Os Gerdau estão fazendo filantropia de risco – e querem atrair outras famílias empresárias

A chamada venture philanthropy acessa o bolso da filantropia para apoiar negócios com fins lucrativos que tenham como foco gerar impacto socioambiental positivo

Os Gerdau estão fazendo filantropia de risco – e querem atrair outras famílias empresárias
A A
A A

De quase 1.300 negócios de impacto mapeados no país em 2021, 80% estão em estágio inicial de maturidade – ou seja, ainda estão desenvolvendo seu produto ou serviço e organizando a casa da porta para dentro. Além disso, sete em cada dez simplesmente não têm faturamento ou faturam menos de R$ 100 mil por ano, segundo o terceiro mapa de negócios de impacto social e ambiental do país, feito pela Pipe Social.

Com cada vez mais investidores interessados em escalar bons negócios de impacto e empresas interessadas em contratar produtos e serviços para resolver desafios sociais e ambientais, o gap é claro: falta conferir robustez ao pipeline dessas startups para que superem o temido vale da morte e cheguem ao ponto de atrair investimentos e também clientes.

Como fazer a ponte?

Enquanto o venture capital busca negócios prontos para serem escalados e a filantropia tradicional apoia negócios sem fins lucrativos, um tipo de recurso que fica no meio do caminho entre os dois e mistura características de ambos tem surgido como solução.

A chamada venture philanthropy acessa o bolso da filantropia para apoiar negócios com fins lucrativos que tenham como foco gerar impacto socioambiental positivo. Como se trata de um capital a fundo perdido, pode assumir mais riscos.

Esse foi o caminho escolhido pelo Instituto Helda Gerdau, da família que controla a siderúrgica Gerdau. O instituto foi criado para separar as ações filantrópicas da empresa, que seguem no Instituto Gerdau, daquelas praticadas pelos quatro ramos da família.

“O instituto nasceu com essa pegada de fazer algo mais inovador, e queríamos atuar na área de impacto. A venture philanthropy veio como luva, permitindo investir com recursos a fundo perdido para crescer esse ecossistema de negócios”, diz Beatriz Johannpeter, diretora do instituto e filha de Jorge Gerdau.

Desde o ano passado o instituto vem apoiando alguns negócios. As doações não vão para o caixa das empresas, mas são feitas para pagar o programa de aceleração do Quintessa

Foi Anna de Souza Aranha, diretora do Quintessa, quem convenceu Bea Gerdau de que institutos familiares tinham um papel a desempenhar nesse ecossistema. “Fomos em busca de um capital mais paciente e estruturante para desenvolver esses negócios”, diz Souza Aranha.

Para atrair mais famílias empresárias para essa trilha, o programa de filantropia de risco – ou filantropia estratégica – foi levado para dentro do Instituto de Cidadania Empresarial. Além dos Gerdau, mais uma família se uniu ao programa, além de quatro outros associados individuais do ICE, diz Souza Aranha.

No total, cinco startups foram aceleradas: a Barkus, que oferece educação financeira para as classes C, D e E; a Trampay, de benefícios para entregadores de aplicativos; a Parças, que dá formação em TI para ex-detentos; a Recicleiros, de gestão de resíduos; e a Vivenda, dedicada a reformar casas da periferia e de favelas.

As três primeiras foram aceleradas por um ano com apoio do Instituto Helda Gerdau. As outras duas receberam apoio de seis meses dos demais associados do ICE. Além dos recursos, as famílias fazem mentorias com as startups.

Os resultados são evidentes.

A Trampay, fintech focada em entregadores e trabalhadores informais, por exemplo, chegou ao programa atuando apenas em Brasília e ainda em busca de um modelo de negócio, sem saber como cobrar e para quem vender seu produto. Agora na reta final da aceleração, tem uma cobertura de 190 municípios e 3 mil usuários de um dos seus produtos financeiros.

Em plena pandemia, a Parças, edtech que conecta egressos do sistema prisional com o mercado de trabalho, estava prestes a sucumbir ao vale da morte, com alguns milhares de reais em dívidas e salários dos colaboradores atrasados.

Hoje a empresa está saindo da fase de tração para começar a escalar seu negócio. A base de alunos prontos para serem colocados no mercado de trabalho saiu de 292 para 578 e os atuais 25 colaboradores estão com os salários em dia. 

“A filantropia estratégica chega nesse momento crítico, sensível dos negócios, em que falta fôlego para deslanchar. E para empreendedores periféricos, que não vêm de família empresária e não têm experiência, falta método, falta processo. A estrutura de aceleração é uma oportunidade de amadurecer”, diz Alan Almeida, CEO da Parças.

Do ponto de vista dos apoiadores, o programa gera aprendizado para a família sobre o universo dos negócios de impacto, diz Bea Gerdau. “Quem tem toda a organização estruturada para atuar na filantropia tradicional tem dificuldade de migrar para uma atuação mais estratégica. Os profissionais envolvidos não têm essa visão”, diz ela.

Outro aspecto relevante, diz, é levar esse conhecimento também para dentro dos family offices, para que aprendam a olhar para as oportunidades de investimento de impacto. Por essa razão, alguns eventos foram abertos para os profissionais dos family offices dos apoiadores. 

A primeira edição do programa de venture philanthropy do ICE termina este mês e está na reta final a fase de adesão de novas famílias para a segunda edição, que vai apoiar outros negócios. A ideia é que a segunda jornada dure doze meses.