OPINIÃO: A guerra e a oportunidade da 'virada verde' para o Brasil

País pode aproveitar a crise global para investir em soluções verdes, que agregam inovação e reduzem a dependência externa, escreve Marina Grossi

OPINIÃO: A guerra e a oportunidade da 'virada verde' para o Brasil
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Acompanhada com apreensão pelo mundo todo, a guerra na Ucrânia desperta, além de apelos pela questão humanitária, também uma preocupação em relação à questão energética. A guerra escancarou a grande dependência que os países ocidentais, especialmente europeus, têm dos combustíveis fósseis e também dos fertilizantes, caso que afeta particularmente o Brasil.

Olhando para as questões ESG (ambientais, sociais e de governança), os mais otimistas tendem a considerar que, uma vez terminado o conflito, haverá uma corrida ainda mais acelerada rumo às fontes renováveis de energia, que tendem a ser descentralizadas, corroborando os esforços de descarbonização acordados por quase 200 países no Acordo de Paris.

No curto prazo, porém, a falta de suprimento de combustíveis fósseis de origem russa, especialmente petróleo e gás natural, pode levar a um grave aumento no consumo do carvão, colocando sob risco os compromissos climáticos assumidos.

A Rússia é a maior exportadora global de produtos brutos e petrolíferos: de acordo com a Agência Internacional de Energia, o país exportou quase 8 milhões de barris no final do ano passado, sendo 60% das exportações de petróleo para a Europa, 20% para a China e 8% para os Estados Unidos.

O presidente americano, Joe Biden, suspendeu as importações de petróleo russo, uma sanção considerada simbólica, e diversas petrolíferas interromperam atividades em território russo.

O Brasil, embora pouco dependente do petróleo de origem russa – o país responde por 0,6% do volume importado de petróleo bruto –, não está imune aos efeitos da guerra. Sofremos com a pressão inflacionária decorrente do aumento do preço dos combustíveis, que acompanham os preços internacionais do petróleo, e de outras cadeias de suprimentos.

No campo dos fertilizantes, porém, o Brasil é o quarto maior consumidor do mundo e o maior importador, comprando 85% das 40 milhões de toneladas consumidas pela agricultura em 2021. A Rússia responde por 23% dessas importações.

Cenários de guerra trazem reflexões, e cabe aqui abordar a posição do Brasil na questão da segurança energética. Como um país com forte presença de renováveis na matriz elétrica, temos condições para estar bem posicionados no cenário de transição para fontes limpas.

No passado recente, fontes então consideradas “alternativas” como eólica e solar receberam os subsídios corretos, com uma política bem-sucedida de leilões. Hoje elas são competitivas: a energia eólica acumula 20,1 GW de potência instalada e já responde por 11,1% da matriz energética nacional, suprindo quase a totalidade da demanda dos estados do Nordeste brasileiro.

A fonte solar fotovoltaica recentemente alcançou o equivalente à geração da usina hidrelétrica de Itaipu, com 14 GW de potência instalada em parques solares e sistemas descentralizados.

O BNDES acerta na decisão de não mais financiar projetos de geração de energia a carvão, a mais poluente das fontes. É esse o caminho que o Brasil deve seguir: discutir com a sociedade os ganhos e as perdas socioambientais de cada fonte de energia, tendo em vista a descarbonização progressiva da nossa matriz.

No campo dos fertilizantes, esse debate também precisa avançar. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) é contrário às tentativas de liberação da exploração mineral em terras indígenas, especialmente na Amazônia.

Não há indícios de que a mineração de potássio em reservas indígenas resolveria a dependência dos fertilizantes importados: recente estudo a Universidade Federal de Minas Gerais mostra que dois terços das reservas de potássio do país se encontram fora da Amazônia, concentradas em Estados como Minas Gerais, São Paulo e Sergipe. As jazidas de potássio em terras indígenas representam apenas 11% do total da Bacia Amazônica.

Não à toa, empresas associadas ao CEBDS, como a Vale, decidiram devolver seus direitos de exploração em territórios indígenas no Brasil. A Yara Fertilizantes, que tem o foco na agricultura sustentável para ampliar a segurança alimentar, aposta na amônia verde que começa a produzir em sua fábrica em Cubatão (SP) a partir do ano que vem, tendo como base o biometano oriundo da indústria de açúcar e etanol em substituição ao gás natural.

Também faz parte dos planos da Yara usar hidrogênio verde obtido via eletrólise da água com fontes renováveis para obter amônia, um dos principais insumos dos fertilizantes nitrogenados, com expressiva redução dos gases de efeito estufa.

A produção do hidrogênio verde, aliás, representa uma enorme oportunidade para o Brasil, uma vez que essa rota será uma das principais vias para descarbonização de diferentes indústrias de segmentos variados.

É possível conciliar investimentos em produção mineral e mitigação dos impactos ambientais para que o país possa estar menos vulnerável a crises internacionais que afetam os suprimentos de fertilizantes.

Devemos seguir com esse olhar, voltado para as inúmeras oportunidades que a transição para a economia de baixo carbono representa para o Brasil. Assim, garantimos a necessária segurança energética nos momentos de instabilidades políticas e conflitos, ao mesmo tempo em que tornamos nossas indústrias competitivas a partir de soluções verdes, que agregam inovação e reduzem a dependência de insumos vindos do exterior.

A guerra traz muitas lições – uma delas é que a segurança energética, alimentar e da própria população podem andar lado a lado com um projeto eficiente de combate às mudanças climáticas.

*Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade que reúne 85 empresas e representa quase 50% do PIB brasileiro