Padrão global para 'balanço de sustentabilidade' começa a sair do papel

Dos mesmos criadores do IFRS, padrão contábil mais aceito para as demonstrações financeiras, o ISSB quer trazer objetividade e confiança para os reportes das informações referentes à sustentabilidade. Vai funcionar?

Mãos esticam uma fita métrica
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“O que não se mede não se gerencia” é um ditado famoso no mundo dos negócios — e que, com frequência, é usado como subterfúgio pelas empresas para não darem o peso necessário aos fatores sociais e ambientais nas suas estratégias.

Há diversos padrões de reporte voluntário, mas nenhum conseguiu dar uma resposta definitiva para a questão: afinal, como medir e reportar esses itens de forma objetiva e padronizada?  

Nascido na COP26, em Glasgow, o International Sustainability Standards Board (ISSB) quer trazer a resposta, consolidando um padrão internacional. Seus primeiros pronunciamentos devem ser divulgados até o fim deste semestre, com validade a partir dos balanços referentes ao ano de 2024. 

Em meio a tantos padrões, por que esse importa? O ISSB nasceu na IFRS Foundation — como diz o nome, o berço do IFRS, padrão internacional de contabilidade mais usado no mundo por companhias abertas, inclusive no Brasil. 

A expectativa (a se provar) é que dele emanem dados que possam ser tratados com um grau de confiança mais próximo daquele que hoje é dispensado às informações financeiras. Pela mesma razão, seus pronunciamentos tendem a servir de benchmark para reguladores locais. 

O que prevê o ISSB?Inicialmente, o padrão prevê dois tipos de divulgações:

  • uma de informações gerais relacionadas à sustentabilidade (chamado de S1);
  • outra relacionada especificamente à questão climática (o S2).

Em ambos os casos, as empresas precisam detalhar quatro aspectos: 

  1. Governança, para mostrar como funciona a atribuição de responsabilidades sobre as questões socioambientais;  
  2. Gestão de riscos, com os processos empregados para identificar, avaliar e gerenciá-las;
  3. Estratégia, identificando inclusive oportunidades relacionadas a esses fatores; 
  4. ‘Metas e métricas’, que dizem respeito aos números em si. 

Esse arcabouço bebeu direto da fonte do TCFD, força-tarefa criada pelo Financial Stability Board, que vem ganhando cada vez mais adeptos para as divulgações de riscos e oportunidades climáticas.

Mas o que exatamente deve ser reportado? Depende. A princípio, tudo o que pode ter impacto material, ou seja, relevante para o negócio. 

Aqui, o ISSB também não inventou a roda. Ele parte das definições de materialidade do Sustainability Accounting Standards Board (SASB), divididas por setor de atuação das companhias já amplamente utilizadas por empresas e investidores para este fim. 

  • Quanto às métricas, “no caso do S1, de informações mais gerais de sustentabilidade, os pronunciamentos são bem abertos, principiológicos e não trazem indicadores específicos a serem reportados”, afirma Mauricio Colombari, sócio da PwC Brasil. 
  • Já para o S2, de clima, o ISSB exige o reporte de indicadores mais específicos.

Aos números. As empresas precisam divulgar seu inventário de emissões de gases de efeito-estufa. São exigidos tanto os escopos 1 e 2, de emissões próprias e da energia contratada, quanto as de escopo 3, que envolve a cadeia de valor – desde os fornecedores até as emissões resultantes do uso do produto. 

Hoje, poucas empresas medem com precisão seu escopo 3 e se engajam com a cadeia para ter as informações. “O ISSB pode ser crucial para que de fato haja avanço nesse sentido”, afirmou Emmanuel Faber, ex-CEO da Danone e chairman do ISSB ao Financial Times. 

Entre os indicadores climáticos necessários estão também investimentos em projetos relacionados ao clima e a remuneração dos executivos atrelada a metas climáticas. 

O ISSB vai ser obrigatório? De cara, não. É preciso que as jurisdições específicas o adotem na forma de regulação, uma vez que os pronunciamentos forem divulgados. Aqui, CVM, Banco Central e Susep, de seguros, têm alçada para isso. 

E como o ISSB se comunica com as iniciativas que já existem? Além de já incorporar SASB e TCFD, há uma tentativa de harmonizar com outros padrões já existentes.Há um memorando de entendimento com o Global Reporting Initiative (GRI), bastante utilizado pelas empresas em seus relatórios de sustentabilidade e que engloba fatores que vão de clima a igualdade salarial e direitos humanos.

Uma das críticas ao ISSB é que ele foca no princípio da materialidade financeira (veja glossário abaixo) e não olha tanto para outros stakeholders . Nesse sentido, o GRI pode continuar sendo divulgado para contemplar outras partes interessadas, afirma Colombari, da PwC. 

Enquanto isso, na Europa e nos EUA…

Outro ponto importante é entender se — e como — o ISSB vai se comunicar com iniciativas distintas em dois dos principais mercados mundiais: a União Europeia e os Estados Unidos. 

A UE lançou sua diretiva em janeiro, com validade a partir de 2025. É uma iniciativa bastante prescritiva e que olha, além do clima, para fatores sociais e de governança. Já a SEC, nos Estados Unidos, trabalha num reporte voltado para o clima. Ambos têm força de regulação já de largada. 

Existe um trabalho de harmonização do ISSB junto às duas regiões. Mas fato é que, até que haja alguma unificação, para empresas que têm ações listadas nos Estados Unidos ou subsidiárias na União Europeia, isso pode significar três padrões para seguir.

Como se posicionar nesse xadrez (sem enlouquecer)? Amaro Gomes, uma mais maiores autoridades em contabilidade no país, dá uma dica prática: quem ainda não prestou atenção no TCFD, deveria. “É meio caminho andado para boa parte das exigências regulatórias. De uma forma ou de outra, todo mundo parte de lá”, afirma.

Independentemente do padrão, o necessário é entender o nível de maturidade das empresas nos temas socioambientais — e que essa questão veio para ficar, afirma Carla Leal, da WayCarbon. “As organizações terão que reportar o estágio em que se encontram e precisarão ser muito claras a respeito do que estão fazendo para endereçar possíveis gaps.”