Os planos do governo para o hidrogênio verde no Brasil

Legislação para exportação é suficiente e a prioridade deve ser a criação de um mercado interno, diz a chefe de regulação do MME

Agnes da Costa, chefe da assessoria especial em assuntos regulatórios do Ministério de Minas e Energia
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O governo brasileiro pretende apresentar um projeto para desenvolver uma economia nacional do hidrogênio no primeiro semestre de 2022 e, assim, conectar o país oficialmente a uma das grandes apostas globais para descarbonizar a economia do planeta.

À frente das discussões está Agnes da Costa, uma economista com mais de 15 anos de Ministério de Minas e Energia e que desde 2019 ocupa a cadeira de chefe da assessoria especial em assuntos regulatórios da pasta. 

O projeto vem sendo olhado em duas frentes.

A primeira, e mais óbvia, é transformar o país num grande exportador de hidrogênio verde, algo que já tem mobilizado a atenção de inúmeros grupos estrangeiros e que, segundo Costa, está caminhando com as próprias pernas. 

A segunda é capacitar o país para incluir o hidrogênio verde na sua própria matriz energética. Isso vai da formação de pessoas a investimentos em tecnologia básica. 

“Me parece muito evidente que o Brasil deva se tornar um grande exportador. Todo mundo quer vender para a Europa. Mas faz sentido pensar só nisso?”, diz Costa. Para ela, a resposta evidente é que não.

O hidrogênio verde é considerado uma alternativa para indústrias e setores cuja descarbonização não pode ser resolvida pela via da eletrificação.

Siderúrgicas, cimenteiras, indústrias de fertilizante, transporte pesado e aviação são apontados como potenciais grandes consumidores desse novo vetor energético.

Uma dúvida é saber quando esse dia vai chegar, diz Costa. “Já conversamos com as empresas desses setores. Todas têm interesse, mas nada é muito concreto por enquanto.” 

Outra é o preço. Hoje, produzir um quilo de hidrogênio por meio da eletrólise (separando as moléculas da água usando energia elétrica renovável) custa cerca de US$ 5. 

A expectativa é que o H2V comece a ficar competitivo por volta de US$ 2. O Brasil tem ótimas condições de produzir eletricidade verde a baixo preço, mas ainda não existe escala de produção global dos eletrolisadores, por exemplo. 

E o governo também não deve dar preferência ao hidrogênio verde, obtido via eletrólise da água e com uso de energia limpa, que vem concentrando as atenções ao redor do mundo. 

Costa diz que o hidrogênio cinza, produzido com gás natural, e o azul (idem, mas com a captura do CO2) podem ser uma transição necessária.

Mas, na opinião dela, as forças do mercado devem gravitar inevitavelmente na direção do H2V.

“Não queremos discriminar rotas (de produção). No futuro, o custo do carbono vai estar internalizado. Se você vai para a rota poluente, vai ficar mais caro”, afirma Costa.

Além da eletrólise da água, existem iniciativas para produzir hidrogênio verde a partir de biomassa, etanol e biogás. No entendimento de Costa, não cabe ao governo fazer essa escolha. “Isso será resolvido quando precificarmos as emissões. Aí naturalmente as fontes renováveis ficarão mais competitivas.”

Antes que essas decisões sejam tomadas, entretanto, vem um passo anterior: mapear os setores mais interessados, pensar na questão logística e assim por diante.

A indústria química, por exemplo, seria uma candidata natural a usar o hidrogênio verde, que pode ser transformado em amônia. “Temos de olhar o plano nacional de fertilizantes. Será que eles estão considerando a amônia verde?”, afirma Costa.

O Chile tem um plano nacional baseado em exportação, mas o desenho imaginado pelo governo do país vizinho prevê uso do H2V na descarbonização da mineração, uma das principais indústrias – e maiores poluidoras – do país.

Do porto pra fora

Os projetos ora em estudo no país são todos baseados em eletrólise da água – e inteiramente voltados para o mercado estrangeiro.

Países asiáticos e europeus, principalmente, enxergam no H2V uma maneira de importar energia solar e eólica, para usar na indústria pesada e também como fonte de energia, como sistemas de calefação.

Para Costa, tudo anda conforme o previsto, e não há necessidade de intervenções do governo federal, pelo menos por enquanto.

“Os projetos estão andando. Estamos acompanhando tudo regularmente, e até aqui não identificamos a necessidade de ações específicas”, diz Costa. “Não estou preocupada.”

O Chile anunciou há mais de um ano um projeto nacional para criar uma indústria exportadora de hidrogênio verde (H2V). O Brasil não deveria fazer o mesmo?

“Começou essa corrida do ouro maluca para ver quem vai ser o protagonista do hidrogênio verde”, diz Costa. “Em primeiro lugar, a gente não consegue saber o quão crível são os cenários [projetados].”

Ela afirma que o MME está acompanhando os projetos anunciados com a intenção de exportar (os maiores estão associados a portos, no Ceará, na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro).

“Sempre perguntamos: ‘De que vocês precisam especificamente?’ E por enquanto não tem nada. As regras do setor elétrico e dos recursos hídricos estão dadas, elas já estão aí.”

Os únicos dois pontos apresentados por grupos interessados, segundo Costa, foram eventuais incentivos fiscais para a importação de equipamentos e a dúvida de um investidor a respeito da cobrança da tarifa de uso de transmissão da rede elétrica.

Caso o equipamento que produz o hidrogênio também consuma eletricidade da rede – em caso de falha da fonte renovável, por exemplo – essa tarifa seria obrigatória.

Além do custo extra, existe um problema adicional, para o qual ainda não há uma solução: se o eletrolisador estiver plugado na rede, como garantir que o hidrogênio será de fato produzido com energia renovável?

Em pelo menos um dos projetos em desenvolvimento, a energia gerada pelos cataventos gigantes será utilizada exclusivamente para a produção do H2V.

Essas são questões menores, na opinião de Costa, que devem ser equacionadas com o tempo. O que se anunciou até aqui no Brasil foram memorandos de entendimento. Modelos de negócio, compradores do H2V e preço ainda vão amadurecer.

No fim das contas, não existe oposição entre a criação de um mercado nacional e as oportunidades de exportação, afirma Costa.

“Tudo isso é um assunto muito quente e muito novo, que entrou em pauta para valer há um ano.” O objetivo é ter um programa detalhado no primeiro semestre de 2022.

“É um trabalho grande. Não é trivial juntar gente de tantas áreas diferentes, desenhar esse mapa de ações.”