Para esse professor, é hora de acabar com o ESG

Alex Edmans, da London Business School, diz que reduzir o assunto a uma sigla faz com que ele perca importância e dá ampla margem à polarização

Alex Edmans, professor da London Business School
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O britânico Alex Edmans, professor de finanças da London Business School, diz ser um defensor do meio ambiente, do social e da governança corporativa, mas tem um problema sério quando as três coisas são reunidas na sigla ESG.

“Não deveríamos colocar o ESG num pedestal”, diz Edmans ao Reset. O que importa no fim das contas, afirma ele, é o sucesso de longo prazo das companhias, e isso envolve temas que ficam fora desse guarda-chuva, como produtividade e cultura empresarial.

Em um paper publicado no começo do ano e intitulado “O Fim do ESG”, Edmans argumenta que o assunto é tão importante que deveria deixar de existir; reduzi-lo a uma mera sigla dá a impressão de que se trata de algo que só interessa aos especialistas. 

“Queremos ótimas empresas, não empresas ótimas em ESG”, escreve ele.

Edmans é conhecido por opiniões pouco convencionais sobre assuntos muitas vezes tratados como unanimidade dentro de certas bolhas. Uma delas é o tema central de seu livro “Grow the Pie – How Great Companies Deliver Both Purpose and Profit” (cresça o bolo – como as grandes empresas entregam propósito e lucros, em tradução livre).

Ele argumenta que não existe uma contradição entre as ideias da primazia do acionista e o movimento do capitalismo de stakeholders. Para ele, a oposição só faz sentido quando se parte do princípio do cobertor curto: puxar para um lado significa descobrir o outro.

Falando rápido e animadamente (em dado momento ele levantou da cadeira para demonstrar uma analogia com um golpe de tênis), Edmans concedeu a seguinte entrevista por videochamada ao Reset. Leia abaixo os principais trechos.

Em um paper recente, intitulado “O Fim do ESG”, o senhor escreve que o ESG é extremamente importante e nada de especial. Poderia explicar o que quer dizer com isso?

Pode parecer surpreendente, porque sou defensor do ESG, mas o fim do ESG é importante porque a sigla dá a entender que se trata de algo de nicho. ESG é relevante mesmo que seu cargo não tenha [a sigla] no nome, porque ESG é crítico para o negócio e afeta o sucesso da empresa no longo prazo.

Igualmente, quando digo que ESG não tem nada de especial, estou me referindo a várias outras coisas de impacto de longo prazo nos negócios: produtividade, inovação, alocação de capital e assim por diante. Não deveríamos colocar ESG num pedestal em comparação com esses outros temas.

Mas, com a crise do clima e com o movimento global por mais inclusão e diversidade, muitos diriam que pelo menos o E e o S merecem precedência.

Por que as pessoas se importam com diversidade? Uma resposta muito comum é que empresas mais diversas têm melhores resultados. Algumas pesquisas ruins por aí, como uma da McKinsey, com problemas básicos de metodologia, afirmam isso.

Mas não é o caso, [observando] empiricamente. Boas pesquisas científicas, feitas por mulheres, mostram que os dados não sustentam essa ideia. Se o objetivo é melhorar a performance da empresa, de modo sustentável e pensando no longo prazo, produtividade é mais importante.

O mesmo vale para o clima: companhias que emitem mais CO2 dão melhores resultados para os acionistas. Adoraria que o contrário fosse verdade, mas não é.

É um assunto muito complicado. Lembre-se, sou defensor do ESG e do meio ambiente, mas se você sair fechando usinas de carvão vai causar muitas demissões e também vai afetar o desenvolvimento das economias emergentes.

Essas questões climáticas deveriam ser tratadas pelos governos. Eles foram eleitos, têm o mandato para estabelecer as regras. Não acho que as empresas devam cumprir esse papel.

O assunto ESG vem sendo cada vez mais politizado, principalmente nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Qual é o impacto disso?

Hoje ESG virou algo de que os democratas têm que gostar, e os republicanos, desgostar. O que tento destacar é que esses temas são importantes para o sucesso de longo prazo de uma empresa. Se isso for verdade, então todo mundo deveria ser a favor.

Eu diria que os democratas são culpados em parte por essa politização. Por quê? Eles dizem: ‘Ah, mas vocês republicanos são burros, não acreditam na ciência do clima’. Se eles apontassem o ESG como algo ligado aos negócios, e o Partido Republicano deveria ser o partido dos negócios, o entendimento seria diferente.

É quase um problema de ‘branding’, então?

Sim. Nos meus primeiros trabalhos eu nem falava ESG. Eram ativos intangíveis. Não soa tão sexy, mas se você falar em capital humano ou capital natural, por exemplo, os republicanos entenderão. 

Mas não foi importante dar a atenção ao termo para abrir a discussão sobre os temas que ele representa?

Sem dúvida. O movimento foi um passo importante. Quando você começa a jogar tênis, o professor ensina em detalhes cada movimento. Depois de um tempo, vira algo natural, mecânico.

Acho que com o ESG estamos num ponto parecido. Foi bom ter esse movimento, mas espero que estejamos prontos para dar um fim a ele. Não precisamos mais forçar essa ideia sobre as pessoas nem colocá-la num pedestal.

A ideia de que não existe necessariamente uma oposição entre o capitalismo tradicional e o capitalismo de stakeholder é central em seu livro Grow the Pie. O senhor poderia explicá-la?

Existe essa abordagem de que o valor gerado por uma empresa é um bolo fixo. Ou você entrega esse bolo para os acionistas, na forma de lucros, ou então para a sociedade, na forma de impostos, salários e preços justos.

Seria um jogo de soma zero: se estou dando mais para a sociedade, estou tirando dos acionistas. Mas isso não é verdade se você fizer o bolo crescer.

O bolo cresce quando você investe nos funcionários. Eles ficam mais motivados, mais produtivos e têm menos chance de sair. O que, portanto, vai melhorar a performance. E isso também pode se aplicar ao meio ambiente, por exemplo, criando produtos que respeitam a natureza e que vão despertar mais interesse dos seus clientes.

Nem tudo o que você faz terá esse alinhamento, mas eu diria que ele é muito mais presente do que se imagina.

O senhor já fez críticas às iniciativas de padronização das informações ESG. Mas os mercados demandam isso, não?

Sim, mas infelizmente nem tudo que o mercado demanda é necessariamente bom. De onde vêm esses requerimentos? Acredito que parte é bem-intencionada, de pessoas que estão interessadas em ESG e querem os dados. Mas muitas vezes são pessoas que não têm expertise nenhuma.

Digamos que você não saiba nada de futebol. Como você decide quem é o melhor centroavante? Você poderia olhar para o número de gols que ele marcou. Talvez os passes que ele deu que resultaram em gols.

Mas muita gente sabe que você deveria considerar outras coisas além disso. Se ele atrai a marcação da defesa, por exemplo, ou se consegue ajudar nas jogadas.

As métricas padronizadas são o número de gols e assistências. Elas ajudam, e não sou contra a ideia. Sou professor de finanças e entendo a importância dos dados. Mas não gosto quando as pessoas só se baseiam nos números, como se estivessem ticando itens de uma lista.

Qual é sua opinião em relação ao debate entre desinvestimento ou engajamento com as empresas por parte dos investidores?

Acho que ambos têm seus limites. Ouço muita gente dizer: ‘Vamos vender [nossas participações no setor de] combustíveis fósseis para privar essas empresas de capital’. Bem, você não está privando ninguém de capital, porque você só vai vender se alguém quiser comprar.

Aí você pode argumentar que está baixando o valor da ação e dificultando a vida dessas empresas na hora de buscar mais dinheiro no futuro. Só que elas tiveram lucros recorde recentemente e não precisam levantar muito capital agora.

O que nos leva ao engajamento. Acho que pode funcionar no geral. Mas, falando particularmente do clima, exige-se uma redução de emissões sem que se levem em conta algumas consequências. Ainda não temos energias renováveis em quantidade suficiente. Veja o que aconteceu aqui no Reino Unido.

Eu tenho a sorte de poder pagar mais pela energia, mas muita gente está sofrendo com o aumento do custo de vida. O investidor que se envolve com isso está pensando em quem tem dinheiro, quem investe com a BlackRock. E as pessoas pobres que correm o risco de perder o emprego ou sofrer com uma conta mais alta? Elas não deveriam ser ignoradas.

Mais uma vez: na minha opinião essa deveria ser uma decisão dos governos.

Faz sentido, mas podemos nos dar ao luxo de esperar o ritmo das políticas públicas e das decisões governamentais? Não temos de fazer tudo o que for possível, inclusive com ações voluntárias desse tipo?

Eu queria contestar essa sua afirmação. Precisamos mesmo fazer todo o possível? Se fosse o caso, proibiríamos as viagens de avião. Mas não o fazemos porque isso terá suas consequências, entre elas privar vários países dos recursos do turismo. O clima é muito importante, mas há outras questões que os investidores podem não estar levando em consideração.

Por que a Exxon foi alvo da campanha da Engine No.1 e não a BP ou a Chevron ou outras? Porque a Exxon demorou mais para anunciar suas metas de descarbonização. Conheço essas pessoas [da companhia], conversei com elas. Elas dizem que só queriam anunciar planos quando soubessem que seriam plausíveis, atingíveis e não impactassem muito a lucratividade e os empregos.

Anunciar compromissos net zero é fácil. Mas o que significam esses compromissos na prática?

No ano passado, a Blackrock disse que não votaria a favor de tantas resoluções ESG [nas assembleias de acionistas]. Não porque elas não fossem importantes, mas porque a gestora entendeu que às vezes os executivos das empresas entendem melhor o assunto e não faz sentido intrometer-se demais.

Seu trabalho mais recente concluiu que mais diversidade nos conselhos não corresponde a mais diversidade nas empresas. Por quê?

A ideia central é que um conselho mais representativo da diversidade demográfica vai se traduzir em melhores indicadores de inclusão e diversidade. Mas é, de novo, a questão de ticar uma caixinha. 

Temos que olhar além da diversidade demográfica e pensar em diversidade cognitiva: pessoas com habilidades, históricos diferentes. E temos que criar culturas em que as pessoas se sintam incluídas e à vontade para expressar opiniões divergentes. Não importa quantas mulheres você tem no conselho se a cultura da empresa é tóxica e não admite discordâncias.

Mas cultura é um atributo muito difícil de quantificar e tornar transparente.

Mas por que precisa ser transparente? Você faz porque é a coisa certa, não porque vai melhorar seu rating ESG.