OPINIÃO: No BNDES, hora de manter a agenda verde em pé

Num governo marcado pelo retrocesso ambiental, o BNDES foi um oásis na agenda do desenvolvimento sustentável; agora sobram motivos para temer um desmonte sem critérios, escreve Vanessa Adachi

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES.
Rio de Janeiro, 18/01/19- Foto: Miguel Ângelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Rio de Janeiro, 18/01/19- Foto: Miguel Ângelo
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Quando, em junho de 2019, Gustavo Montezano foi indicado para substituir Joaquim Levy na presidência do BNDES, pouco se sabia sobre ele – e menos ainda se esperava de sua gestão.

Vindo da área de trading de commodities do BTG Pactual, e amigo de juventude de Flávio e Eduardo Bolsonaro, Montezano carregava no currículo uma condenação por ter arrombado o portão do condomínio onde morava para dar seguimento a sua festa de aniversário no meio da madrugada. Nada indicava o que estava por vir.

Num governo marcado por um incontestável retrocesso na área ambiental, o BNDES foi um oásis, com uma atuação voltada a impulsionar a agenda do desenvolvimento sustentável do país.

Preservação e recuperação de florestas, mercado de carbono, concessão de parques, energia limpa, agricultura de baixo carbono, tudo isso esteve nas suas prioridades, só para ficar em clima e meio ambiente. No igualmente importante front social, houve iniciativas relevantes em saneamento básico.

Montezano parece ter encontrado na agenda verde um mote para reposicionar o banco – e deixar sua marca –, diante da orientação vinda de cima para ‘abrir a caixa preta’ dos anos do PT, reduzir o tamanho do balanço do banco de fomento, desinvestir de ações de grandes empresas e aumentar o pagamento de dividendos ao Tesouro. 

Saíram de cena a liberação de montanhas de crédito com juros abaixo dos de mercado e uma política industrial voltada a criar ‘campeãs nacionais’ em alguns setores, que já vinham sendo desmontadas desde o governo Temer. Com o cofre mais magro, o banco atuou como indutor de mecanismos de mercado, potencializando a atração de capital privado para a agenda verde.

Ganhou força a prestação de serviços de modelagem de projetos de infraestrutura e de concessões para a iniciativa privada de serviços fundamentais que o estado vinha falhando em cumprir. Com a aprovação do marco do saneamento no Congresso, o banco mergulhou na modelagem de concessão de empresas estaduais e municipais, com destaque para a Cedae, do Rio. Também liberou bilhões em financiamentos para os vencedores dos leilões.

Depois de acelerar a desestatização de parques naturais voltados ao turismo ecológico, como o do Iguaçu, onde ficam as Cataratas, o banco trabalha na modelagem do arcabouço regulatório e econômicos para que a iniciativa privada assuma áreas públicas de florestas para manejo sustentável e/ou geração de créditos de carbono, como alternativas para gerar renda e conter o desmatamento. 

O estado brasileiro é o maior detentor de florestas do mundo e muitos enxergam na concessão dessas áreas o melhor caminho para acelerar os projetos de carbono no país.

O banco também passou a atuar este ano como um dos maiores compradores de créditos de carbono no mercado voluntário no país. Talvez mais importante do que gerar demanda, porque hoje não faltam empresas interessadas em offsets, é o papel do banco para ajudar a estabelecer melhores práticas e padrões de qualidade, além de entender os gargalos e oportunidades para o país.

Uma parte do dinheiro liberado com a venda de participações acionárias pela BNDESPar em grandes empresas como JBS, Suzano e Vale foi usada para criar e fomentar fundos e startups com teses de impacto ambiental e social.

Aportes de centenas de milhões foram feitos em fundos de impacto para negócios em variados estágios de maturação: R$ 250 milhões foram para o Lightrock Growth Equity, de impacto ‘late stage’; R$ 60 milhões para o Amazon Biodiversity Fund; R$ 50 milhões no terceiro fundo da Vox Capital; R$ 150 milhões no fundo de private equity de soluções climáticas da GEF, entre outros.

O banco também deu seguimento ao seu programa de aceleração de startups, o Garagem, pondo foco em negócios de impacto.

Outro incentivo relevante veio na agenda de blended finance, com aporte de capital do banco para reduzir o risco e alavancar a entrada de capital comercial para dar escala a projetos de interesse social e ambiental. 

O ESG e a descarbonização entraram também na agenda interna do banco, com a obtenção de um rating ESG, a decisão de deixar de financiar térmicas a carvão e, mais recentemente, com a definição de um plano para chegar ao net zero em suas operações.

A eleição de Lula veio acompanhada da promessa de trazer a agenda ambiental ao centro do projeto de desenvolvimento econômico – ecoada com alarde durante sua passagem pela COP27. 

Materializá-la vai depender em grande parte dos incentivos corretos aos agentes privados. 

A indicação política de Aloizio Mercadante para presidir o BNDES, em choque com a Lei das Estatais, é um péssimo começo. Ao lado do receio de retomada da política de crédito subsidiado, a guinada na orientação do banco deixa no ar um segundo risco: a perda de relevância ou o desmonte sem critérios da robusta agenda socioambiental do banco.