ENTREVISTA: A agenda da CVM para finanças sustentáveis

Nova política coloca tema em prioridade; avanços, como tratamento do mercado de carbono, serão graduais, diz o presidente João Pedro Nascimento

ENTREVISTA: A agenda da CVM para finanças sustentáveis
A A
A A

No fim do ano, a CVM surpreendeu o mercado ao trazer no aguardado marco regulatório de fundos de investimento dois pontos relativos à agenda ESG: uma regra para rotulagem de fundos como verdes ou sustentáveis e o enquadramento de créditos de carbono do mercado regulado como ativos financeiros passíveis de investimento. 

A iniciativa se somou a algumas outras que vêm pipocando nos últimos anos quando o tema é finanças sustentáveis, como a instrução 59, de 2021, que aprimorou a exigência de informações sociais, ambientais e climáticas por parte das empresas no formulário de referência — e passa a valer neste ano. 

Agora, a autarquia quer dar celeridade e centralidade ao tema na sua agenda. 

Nesta semana, publicou uma Política de Investimentos Sustentáveis, definindo questões como taxonomia de investimentos e combate ao greenwashing como pontos a serem tratados de forma sistemática e transversal pelo regulador. 

“É um tema estratégico. As finanças sustentáveis são um mecanismo importante para que o Brasil consiga captar recursos em todo o mundo reconhecendo nosso poderio de sermos o país com a maior vegetação nativa preservada do mundo”, afirma o presidente da CVM, João Pedro Nascimento. 

Enquanto reguladores mundo afora começam a aplicar sanções a empresas e gestoras que exageram seus atributos verdes e sociais, a CVM quer ser menos xerife e mais uma fomentadora do tema, ao menos inicialmente, diz o executivo. 

“Precisamos, sim, monitorar, acompanhar e eventualmente punir quem estiver praticando falhas de mercado, mas temos que ter a dosimetria correta, a tolerância para estimular esse novo segmento”, pondera.

Ainda de ordem programática, a Política de Finanças Sustentáveis estipula planos de ação a serem traçados de maneira bianual – mas ainda não há uma previsão de quando deve sair o primeiro deles. 

“Todas as áreas da CVM têm sua função nesse olhar de finanças sustentáveis. Então ter um norte, um ponto focal de monitoramento, de acompanhamento e conjugação dessa discussão é importante para fazer com que ela ande de maneira mais organizada”, diz Daniela Baccas, analista da Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores da CVM, responsável pela coordenação entre as áreas.

Entre as prioridades, Nascimento afirma que estuda a criação de Fiagros “de baixo carbono”, fazendo alusão aos Fundos de Investimento em Cadeias Produtivas do Agronegócio, instrumento relativamente novo e que vem ganhando tração no mercado, como uma forma de incentivar a transição para modos de produção mais sustentáveis. 

Em entrevista ao Reset, o presidente da CVM e Baccas falam ainda sobre taxonomia de investimentos e regulação de créditos de carbono, tanto no mercado regulado quanto no voluntário. 

A seguir, os principais trechos da entrevista: 

Qual a importância estratégica dessa Política de Finanças Sustentáveis? Isso significa que o tema vai ganhar centralidade na agenda? 

Nascimento: Tenho falado que o futuro é verde e digital. Quando a gente exalta as finanças sustentáveis é porque entendemos que esse é um mecanismo importante para que, olhando como política pública, o Brasil consiga captar recursos em todo o mundo reconhecendo nosso poderio de sermos um país com maior vegetação nativa preservada do planeta. Um país de proporções continentais e que emprega fontes energéticas limpas.

O mercado de carbono é um mercado internacional. Se eu fizer uma política de finanças sustentáveis bem feita no Brasil, vamos apresentar a possibilidade do investidor de todo o mundo investir aqui e, com isso, eles estarão cumprindo metas [de descarbonização], eventualmente até nos países de origem deles. 

Do ponto de vista da iniciativa privada, vamos pensar num sujeito que é fazendeiro, como um exemplo. Ele tem uma área de proteção ambiental e outra que é de reserva legal. Mantê-las intocadas e preservadas sempre foi uma fonte de geração de despesa. Nossa ideia é pegar esse negócio que sempre foi tratado com um problema, um passivo, e transformar num ativo. 

Quais são os próximos passos a partir dessa política? Tem data para ter um plano de ação? Dá para falar o que está na prioridade? 

Baccas: Não estamos saindo do zero. A política, na verdade, é a forma de organização e consolidação do resultado de um trabalho que já vínhamos fazendo. Todas as áreas da CVM têm sua função nesse olhar de finanças sustentáveis. Então ter um norte, um ponto focal de monitoramento, de acompanhamento e conjugação dessa discussão é importante para fazer com que ela ande de maneira mais organizada. 

Ainda não temos uma cronologia, pois acabamos de aprovar [a política]. Mas a ideia é ser transversal, falar a mesma linguagem, estarmos todos na mesma página. 

Lá fora, a gente tem visto o crescimento de ações sancionadoras dos reguladores em relação a greenwashing. Podemos esperar alguma coisa no mesmo sentido da CVM? 

Nascimento: Olhamos muito para essa pauta com uma ideia de construir um legado de longo prazo. Aqui na CVM, falamos muito da agenda regulatória sancionadora, que é aquele perfil xerifão. Mas tem também a agenda desenvolvimentista, que é o que em tese a gente está falando aqui, de finanças sustentáveis. É uma maneira de a gente pavimentar o crescimento do Brasil e levar os emissores da iniciativa privada em uma determinada direção específica. 

Precisamos, sim, monitorar, acompanhar e eventualmente punir quem estiver praticando falhas de mercado, mas temos que ter a dosimetria correta, a tolerância para estimular esse novo segmento. 

Vocês incluíram apenas créditos de carbono de mercado regulado – o que, por ora no Brasil, inclui apenas os CBIOs – no marco regulatório de fundos. Por quê? 

Nascimento: Por duas razões. Primeiro, porque a gente quer incentivar o desenvolvimento das pautas de descarbonização e o cumprimento das metas do Acordo de Paris. 

Segundo, porque no olhar do mercado de capitais — e até mais importante que o primeiro, sendo muito sincero — é que a gente quer assegurar a qualidade e a integridade dos créditos. 

Para a gente poder utilizar o crédito de carbono do mercado voluntário do jeito que as pessoas esperam, precisamos melhorar alguns temas: comparabilidade, harmonização. O crédito de carbono emitido no Brasil serve para o cumprimento das pautas de carbono no mundo inteiro. Então tem que ter higidez, tem que ser um negócio íntegro. 

A gente está caminhando nessa direção. Mas nesse exato momento talvez esse passo fosse maior do que a perna do mercado atual. 

Mas vocês têm algum tipo de olhar para o mercado voluntário? Dá para fazer alguma coisa no âmbito de CVM para considerar esses créditos? 

Nascimento: Tem uma característica muito nossa nessa questão, que é a transição suave. Não existia nada, a gente começa no meio do caminho, começa aos pouquinhos para chegar onde se deseja. O que se deseja é uma maior amplitude e uma maior extensão. Precisa ver se estamos prontos para essa gradação. 

Por exemplo, nessa nova resolução 175, que é o marco regulatório dos fundos de investimento, a gente fez vários avanços importantes. A gente falou das diretrizes para uso do ESG, do reconhecimento dos ativos ambientais como ativos financeiros. 

Em breve, ainda neste ano, a gente vai ter uma mudança da regra dos Fiagros, e estamos pensando muito no desenvolvimento do Fiagro de baixo carbono. Entendemos que o agronegócio com um olhar mais aderente ao mercado de capitais pode ser um caminho para a gente firmar em definitivo o compromisso com a sustentabilidade. 

Em relação à ampliação desse horizonte de crédito de carbono, isso vai acontecer. Mas é importante que as pessoas criem uma casca para um melhor entendimento para chegarem nesse lugar. Isso vem aos pouquinhos. 

Na política de finanças sustentáveis, vocês falam da importância de trabalhar para uma taxonomia de finanças sustentáveis [grosso modo, estabelecer quais investimentos podem ou não ser considerados sustentáveis]. Qual o papel da CVM nisso e por onde começar? 

Baccas: Colocamos na política porque entendemos que é um mitigador de greenwashing, mas é um tema que trabalha com várias frentes, não só no mercado de capitais. 

Em geral, as taxonomias do mundo estão atuantes no transversal do sistema financeiro. Na União Europeia, vem de cima, é super obrigatório, legislativo. No trabalho da Colômbia, tem uma perspectiva que envolveu todos os supervisores financeiros, Ministério da Fazenda, uma discussão mais macro de economia. 

No LAB [Laboratório de Inovação Financeira, fórum de discussão de diversos stakeholders, do qual a CVM é membro-fundador], o pessoal tem essa visão de ter algo mais unificado, mais unívoco sobre uma taxonomia no país.