Os planos da Embraer para uma aviação de baixo carbono

No cardápio da fabricante de aeronaves estão biocombustíveis, hidrogênio verde, eletrificação — e até o retorno repaginado dos modelos de turboélice

Os planos da Embraer para uma aviação de baixo carbono
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Há pouco mais de dois meses, as ações da Embraer dispararam na bolsa com a notícia de uma potencial venda de seu incipiente negócio de eVTOLs, os veículos elétricos voadores que prometem revolucionar a mobilidade urbana. 

Agora, a companhia veio a mercado com um plano ESG mais abrangente, mostrando como pretende se posicionar num mundo de baixo carbono no seu core business de aviação comercial e executiva. 

Trata-se de um dos setores mais poluentes, que responde por 2,4% das emissões do planeta — percentual que pode dobrar até 2050 se não houver mudanças tecnológicas — e de mais difícil descarbonização. 

O maior problema é encontrar alternativas aos combustíveis fósseis. De eletrificação a hidrogênio verde, passando por biocombustíveis, nenhuma delas até agora se mostrou competitiva em escala e custo. 

“Acredito que a solução será uma combinação de todas essas tecnologias que estão emergindo, não vai ser uma tecnologia ou solução só. Será um esforço conjunto de vários stakeholders e tecnologias”, apontou Luís Carlos Affonso, vice-presidente de engenharia, desenvolvimento de tecnologia e estratégia corporativa da Embraer em teleconferência na sexta-feira. 

Junto com os resultados do segundo trimestre — o primeiro a animar um pouco mais o mercado desde o fim das negociações com a Boeing e a queda na demanda com a covid 19 —, a Embraer divulgou na sexta-feira o compromisso de se tornar neutra em carbono nas operações próprias até 2040, o que exclui as emissões dos voos comerciais de seus clientes. A companhia também delineou como pretende contribuir para a meta estabelecida pela indústria de aviação de atingir o net zero até 2050 e se adequar ao Acordo de Paris.  

Num primeiro momento, a maior aposta da Embraer são os chamados SAFs, os combustíveis renováveis de aviação. Hoje eles englobam diversas rotas de produção, de resíduos agrícolas até decomposição do lixo, passando por óleo de cozinha usado, e são utilizados em diversos graus de mistura com os fósseis. 

“Se eu tiver que destacar uma das tecnologias [para descarbonização], destacaria o SAF, porque é a única tecnologia ‘drop-in’, capaz de rodar nas turbinas como elas são hoje”, diz Affonso. “Isso significa que, quando tivermos escala e preço certo, a frota inteira será capaz de operar com SAF”. 

O desafio aqui é trabalhar com fornecedores e a indústria para chegar a alternativas competitivas em custo. Atualmente, 0,1% do combustível consumido pela aviação é renovável. 

Da porta para dentro 

O SAF é a única alternativa de combustível a constar nas metas ESG estabelecidas pela própria Embraer. A companhia quer usar pelo menos 25% de SAF nas suas operações próprias até 2040.

O combustível é a rubrica mais relevante nas operações da empresa, porque as fabricantes precisam fazer diversas horas de testes para garantir a segurança das aeronaves antes de colocá-las no mercado. 

Por ora, o plano engatinha. A Embraer acaba de firmar uma parceria para utilizar combustível da Neste, produzido principalmente a partir de óleo de cozinha usado, para começar a abastecer os testes de sua frota de jatos executivos que é produzido em Melbourne, Flórida.

O segundo item mais relevante no perfil de emissões é o consumo de energia usado na fabricação, que deve se tornar 100% renovável até 2030, segundo o compromisso ESG.

Ainda assim, as emissões que não puderem ser reduzidas vão depender essencialmente da compra de créditos de carbono para compensação. A Embraer se comprometeu a “crescer neutra em carbono” a partir do ano que vem, o que significa que terá que compensar tudo que vier de seu crescimento. 

A companhia sinalizou que pretende dobrar de tamanho nos próximos anos, em meio à normalização do mercado pós-covid e o avanço do seu braço de serviços. 

Da porta para fora

Como na maior parte das indústrias, a maior fonte de emissões de gases de efeito-estufa da Embraer, no entanto, não está dentro de casa. Está no chamado escopo 3, que envolve desde a cadeia de fornecimento até o uso dos produtos. 

Aqui, a companhia não detalhou planos nem metas para reduzir emissões nos seus fornecedores, mas disse estar focando no desenvolvimento de tecnologias capazes de reduzir o uso dos combustíveis fósseis pelas companhias aéreas. 

O setor como um todo, por meio da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), tem o compromisso de se tornar neutro em carbono até 2050. 

Para aeronaves maiores e voos de longa distância, a aposta, além do SAF, é no hidrogênio verde. 

A Embraer disse estar estudando aspectos técnicos, econômicos e de cadeia de suprimentos e espera fazer a demonstração de uma aeronave movida pelo combustível em 2025.

No começo do ano, a concorrente Airbus já divulgou o desenho de algumas alternativas de protótipos em estudo para aeronaves movidas a hidrogênio.

Para os aviões de menor porte, a eletrificação é uma alternativa que já vem se mostrando viável, diz a companhia. A Embraer começou a realizar os primeiros testes com avião de propulsão elétrica em São Paulo, a partir de um protótipo baseado no Ipanema, usado na agricultura.

“Esses testes vão nos ajudar a desenvolver conhecimento, que será aplicado a nossos futuros produtos”, afirmou Affonso. 

A companhia também está trabalhando no eVTOL, veículo 100% elétrico para serem usados em deslocamentos em grandes cidades, além do STOUT, um modelo de avião híbrido para uso militar. 

Turboélice, o retorno

Enquanto as tecnologias de zero carbono ainda tem um longo caminho para se provar, a Embraer está apostando em modelos com maior eficiência no uso de combustíveis fósseis para reduzir emissões.

No evento realizado na sexta-feira, a companhia apresentou seu novo desenho para um turboélice com capacidade de 70 a 90 assentos, que, segundo Affonso, pode substituir os jatos de 50 assentos em “mercados importantes”. 

O executivo disse que o modelo consome 20% menos combustível que os jatos elétricos equivalentes, o que, associado ao maior número de assentos, pode chegar a uma eficiência 40% maior em algumas rotas. 

Origem da Embraer, os turboélices perderam mercado nos últimos anos para os jatos tradicionais, que são considerados mais espaçosos, silenciosos e trepidam menos.  A nova configuração, aponta o VP, é “de um turboélice com características de jato”, que elimina essas desvantagens. A companhia está em conversa com potenciais clientes e fornecedores para validar o modelo. 

Além do ambiental

Além das emissões, o plano ESG da Embraer abarca causas sociais e de governança, com treinamentos e políticas anticorrupção. 

Nas metas para aumentar a diversidade do quadro de funcionários, o objetivo é treinar todos os executivos em posições de liderança em questões de diversidade e inclusão ainda neste ano e o restante dos trabalhadores até 2022. 

A companhia também estipulou que até 2025, metade das contratações feitas respeitem princípios de diversidade e que o time de engenharia aeronáutica deverá ter pelo menos 25% das posições ocupadas por mulheres até 2023. 

A presença feminina em posições de liderança sênior também deve aumentar nos próximos anos e a previsão é ocupar ao menos 20% destes cargos com mulheres até 2025.

Também está previsto o início do programa Social Tech, para aprimoramento profissional na área de tecnologia e que tem o objetivo de qualificar 1.500 pessoas até 2025 para profissionais com algum tipo de deficiência. No futuro, a meta é de que o projeto abrace também outros grupos minoritários, como mulheres, negros e LGBTQIA+.