Pará quer captar dívida atrelada a metas de sustentabilidade

Estado quer testar apetite para operação inédita de R$ 300 milhões voltada para conservação de rios

Pará quer captar dívida atrelada a metas de sustentabilidade
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 O Pará quer fazer uma captação de R$ 300 milhões a R$ 350 milhões em dívida com metas atreladas à sustentabilidade — uma operação, que, se bem sucedida, pode marcar a estreia de um Estado brasileiro nessa modalidade de financiamento. 

A ideia é levantar recursos no mercado de capitais para fortalecer a política ambiental do Estado, com indicadores associados à conservação dos rios locais. 

Num primeiro momento, o rio escolhido é o São Benedito e seu afluente, um hotspot de biodiversidade na fronteira com o Mato Grosso, entre os biomas amazônico e do Cerrado. 

“Queremos fazer uma operação piloto para mostrar que existe apetite do mercado de capitais para financiar esse tipo de iniciativa”, aponta Tatiana Assali, sócia da Nint, consultoria especializada em finanças sustentáveis e que está atuando na assessoria técnica da operação. 

Após um roadshow com instituições financeiras locais, no começo de novembro o governo estadual lançou um chamamento público para colher contribuições de potenciais interessados sobre qual seria o melhor desenho da operação. 

O plano é colher essas impressões até dezembro e caminhar com a transação ao longo do próximo ano, com previsão de conclusão no segundo semestre de 2023. 

Testando as águas 

A operação conta com o apoio da Fundação Betty and Gordon Moore, instituição filantrópica dos fundadores da Intel, que deu o capital para o trabalho técnico de estruturação. 

Como os Estados não podem captar diretamente no mercado, o modelo-base é fazer uma operação estruturada: uma parceria com uma instituição financeira — banco ou gestora de ativos — que emitiria um green bond e destinaria os recursos para um empréstimo ao Estado. 

Esse empréstimo, por sua vez, teria indicadores atrelados à sustentabilidade ainda a serem definidos, mas envolvendo três objetivos principais: 

  • a conservação do Rio São Benedito e do Azul, seu afluente; 
  • um marco regulatório para a conservação de rios do Estado; 
  • e o fortalecimento das secretarias de Meio Ambiente e também de Planejamento e da Fazenda, para dar conta desses objetivos.

“Quando se fala de preservação ambiental, pensamos apenas na floresta, mas conservar rios é ter uma visão integrada de várias políticas: de saneamento, de água, navegação”, afirma Ana Cristina Barros, que participou da concepção do título e atua como consultora para a Posaidon, firma europeia de gestão de ativos sustentáveis.

Ao todo seriam conservados 350 km do rio e mais sua bacia hidrográfica de 1,3 milhão de hectares de floresta. Hoje uma unidade de conservação, a região do rio vive sob pressão para construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e do fogo na fronteira agrícola, especialmente na margem esquerda, próxima ao Cerrado. 

Ainda pelo desenho inicial, o empréstimo teria vencimento em 10 anos, compatível com o prazo necessário para o desenho das políticas. 

“Tem outro componente inédito nessa operação e inerente à agenda de desenvolvimento sustentável: que ela passa necessariamente pela capacitação de órgãos de governo”, aponta Barros. 

Blended finance

A lógica da operação é testar o apetite de investidores que poderiam estar dispostos a dar um desconto na taxa em caso de cumprimento das metas acordadas. 

Nas conversas com investidores, houve interesse pelo título, diz Assali. “Mas cada instituição tinha alguma contribuição sobre o que achava que deveria ser o desenho da operação.”  

Por isso a ideia de receber contribuições do mercado para chegar a um modelo que coloque a operação de pé. 

“Pode ser uma operação na forma de green bond, ou uma asset indo a mercado e emprestando depois via FIDC, por exemplo”, afirma a consultora. 

Outra possibilidade seria um banco emprestar recursos vindos do seu próprio balanço – o que não testaria o mercado de capitais, mas já seria um avanço na agenda.

Investidores que foram sondados durante a operação afirmam que ela é interessante, mas que o grau de ineditismo impõe desafios. O primeiro, de natureza mais comezinha, é levantar recursos para um ente subnacional, o que é pouco usual. 

O Pará tem boa performance fiscal, com capacidade de pagamento ‘A’ e foi escolhido de forma intencional para o piloto, que pode ser replicado para outros Estados Amazônicos. 

Ainda assim, a operação prevê a entrada de capital concessional, de filantropia ou fomento, para absorver eventuais riscos que não sejam comportados pelas instituições financeiras tradicionais, dentro do conceito de blended finance

“Esse capital pode entrar para assistência técnica, para dar garantias ou até mesmo numa cota subordinada para primeiras perdas”, afirma Assali.