OPINIÃO: O Brasil pode liderar a descarbonização da siderurgia

País reúne todas as condições para se tornar um dos destinos mais promissores para os investimentos que vão transformar uma das indústrias mais poluentes do mundo

OPINIÃO: O Brasil pode liderar a descarbonização da siderurgia
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O aço foi o pilar do processo de industrialização que se iniciou em meados do século XIX. Passados quase dois séculos, um coproduto ignorado por muitos anos força a indústria siderúrgica mundial a se transformar: o dióxido de carbono (CO2).

Atualmente, existem duas principais maneiras de fabricar aço: 75% da produção global envolve altos-fornos a carvão mineral, a rota mais intensiva em carbono, enquanto cerca de 25% da produção é feita por fornos elétricos, que geram menores emissões diretas e utilizam sucata de aço como matéria-prima principal. 

Embora em termos mundiais não seja uma rota de produção significativa, o aço também pode ser produzido com carvão vegetal, técnica que, no Brasil, responde por 10% da produção total e contribui para uma menor intensidade de CO2 na indústria nacional.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), a indústria siderúrgica mundial é uma consumidora expressiva de energia, correspondendo individualmente a 8% da demanda total de energia final. Como resultado, é a maior fonte industrial de emissões dos gases de efeito estufa, com participação de 7% no total relacionado à produção e uso de energia. 

Não por outro motivo, em linha com os objetivos de neutralidade de emissões em 2050, governos e corporações globais têm anunciado estratégias que visam à descarbonização da indústria de ferro e aço. Isso cria uma oportunidade única para o Brasil, que possui recursos estratégicos necessários para a transformação dessa indústria no mundo.

O Brasil tem importantes vantagens competitivas internacionais para se estabelecer mundialmente como produtor de aço de baixo carbono.

Primeiro, o país possui reservas substanciais de minério de ferro, sendo o segundo maior exportador global dessa commodity. Além disso, a abundância e a competitividade de recursos naturais renováveis possibilitam que o Brasil produza aço de baixo carbono a custos inferiores a outras regiões do mundo. 

Como resultado, o país teria condições de passar de exportador de minério de ferro para exportador de produtos mais valiosos, como o HBI (ferro briquetado a quente) e o aço verde (produzido a partir de fontes renováveis de energia) em mercados com grandes perspectivas de crescimento por estarem ligados à expansão da economia de baixo carbono. 

Como bônus ambiental, essa mudança estratégica de posição do país na cadeia produtiva do ferro e aço reduziria os custos e as emissões de gases de efeito estufa do transporte dos produtos nacionais para os mercados internacionais, que são uma das desvantagens comparativas mais críticas da indústria de mineração brasileira.

Outra perspectiva promissora está atrelada ao desenvolvimento da economia de hidrogênio renovável (também chamado de hidrogênio verde ou de baixa emissão). Na rota tradicional, é possível reduzir as emissões com a redução direta com gás natural que, apesar de usar um combustível fóssil, apresenta nível de emissões inferiores ao do carvão mineral e pode, parcial ou totalmente, ser substituído por hidrogênio

Assim, um possível caminho de descarbonização a ser adotado pela siderurgia nacional seria, em um primeiro momento, utilizar tecnologias à base de gás natural para reduzir as emissões parcialmente e, em um segundo momento, substituir o gás por hidrogênio, a fim de atingir mitigações mais ambiciosas das emissões. 

Pode-se ainda usar o hidrogênio verde, produzido a partir da eletrólise da água, para produção de aço com emissões que poderiam chegar a zero.

Em resumo, a redução direta com hidrogênio de baixa emissão e a reciclagem do aço (com o uso de fornos elétricos) são vistas como as principais promessas para uma descarbonização mais significativa da siderurgia nos próximos anos, dependendo basicamente da velocidade de redução de custos ligada a essas alternativas.

Além do hidrogênio, o carvão vegetal é uma matéria-prima estratégica para a siderurgia nacional. O país possui a primeira planta carbono zero do mundo, a Aço Verde Brasil, cuja tecnologia se baseia no uso dessa fonte.

Contudo, há limitações do ponto de vista tecnológico em usá-lo como única estratégia de descarbonização da indústria, pois fornos que utilizam carvão vegetal apresentam produtividade inferior aos de carvão mineral. 

Para que o carvão vegetal possa ter papel mais relevante na descarbonização da siderurgia, é necessário ainda que o país expanda de modo sustentável suas plantações de floresta, permitindo inclusive o sequestro de carbono, e que desenvolva uma tecnologia realmente sustentável com pleno aproveitamento dos gases.

As diferentes possibilidades de descarbonização da siderurgia nacional mostram que a transição energética do setor industrial é também uma oportunidade para apoiar a retomada econômica do país. 

Certamente, há desafios ao longo do caminho, como o alto custo das novas tecnologias, os riscos ligados ao fornecimento de matérias-primas e fontes renováveis e a necessidade de expansão da infraestrutura.

Assim, não há dúvida de que os próximos anos exigirão um esforço conjunto para abrir os possíveis caminhos, mas o Brasil tem todas as condições para se tornar um dos destinos mais promissores de investimentos para a descarbonização da indústria siderúrgica mundial.

* Emilio Matsumura é diretor-executivo do Instituto E+ Transição Energética. Otto Hebeda, Bruna Guimarães e Gustavo Cretton são pesquisadores da COPPE/UFRJ.