Os bancos se comprometeram com o net zero. Agora precisam provar que vão além da meta

Com US$ 130 tri em ativos, instituições financeiras terão de se adequar a metas de descarbonização mais rigorosas se quiserem continuar na aliança global Gfanz

Montagem mostra os símbolos de diversas moedas pintados na cor verde
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A Gfanz, megaaliança global do setor financeiro para atuar no combate à mudança do clima, fez barulho na COP26, no ano passado.

As manchetes estampavam um número tão grande, que era difícil de compreender: mais de 450 instituições se comprometeram com a neutralidade de emissões na carteira financiada até 2050 e juntas têm sob gestão US$ 130 trilhões.

Mas pouco se ouviu falar do assunto nos nove meses que se passaram. Pelo contrário: com a crise energética causada pela guerra na Ucrânia, dinheiro não faltou para projetos que vão queimar mais combustíveis fósseis.

Agora, os responsáveis pela Glasgow Financial Alliance for Net Zero, batizada em homenagem à cidade-sede da conferência da ONU, prometem colocar ordem na casa.

As instituições associadas à Gfanz – incluindo as brasileiras Bradesco, Itaú e Fama – terão de demonstrar alinhamento com um conjunto de regras mais estritas.

Quem não andar na linha pode até ser expulso do clube, uma organização guarda-chuva que reúne sete alianças setoriais de bancos, seguradoras, fundos de pensão e assim por diante.

Fiscalizando o net zero

A movimentação recente foi precipitada pela campanha Race to Zero, uma iniciativa no âmbito da ONU cujas diretrizes compõem o norte da Gfanz.

Em junho, a Race to Zero anunciou um endurecimento dos critérios básicos para seus integrantes.

Algumas das novas regras afetam diretamente a aliança financeira, como o veto ao financiamento de novos projetos que envolvam a queima de carvão. O combustível é o maior vilão da mudança do clima.

“Queremos ser inequívocos em relação a este ponto: não há lógica  para financiar novos projetos de carvão”, diz um comunicado da Gfanz em resposta à nova orientação.

“Em relação aos ativos de carvão existentes, também acolhemos a exigência da Race to Zero de que os seus membros comuniquem claramente como vão acelerar o abandono progressivo”.

As empresas e instituições que pertencem à Race to Zero (incluindo as associações reunidas sob a Gfanz) têm até junho do ano que vem para se adequar aos novos critérios.

Todos os signatários da campanha da ONU já haviam firmado uma série de compromissos públicos, como a redução de pelo menos 50% de suas emissões até o fim desta década.

Além de erguer a barra climática, a Race to Zero estaria criando um mecanismo para que representantes da sociedade civil possam denunciar instituições que saírem da linha, segundo uma reportagem recente do Financial Times.

Um conselho consultivo independente seria responsável pelas avaliações e teria o poder de expulsar os relutantes já a partir do começo do ano que vem, segundo o FT.

Ao pé da letra?

Uma vez em desacordo com a Race to Zero, as instituições financeiras estariam automaticamente fora da Gfanz – o que seria no mínimo um grande fiasco de relações públicas.

Ou pelo menos essa é uma das leituras da nova regra.

O rigor das novas exigências significa que, na prática, poucas delas seriam capazes de atendê-las. Uma análise realizada pela Capital Monitor indicou que, entre 249 dos maiores bancos e gestoras do mundo, somente 62 têm algum tipo de restrição a novos projetos de carvão.

Além disso, aponta a publicação, não se sabe se todas as sete alianças setoriais reunidas sob o guarda-chuva da Gfanz reescreverão suas próprias regras para que elas reflitam o que diz a Race to Zero.

As demandas vão além do carvão. Os membros da Gfanz precisariam incluir em suas próprias metas net zero todas as emissões causadas por seus investimentos, empréstimos, garantias e seguros, incluindo as emissões de escopo 3 (indiretas) das companhias para as quais elas prestam esses serviços financeiros.

As instituições teriam de apresentar planos para honrar esses compromissos com três datas diferentes: os próximos 12 meses, daqui 2-3 anos e em 2030.

“Absolutamente acolhemos esse novo mecanismo de compliance para identificar e remover membros que não respeitem os critérios”, afirmou ao FT May Schapiro, ex-diretora da SEC americana e uma das líderes da Gfanz.

Quanto à divulgação de planos, ela afirmou que a medida ajudará a “esclarecer o que as finanças estão avançando em termos de net zero em vez de ocultar o ‘business as usual’ ou tentativas de greenwashing”.

(Imagem: Elena Mozhvilo, via Unsplash)