OPINIÃO: Governo tenta agenda positiva com mercado de carbono, mas não vai além dos fogos de artifício

Só pirotecnia não basta para que mercado financie a transição verde

OPINIÃO: Governo tenta agenda positiva com mercado de carbono, mas não vai além dos fogos de artifício
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Quem está acompanhando o Congresso Mercado Global de Carbono no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, pode se esquecer por algumas horas do país em que se encontra.

Na fala de abertura ontem, antes de posarem plantando uma árvore, os ministros do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e da Economia, Paulo Guedes, falaram sobre um Brasil referência em agro verde, aplaudido por investidores e cheio de oportunidades de se tornar uma potência exportadora de créditos de carbono. 

Não que as oportunidades não existam – elas estão aí e são abundantes. 

Mas será necessário bem mais que retórica vazia e um palco armado pelo governo para aproveitá-las. 

Defensor voraz de “instrumentos de mercado”, Joaquim Leite (ou “Juca Green”, como se referiu a ele Paulo Guedes) disse que, ao contrário dos governos anteriores, quer trazer o setor privado para “criar uma nova economia verde, com soluções ambientais inovadoras”.  

Mas, se quer realmente trazer o mercado para a mesa para financiar parte da conta da transição verde, o governo precisa de menos espetáculo e mais do básico. 

Primeiro, entender de uma vez por todas que a limitar o aquecimento global nos impõe um imenso desafio: conter as taxas de desmatamento, nosso grande calcanhar de Aquiles, e que qualquer tentativa de maquiar o problema não passa despercebida.

Segundo, transmitir previsibilidade e confiança. 

No grande anúncio do dia, a criação do mercado regulado nacional de carbono, esses dois ativos já ficaram em falta. No afã do Executivo de ser protagonista da agenda no lugar do Congresso, Leite prometeu o que ainda não tinha: disse que o decreto sairia ainda ontem. Até agora, nada no Diário Oficial. 

Nos bastidores, a informação é que o texto, redigido às pressas e sem a consulta com os participantes do mercado e sociedade civil – atravessando um Projeto de Lei discutido há um ano, que tramita em regime de urgência e vem sendo obstruído pelo próprio Executivo –, ainda dependia de inúmeros ajustes técnicos da equipe da Casa Civil. 

A nova promessa é que saia amanhã. A ver.  

Fogos de artifício

Nas minutas do decreto que circularam nos últimos dias, há muita pirotecnia e pouco chão firme.

Em vez de criar um desenho mais geral para um mercado de carbono nacional — uma legislação ‘minimalista’, como recomendavam os diversos experts que se debruçam há anos sobre o tema —, veio um texto cheio de especificidades.

Cria-se o conceito de ‘crédito de metano’, que não é adotado por nenhum outro grande país. Fala-se ainda em Unidade de Estoque de Carbono (UEC) como um ativo representativo de “todos os meios de depósito de carbono que não em GEE presentes na atmosfera”, no que parece uma tentativa torta de agrado ao agro. Jabuticaba atrás de jabuticaba. 

Há ainda pouca separação entre dois conceitos básicos: o de mercado voluntário e compulsório.

No mercado voluntário, as empresas compram créditos para compensar suas emissões. São compromissos assumidos por elas mesmas, seja por pressão dos consumidores e investidores. Aqui, há pouco a se regular, para além de dar alguma segurança jurídica aos participantes.

É no mercado compulsório em que está o principal papel do governo: estabelecer limites e metas para os setores mais poluentes. 

Na minuta, fala-se em nove setores regulados:  geração e distribuição de energia elétrica, transporte público, indústria de transformação e bens de consumo duráveis, indústrias química fina e de base, indústria de papel e celulose, mineração, construção civil, serviços de saúde, e agropecuária.

A questão é que, ao que tudo indica, os limites de emissões seriam definidos por acordos setoriais com participação ativa dos entes regulados – o que abre espaço imenso para a atuação dos lobbies. 

Feito na forma de caixa preta, ninguém se arrisca muito a dizer o que deve sair no decreto oficial.

“Para mim, esse decreto nada mais é do que um ato político, lançado como fogos de artifício”, diz a especialista em políticas climáticas Natalie Unterstell. “Definitivamente, a agenda de precificação de carbono entrou na pauta eleitoral.”

A questão é que, no afã de criar uma agenda positiva às vésperas das eleições, o tiro pode sair pela culatra. 

“Só vamos ter uma política climática séria quando precificarmos o carbono. E essa política pública deve ser bem desenhada, dando segurança aos atores privados, ou corremos o risco de afugentar investimentos e criar mecanismos não interligáveis com outros mercados.”

Choque de realidade

A questão das narrativas é que uma hora ou outra elas sucumbem aos fatos. No caso do evento no Jardim Botânico, o ‘reality check’ veio a jato. 

No painel seguinte à fala de Guedes – que se vangloriou sobre como o governo já conseguiu virar a chave da percepção do Brasil na COP e junto a OCDE –, ficou a cargo de Roberto Campos, presidente do Banco Central, receber a dura dos investidores. 

“Na COP26, o Brasil fez mais promessas para eliminar o desmatamento, mas isso não está acontecendo”, afirmou Graham Stock, estrategista da BlueBay Asset Management. “Achamos que o governo poderia fazer mais. Pode ser difícil para o Brasil atrair investimentos se o desmatamento não for atacado”.