para ter o ‘walk the talk’.

US$ 30 bi

Este ano o mercado voluntário de carbono no mundo vai ultrapassar US$ 1 bilhão em negociações. Ainda é pequeno, menor do que o faturamento da maior parte das empresas listadas no Brasil. 

Mas quando fazemos a conta dos compromissos de net zero das empresas no mundo todo e do potencial de geração de créditos de carbono, estamos falando de um mercado que pode ficar entre US$ 30 bilhões e US$ 50 bilhões em 2030. Ou seja, na estimativa mais conservadora, pode crescer 30 vezes em dez anos, se as empresas cumprirem os ‘pledges’. 

O Brasil tem todas as condições de ter pelo menos 20% desse mercado. Acho muito razoável. Seriam US$ 6 bilhões de dólares, com o câmbio atual, seriam R$ 30 bilhões. O orçamento inteiro do Ministério do Meio Ambiente não passa de R$ 500 milhões.

Ou seja, com 20% do mercado voluntário, teremos um nível de funding no Brasil que a gente nunca viu, direcionado para as atividades em que somos competitivos para sequestrar carbono, que é plantar floresta, evitar que floresta seja desmatada — e agora estamos entrando nas agendas de concessões e vamos ter espaços para fazer florestas nas áreas públicas, que é algo que precisava também — , e desenvolver uma agropecuária de baixo carbono. 

Tenho certeza de que daqui a dez anos vamos ver o funding via mercado de carbono equivalendo a dez vezes, se não 100 vezes, o funding das doações internacionais dos países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento.

Impacto para o agro

Na agropecuária, vamos ter que sequestrar carbono no solo. Como? Com aumento de produtividade, com rotatividade de culturas, financiando agricultura de precisão, trocando insumo químico por biológico, evitando desmatar legalmente. Quem vai pagar para preservar esse excedente de reserva florestal que o proprietário tem direito de desmatar? O direito está aí, está dado, mas se todo mundo exercer o direito, fica muito difícil o Brasil cumprir a sua meta de redução de emissões só no desmatamento ilegal.

E como vai ser o financiamento para evitar o desmatamento ilegal? Não sei se vamos ver isso vindo do setor privado, mas, se o privado resolve as outras partes, o governo fica com a responsabilidade principal de perseguir o desmatamento ilegal.

Os frigoríficos, por exemplo, têm metas de redução das emissões de gases de efeito estufa no escopo 3 [na cadeia de valor, que inclui fornecedores]. E como reduz no escopo 3 na agropecuária? Com projeto de carbono. As emissões de escopo 3 acontecem nas fazendas. E quem vai financiar conservação florestal, mudança de práticas agrícolas para sequestrar carbono no solo? A única possibilidade que temos hoje é via mercado de carbono. 

Então, os próprios frigoríficos terão interesse em investir nesses projetos e repartir com os proprietários de terras os créditos de carbono que poderão ser negociados. 

2050, quando o mercado acaba

Se a gente imaginar que as empresas vão colocar em prática o que prometem, terão que fazer uma série de atividades para reduzir as emissões; mas por alguns anos haverá uma janela em que será preciso compensar, via compra de créditos de carbono, aquelas emissões que não estão conseguindo resolver dentro de casa.

Se tudo der certo, em 2050 não vamos mais precisar de um mercado de carbono voluntário para estimular mais nada. Em tese as empresas já terão feito essa transição em suas atividades.  E eu falo isso muito a respeito do nosso negócio: se der tudo certo, teremos que mudar de atividade em 2050.

Nesse meio tempo, se a gente conseguir direcionar recursos volumosos para conservar e restaurar florestas, para financiar projetos para evitar ou sequestrar carbono em países que estão precisando, será sensacional.

Posicionamento do governo e pressão privada 

Uma surpresa muito positiva foi o posicionamento ativo do governo brasileiro nas negociações em Glasgow.

Desde o início o Brasil colocou uma postura muito construtiva para fechar os temas e sair da posição de um país que tinha sido considerado, justa ou injustamente, responsável por bloquear a COP de Madri. Desta vez foi bem nítido um reconhecimento da comunidade internacional desse posicionamento brasileiro.


Os setores que se beneficiam dessa agenda do ponto de vista de originação de créditos de carbono se organizaram e buscaram ser ouvidos. Houve diálogo do governo com o agro, que é exportador potencial de créditos, com o setor florestal, tanto o de floresta plantada quanto de floresta nativa, com os desenvolvedores de projetos, que formaram uma aliança de soluções baseadas na natureza, da qual a Biofílica faz parte.