Planos de transição para net zero: a próxima tendência das finanças climáticas

A colunista Natalie Unterstell escreve sobre a tendência de mobilizar e guiar as instituições financeiras, aqui e lá fora, nos planos para zerar as emissões líquidas dos portfólios

Planos de transição para net zero: a próxima tendência das finanças climáticas
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Temos um longo caminho até entender como os riscos climáticos estão espraiados pelo sistema financeiro e como devem ser geridos para que possamos administrar a crise climática a tempo.

As divulgações de riscos pelas instituições financeiras ganharam corpo nos últimos seis anos, desde a criação da Força-Tarefa sobre Divulgação Financeira Relacionada a Clima (TCFD, na sigla em inglês).

Mas ainda não existem evidências robustas de que elas estejam mudando o curso das estratégias corporativas. As normas que tornam essas divulgações obrigatórias estão se espalhando por todo o mundo, inclusive no Brasil, mas a política pública ainda é incipiente.

Mesmo assim, algumas autoridades já começam a ir além da etapa de exigir relatórios de divulgação de riscos climáticos e indicam que vão cobrar planos de transição para zero carbono líquido (net zero). Nos últimos meses de 2021, vários sinais foram dados nesse sentido.

Em outubro, o vice-presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE) e presidente da Network for Greening the Financial System (NGFS), Frank Elderson, indicou que deveria haver “uma obrigação legal para que os bancos tenham em vigor um plano de transição claro, detalhado e prudente, o que aumentaria a consistência da estrutura regulatória e de supervisão e contribuiria para manter condições equitativas de concorrência”.

Em novembro, o ministro das Finanças do Reino Unido, Rishi Sunak, anunciou que o país “tornará obrigatório que as empresas publiquem um plano claro e viável definindo como elas irão descarbonizar e fazer a transição para o net zero”.

Em dezembro, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, sinalizou que seu governo exigirá tanto divulgações de risco climático quanto planos de transição para net zero das instituições financeiras, fundos de pensão e agências governamentais, mas sem maiores detalhes sobre os requisitos. 

Parece ser uma espécie de sinal de reforço positivo entre os esforços do governo e as ações privadas. Os governos que se comprometerem com a transição para o net zero procurarão incentivar as empresas, os bancos e os investidores e gestores de ativos a se alinharem às metas do governo. 

A aposta é que planos de transição obrigatórios deem ritmo a uma agenda que, se depender do voluntarismo privado, pode não decolar.

Ficará a critério dessas empresas definir o que fazer – mas o desalinhamento pode acender alertas importantes, inclusive para supervisores. Conforme mostrado em um recente relatório da Moody’s que avaliou 4400 companhias, apenas 3% estabeleceram metas de emissões que se alinham com um limite de aquecimento global de 1,5°C.

Segundo esse estudo, menos da metade delas (42%) tem alguma meta de descarbonização, e apenas 11% contam com metas para 2030. No geral, a maior parte das empresas que têm metas está alinhada com um cenário de aquecimento de 2,1°C – aquém do objetivo “bem abaixo de 2°C” estabelecido pelo Acordo de Paris.

Ainda que se estime que 90% do PIB global já tenha adotado algum tipo de compromisso net zero, a qualidade é bastante variável. Por isso, na COP26, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, anunciou a criação de um grupo de especialistas para propor padrões claros para medir e analisar compromissos net zero de atores não estatais.

Mas a cobrança também terá custos – não só os da transição, mas também de transação. Se hoje o foco está em experimentar e melhorar métricas e metas climáticas para fortalecer a identificação e divulgação de riscos pelas instituições financeiras – tanto via regulação quanto via cooperação, como a Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), que tem 184 membros analisando emissões financiadas por suas carteiras de empréstimos e investimentos –, os planos de transição serão potencialmente um impulsionador para a tomada de decisões com base nessas informações.

Não é difícil imaginar que gestores de ativos incluam em seus planos de transição a demanda ativa pela descarbonização de portfólios. Por exemplo, investidores podem pressionar as investidas a desmembrar suas operações mais intensivas em carbono – a exemplo do Bluebell Capital Partners, que forçou a gigante trader anglo-suíça Glencore a separar ativos “carbonizados e descarbonizados”.

Ainda assim, os planos de transição podem ser uma nova tendência, mas nem por isso são balas de prata.

Trilhões de dólares em ativos já foram comprometidos com metas de emissões líquidas zero e centenas de instituições se comprometeram com a descarbonização de seus portfólios (vide a Glasgow Financial Alliance for Net Zero, anunciada no ano passado). 

Por outro lado, o financiamento de energia fóssil continua no mesmo ritmo desde que o Acordo de Paris foi ratificado, há cinco anos.

Como estamos vendo no caso da saída da Vale de minas de carvão em Moçambique, há fundos interessados em devorar os ativos intensivos em carbono, e que vão permitir que os negócios fósseis tenham uma transição mais lenta.

Fundos do tipo “abutres”, ou seja, que estão fora do alcance do regulador, podem comprar ativos que bancos e companhias abertas vendem. Isso cria uma zona “desresgulada”.

No Brasil, a lógica pode ser diferente: não a de um país que busca reforçar sinal de política com prática privada, mas simplesmente de sintonia com as melhores práticas nascentes no campo internacional.

Como não temos uma boa âncora – a meta anunciada pelo atual governo federal não é de colunas firmes nem ambiciosas, como em planos de transição anteriores –, uma eventual regulamentação sobre planos de transição abriria uma nova frente de análise de “risco de carbono”, para que as instituições tratem com maior precisão os riscos de transição (pensando aqui em imobilizados e questões de carteira). Em si, já seria um ganho.

As resoluções adotadas pelo Banco Central em 2021 abordam a gestão de riscos climáticos e as oportunidades de transição, mas não obrigam as instituições a apresentarem planos, especificamente. 

A tendência é clara: mobilizar e guiar as instituições financeiras, aqui e lá fora, para o planejamento de sua transição para zero carbono líquido. É provável que nasçam novas metodologias nestes próximos meses, tanto para guiar reguladores quanto para apoiar as instituições financeiras com planos de transição – alguns esboços já existem no âmbito da TCFD e na Climate Safe Lending Network, que desenhou um conjunto de requisitos.

E, em torno delas, iniciativas para avaliar a credibilidade e o alinhamento disso tudo com estratégias de longo prazo de países (ou Estados ou regiões).

* Natalie Unterstell é presidente do Instituto Talanoa, membro do Painel de Acreditação do Green Climate Fund e escreve mensalmente para o Reset sobre políticas climáticas.  Com mestrado em administração pública pela Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, atuou em governos federal e estaduais, onde apoiou a construção de políticas públicas, incluindo o mais ambicioso programa de adaptação à mudança do clima já realizado no país, o Brasil 2040, como diretora na SAE/Presidência da República.