O sufoco de uma fabricante nacional para fazer o Brasil respirar

Como a Magnamed multiplicou por dez sua capacidade de produção de respiradores em menos de um mês (e penou para conseguir crédito)

O sufoco de uma fabricante nacional para fazer o Brasil respirar
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Essa é a história de uma operação de guerra: como uma fabricante nacional de ventiladores pulmonares multiplicou por dez sua capacidade de produção em tempo recorde, apoiada por uma força-tarefa de grandes empresas e contornando as dificuldades para encontrar linhas de crédito. 

A Magnamed é uma das poucas empresas nacionais que produzem ventiladores pulmonares, os ‘respiradores’, cruciais para salvar pacientes com casos graves de coronavírus. Foi fundada há 15 anos por três engenheiros de ascendência japonesa que deixaram a carreira em empresas de equipamentos médicos para empreender.

Neste ano, já antes do Carnaval, quando os brasileiros ainda nem imaginavam o que os aguardava na quaresma, a empresa vinha notando um aumento na procura pelos seus produtos vindos do exterior. 

Daniel Izzo, da Vox Capital, gestora de fundos de impacto e uma das sócias da empresa, conta que, na época, Tatsuo Suzuki, um dos três fundadores, ligou para dizer que talvez precisasse levantar dinheiro para dar conta da demanda.

Era só o começo de uma odisseia.

Com a Covid-19 instalada no Brasil, o governo decidiu centralizar a compra de respiradores para reduzir a dependência da China. No dia 19 de março, enviou um ofício à Magnamed: a empresa deveria cancelar todos as encomendas contratadas. Todo o estoque e produção dos próximos seis meses iriam para o Ministério da Saúde. 

Uma rede de grandes companhias nacionais e multinacionais se formou em apoio à empresa para viabilizar a entrega de 6,5 mil ventiladores, a serem distribuídos ao SUS no prazo de três meses.

O tamanho da encrenca: a Magnamed tinha capacidade de produção de 200 a 250 respiradores por mês. Ou seja, era preciso escalar a logística, a capacidade de produção e levantar capital de giro de uma forma nunca antes imaginada pela empresa.

Respira, Brasil

Um dos fundadores da Magnamed, o engenheiro elétrico Wataru Ueda, foi buscar apoio em um grupo de ex-colegas de ITA no Whatsapp. 

Do outro lado da tela estava Walter Schalka, CEO da Suzano, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, que se colocou à disposição. De largada, a Suzano transferiu R$ 10 milhões a custo zero para a conta da Magnamed. 

“Foi o primeiro dinheiro que conseguimos levantar, sem juros e com 45 dias para pagar”, conta um executivo que está na linha de frente do gerenciamento de crise da Magnamed. 

A Suzano também colocou sua área de logística e engenharia à serviço da fabricante de ventiladores e trouxe para a conversa a Klabin, que, além de ajudar com logística, fará de graça as embalagens de todos os ventiladores.

Também da rede de ex-alunos no ITA veio o apoio da Embraer, que num único fim de semana usinou 8 mil peças em aço, cobrando apenas o custo da matéria-prima. A Positivo vai fornecer as placas de circuito integrado dos ventiladores a preço de custo. 

O projeto emergencial em torno da Magnamed foi batizado de Respira Brasil. Todos os dias representantes das empresas envolvidas se reúnem virtualmente para alinhar os trabalhos.

Com a ajuda da engenharia da General Motors, a linha de produção da Magnamed foi redesenhada para aumentar sua capacidade de 200 para 500 respiradores ao mês. 

O grande impulso veio da Flex, antiga Flextronics, maior montadora terceirizada do mundo de celulares, computadores e impressoras para marcas gigantes como Apple, Dell, Samsung e Motorola. Cerca de 5 mil dos 6,5 mil ventiladores sairão da fábrica da companhia, em Sorocaba. 

A Flex fará montagem para a Magnamed e também suas concorrentes. Mais de 400 funcionários que nunca viram um ventilador na vida estão sendo treinados para isso.

Com 60 países em sua carteira de exportação, nenhum desses aparelhos poderá sair do país ou ser direcionado para os clientes privados nacionais que tinham pedidos colocados, o que abriu uma frente de batalha jurídica para dar conta de dezenas de ações judiciais contra a empresa.

De pires na mão

Enquanto a força-tarefa para garantir a linha de produção estava andando, a Magnamed precisava conseguir o dinheiro para começar a comprar peças e aumentar o turno dos trabalhadores. 

Com a demanda explodindo e o dólar também, os fornecedores chineses de peças já estavam exigindo pagamento antecipado para garantir a entrega. 

Calculou que precisaria de R$ 120 milhões — e começou a saga em busca de um banco que assumisse o risco de emprestar essa quantia para uma empresa relativamente pequena e sem histórico de relacionamento. No ano passado, a Magnamed faturou R$ 38 milhões.

Sócio desde 2008 da Magnamed por meio do fundo Criatec, o BNDES parecia ser a solução óbvia. Um empréstimo de R$ 80 milhões começou a ser negociado, segundo uma pessoa com conhecimento do assunto, mas não foi levado adiante pelo banco estatal de desenvolvimento.

O Ministério da Saúde concordou, então, em adiantar parte do pagamento de R$ 320 milhões — antes previsto apenas após a entrega —, mas exigiu que a Magnamed apresentasse uma fiança bancária ou outro tipo de garantia. 

“Com o BNDES fora da jogada, começou o calvário junto aos bancos comerciais”, diz uma pessoa que participou das conversas.

Três pessoas envolvidas contam que contatos foram acionados nas cúpulas de alguns dos grandes bancos comerciais, que chegaram a organizar um sindicato de cinco instituições para fazer a operação por intermédio da Febraban. 

Um condição inviabilizou o negócio: os três sócios fundadores teriam que ser avalistas da operação. Na prática, isso significa que o trio assumiria o pagamento da dívida caso a empresa não conseguisse — impensável para os engenheiros que deixaram carreiras em multinacionais de equipamentos médicos para empreender em 2005. 

O suporte acabou vindo de dois bancos privados fora do grupo dos cinco maiores, que dispensaram essa exigência. 

O Banco Votorantim concedeu uma linha de capital de giro de R$ 20 milhões e o BTG Pactual estruturou um seguro-garantia de R$ 129 milhões em tempo recorde. A empresa teve que abrir uma conta que recebeu o pagamento do ministério e o banco controlará as saídas para assegurar que o dinheiro só irá para fornecedores.

Procurada pelo Reset, a Febraban disse em nota que “chegou a receber um pedido de ajuda, mas não foi necessário formar o pool de bancos, uma vez que uma instituição financeira já estava em estado avançado em negociações com a Magnamed e o Ministério da Saúde para garantir a operação”.

O dinheiro do Ministério da Saúde só entrou na terça-feira, dia 14, na conta da Magnamed, quase um mês depois da requisição dos respiradores. O prazo de entrega dos 6,5 mil ventiladores, inicialmente estimado para abril, maio e junho, provavelmente escorregará até julho.

Mas a empresa pode, finalmente, começar a respirar.