Paul Polman: Movimento anti-ESG é sinal de desespero para conter avanço

Expoente do capitalismo de stakeholder, ex-CEO da Unilever participou do primeiro dia do Brazil Climate Summit, em Nova York

Paul Polman, ex-CEO da Unilever e expoente do capitalismo de stakeholder: movimento anti-ESG é sinal de desespero
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Nenhum outro executivo no mundo encarna os princípios da sustentabilidade e do capitalismo de stakeholders melhor do que o holandês Paul Polman. 

Como CEO da Unilever de 2009 a 2019, convencido de que a visão de curto prazo dos investidores fazia mais mal do que bem à condução dos negócios, ele ousou acabar com a divulgação de guidances trimestrais da companhia.

Criou metas e planos de descarbonização, circularidade e rastreabilidade da cadeia de fornecedores numa época em que nada disso era mainstream; e entregou sustentabilidade aliada a crescimento e lucro durante os dez anos à frente da gigante de consumo.

Três anos depois de se aposentar como CEO, ele, que quase se tornou padre na juventude, tem pregado mundo afora a favor da agenda ESG e da descarbonização dos negócios.

Acaba de lançar no Brasil o livro “Impacto Positivo”, pela Editora Sextante, em que defende que não basta que as empresas mitiguem as muitas externalidades negativas sociais e ambientais que causam no curso de suas atividades, mas que precisam agir para regenerar, restaurar e reparar.

“Todos os compromissos [assumidos pelas empresas] são sobre serem menos ruins: um pouco menos de emissão de carbono, um pouco menos de plásticos no oceano, um pouco menos de desmatamento. Antes eu costumava assassinar dez pessoas, agora eu mato apenas cinco, então sou um assassino melhor”, disse ele ontem durante o primeiro dia do Brazil Climate Summit, na Universidade Columbia, em Nova York (que tem transmissão ao vivo hoje).

Antes de tomar o metrô para a Times Square, onde aconteceria o coquetel de abertura do evento, Polman conversou com o Reset sobre o movimento anti-ESG, as consequências da crise energética para a corrida rumo ao net zero no mundo e também sobre os ataques que a Unilever tem sofrido de investidores que consideram a sustentabilidade uma distração do que realmente importa.

O senhor é, claro, pioneiro em ESG e sustentabilidade. Em que parte da jornada o mundo corporativo está agora? O que funciona e o que é buzz, greenwashing?

A maioria das empresas começou a entender que focar apenas no acionista ou no curto prazo não é mais necessariamente o melhor modelo de negócios. Provavelmente um grupo de empresas ainda pensam assim, mas acredito que a maioria está percebendo que precisa assumir uma responsabilidade mais ampla.

Mas isso não significa que elas integrem ESG em tudo nem que tenham a sustentabilidade no centro de sua estratégia. Muitas escolhem alguns dos elementos relevantes para seus negócios, como uma maneira de começar. 

Por exemplo, muitas empresas buscam mais equilíbrio de gênero, mas ainda não olharam para a dimensão racial ou para pessoas com deficiência. Elas veem isso como projetos diferentes.

Como fazer os CEOs pensarem de forma mais holística sobre isso? Muitas vezes o assunto ainda é visto por muitos como um investimento que eles precisam fazer. Na verdade, é uma oportunidade na qual eles podem investir.

Mas, no nível das Fortune 500, onde você tem as grandes empresas, especialmente as voltadas para o consumidor final, elas tendem a estar adiantadas porque sentem a pressão do mercado. É diferente com aquelas que estão mais atrás na cadeia de valor. 

Em todos os setores sob grande pressão para se descarbonizar, sejam companhias aéreas, de cimento, aço ou alumínio, existem as líderes, de 15% a 20%. Elas genuinamente estão convertendo seus modelos de negócios para serem neutras em carbono.

E você vê cada vez mais exemplos de empresas que querem ser net positive [o termo é uma referência ao livro mais recente de Polman em parceria com Andrew Winston, publicado no Brasil sob o título “Impacto Positivo – Net Positive”].

A Microsoft vai compensar as emissões de carbono da empresa desde 1976, quando foi fundada. O Walmart diz que quer proteger 1 milhão de milhas quadradas de oceano para regenerar o estoque de peixes. Nestlé e Unilever dizem que querem ir para a agricultura regenerativa. E até empresas como Coca-Cola e Pepsi dizem que querem ser water positive.

As cerca de 1.500 empresas que saíram proativamente da Rússia são um exemplo de ESG, pois fizeram isso antes que a lei as obrigasse a fazê-lo. Curiosamente, comparadas com as que ficaram, essas empresas viram seu valor de mercado aumentar.

O que chamamos de não-material hoje e não temos obrigação de reportar, as pessoas inteligentes do mercado financeiro já conseguem quantificar e tornar material.

E cada vez mais temos comprovações com dados. Empresas que têm 30% ou mais de mulheres em seus conselhos obtêm melhores resultados. Companhias com menor exposição ao carbono têm uma performance financeira melhor [que aquelas cujo negócio está exposto ao CO2].

Não é preto e branco – é uma indicação. Mas 80% dos fundos ESG estão dando resultados melhores que os fundos não-ESG.

Eles estavam dando resultados melhores…

Sim, existem contratempos, é claro. Gosto de escalar montanhas. Às vezes você tem que descer um pouco para se aclimatar e então voltar a subir. 

Essas grandes transições não são suaves. Grandes rupturas, como a guerra ou a pandemia, distorcem a lógica econômica de uma transição como essa.

Você pode dizer que, por causa da guerra, as empresas de combustíveis fósseis estão se divertindo. Todos nós deveríamos ter comprado ações. Mas não. Deveríamos ter investido mais cedo em energia verde e talvez nem tivéssemos guerra. 

O caminho vai ter esses obstáculos. Mas as empresas que se posicionam melhor para o futuro obtêm melhor valor de mercado.

O movimento anti ESG é um obstáculo?

Vejo isso como um sinal de que a conversão está acontecendo e que estão usando as técnicas mais desesperadas para tentar impedi-la.

É ridículo dizer que você não pode usar o termo mudança climática, não pode usar o termo ESG, que isso é virtue signalling [demonstração de virtude]. Claro, existem empresas que fazem greenwashing. Esse tipo de coisa acontece em qualquer mudança.

Mas, em geral, as pessoas já entenderam que você precisa levar em conta os fatores ESG nas decisões de investimento. Três quartos dos americanos querem que os CEOs se manifestem. As pessoas confiam mais nas empresas que no governo.

Isso tudo é sinal de que as coisas estão acontecendo. É quase algo positivo.

Veja, não quero ser inocente. Precisamos estar cientes dessa politização. Alguns dizem que é uma tentativa de explorar o assunto por causa das eleições [para o Congresso americano, que acontecem em novembro].

É importante manifestar-se, para impedir que fatos sejam distorcidos. Mas não acredito que eles consigam muita coisa com isso.

O senhor acredita que isso se restrinja aos Estados Unidos ou também há algo parecido na Europa?

É no mundo inteiro. E a mídia também não ajuda, porque ela gosta de vencedores e perdedores.

Mesmo que essas pessoas sejam a minoria, temos de respeitar suas opiniões, se elas realmente acreditam nisso. Mas a maioria já está em outra. 

Alguns CEOs têm medo de avançar mais rápido porque o assunto ficou politicamente muito carregado. É uma pena, porque neste momento não podemos nos dar a esse luxo. Mas essas pessoas têm um argumento válido? De maneira alguma.

Mas isso não poderia atrasar a descarbonização, já que precisamos avançar rápido nesta década? Se alguns CEOs preferirem esperar, isso não seria um problema?

Dizer que é impossível é um estado de espírito. É uma mentalidade, uma atitude. Esses são os cínicos. Mas céticos não são necessariamente uma coisa ruim. Eles te fazem pensar melhor, afiar seus argumentos.

Estudo após estudo mostram que temos a tecnologia, temos os recursos, logo estaremos numa situação econômica melhor.

O dinheiro está fluindo rapidamente nessa direção: [gestores responsáveis por] US$ 57 trilhões se comprometeram a descarbonizar seus portfólios; US$ 37 trilhões de empresas se comprometeram com metas baseadas na ciência; 65% dos países do mundo, ou 95% das emissões de carbono, têm compromissos de net zero.

Eles estão todos se movendo tão rápido quanto queremos? Será que podemos acreditar em tudo o que dizem ou é como o Brasil, que manipulou os números?

Alguns países estão falando da boca para fora. Mas a situação mudou em comparação com dois ou três anos atrás. Nem todos os problemas foram resolvidos [na COP26] em Glasgow. Deveríamos ter tido mais resultados. 

Ainda estamos caminhando para um aquecimento de 2,7°C. Não podemos ficar satisfeitos com isso. Mas houve avanços. Os países decidiram não financiar mais carvão e estão olhando para soluções baseadas na natureza.

Fizemos muito progresso, mas temos a guerra na Ucrânia. No curto prazo, talvez precisemos de energia nuclear novamente, talvez tenhamos de usar gás um pouco mais.

Poderia ter sido evitado com investimentos anteriores, mas não existe “se”. Não me preocupo mais com isso pois ocupa espaço na minha cabeça que preciso pra outras coisas. Temos que seguir em frente.

O senhor mencionou a guerra e a crise de energia. Como elas vão afetar, e moldar, o caminho do mundo até o net zero?

A guerra na Ucrânia trouxe outra dimensão da segurança energética para o primeiro plano, especialmente na Europa. A dimensão da urgência também ficou em evidência.

A Europa entende que se comprometer agora com mais combustíveis fósseis não resolve o problema de curto prazo e compromete o capital por muito tempo no futuro.

A guerra acelerou a integração das redes [elétricas] e os investimentos em energias alternativas. Estavam todos acomodados por causa do baixo custo do gás russo.

Nunca fui defensor da energia nuclear, mas ela é infinitamente melhor agora do que mais carvão. O mundo ideal não existe. Temos de fazer escolhas difíceis.

Veja as secas que vimos neste verão na Europa, na China… 

Conversando com empresas e executivos do mundo inteiro, o senhor acredita que gente que achava que o problema não existisse agora está mudando de ideia por causa desses eventos climáticos extremos? 

Os CEOs entendem. A natureza fornece US$ 35 trilhões em serviços. Muitas empresas agora estão integrando isso em suas estratégias. E elas talvez percebam antes que muitas pessoas, pois já integram isso em seus P&Ls.

Não sou ingenuamente otimista, mas estou esperançoso. Vemos movimentos, empresas reunidas. Temos 76 empresas de moda trabalhando juntas para usar o algodão regenerativo. Uma empresa sozinha não consegue fazer essa mudança.

Não vejo muitos estudos mostrando que a conversão não resulte em mais e melhores empregos. Claro que isso tem custo, que haverá soluços e alguns sairão vencedores e outros, perdedores. Mas no fim das contas teremos uma economia melhor.

A Deloitte estimou que se ficarmos na trajetória atual teremos perdas de US$ 178 trilhões até 2030. Se fizermos os ajustes para limitar o aquecimento a 1,5°C, são US$ 43 trilhões de ganhos. Mesmo que essa conta esteja 20%, 30% errada, é muita diferença.

Só considerando a Unilever: meu sucessor estima que se proteger de eventos climáticos extremos custa US$ 300 milhões. E começamos a investir nisso há muito tempo.

Lembro quando houve uma seca enorme no Rio de Janeiro, com racionamento de água. Estávamos preparados. Tínhamos um xampu que não precisava de enxágue e outros produtos do tipo.

Falando sobre a Unilever, alguns investidores afirmam que o foco em sustentabilidade está atrapalhando o negócio. Como ex-CEO, qual sua opinião?

Não comento muito sobre a empresa, mas, mesmo no meu tempo, havia investidores que falavam: ‘Você investe demais em sustentabilidade’. E entregamos retorno de 300% para eles.

A Unilever cresce e é lucrativa. Como fomos tão bem nos dez anos anteriores, alguns dos concorrentes estão crescendo um pouco mais rápido. Mas eles partiram de uma base menor. Então não é que a empresa esteja se desfazendo.

Em toda empresa que tem de ajustar suas estratégias, como a Unilever provavelmente precisa fazer agora, é normal que durante um, dois ou três anos o acionista não seja o grande beneficiário.

Fui atacado na Unilever. Em um ou dois anos não demos retorno para os acionistas. Mas ao longo de dez anos os dez principais acionistas dobraram sua participação e reduzimos a rotatividade à metade nos top 50. Eles foram muito fiéis. Foi uma mudança fundamental.

Mas um investidor faz esse tipo de barulho, usando a Hellman’s e ESG ou algo assim. Na minha opinião foi uma coisa boba, mas saiu em todos os jornais.

A Unilever tem que ajustar seu modelo organizacional ao mundo de hoje. Pode significar uma pausa nos retornos aos acionistas, mas ela já passou por isso. No longo prazo, o retorno é ótimo.

A Natura também está sofrendo pressão dos investidores agora.

Natura, Nestlé, Procter & Gamble… Todo mundo tem que lidar com investidores ativistas.

Já viu alguém pular bem alto sem se abaixar antes? Você precisa flexionar os joelhos.