O salto do gás renovável

Produzido a partir de lixo e resíduos, biogás entra no radar das empresas brasileiras que se preparam para a transição energética

O salto do gás renovável
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(Este texto foi publicado em primeira mão na newsletter Carbono Zero. Inscreva-se aqui.)

Na corrida pela transição energética, uma alternativa vem entrando no radar de cada vez mais empresas no Brasil: o biogás.

Produzido a partir do lixo e de resíduos da agropecuária, o combustível renovável não é exclusividade brasileira, mas a pujança da agricultura nacional coloca o país numa posição privilegiada. 

Além de ser usado para a produção de eletricidade, o biogás pode ser convertido em biometano, numa molécula equivalente à do gás natural.

E é aqui que está o maior quantidade de aplicações: de substituto ao diesel (ou o próprio GNV) para abastecer caminhões e ônibus à fabricação de fertilizantes, passando por montadoras e fabricantes de cerâmica, o biometano pode descarbonizar uma série de indústrias. 

Mas e a oferta? Hoje, é muito pequena, de cerca de 400 mil metros cúbicos diários, segundo dados da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás). Como comparação, apenas uma fábrica de amônia da Yara Fertilizantes consome 700 mil m3 de gás natural ao dia. 

Esse cenário está mudando rapidamente. A Abiogás já tem mapeados 41 projetos de usinas com conclusão prevista até 2027. Juntas, elas devem consumir R$ 7,4 bilhões em investimentos e elevar a produção a 2,9 milhões de m3 diários. 

Com anúncios de novas unidades se avolumando, a expectativa é que a produção chegue a 32 milhões de m3 por dia até 2030, nas projeções da associação.

As maiores apostas estão nos resíduos da indústria sucroalcooleira — no que ficou conhecido no interior de São Paulo como o “Pré-Sal Caipira” — e nos aterros sanitários, que podem transformar o metano da decomposição do lixo em uma fonte energética

A Raízen está terminando a construção da sua primeira planta de biometano – produzido a partir da vinhaça e da torta de filtro, dois resíduos da moagem – ao lado de uma de suas usinas de açúcar e álcool em Piracicaba.

Foi firmado um contrato de longo prazo de fornecimento para a Yara Fertilizantes, que vai receber 20 mil m3 por dia para substituir parte do gás usado na sua unidade em Cubatão (São Paulo).

É um projeto piloto para a fabricante de fertilizantes, e equivale a cerca de 3% do consumo diário daquela planta. Mas os planos são de escalar a produção.

A Volkswagen também vai receber o biometano da Raízen para substituir o gás no processo de pintura das carrocerias nas unidades de Taubaté e São Bernardo do Campo.  

A indústria de cerâmicas, que usa o gás natural para aquecer seus fornos, também está de olho em descarbonizar sua produção. 

A Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmicas (Anfacer) firmou um convênio com a indústria sucroalcooleira para começar a receber biometano entre o fim de 2024 e o início de 2025.

A princípio serão 50 mil m3, num projeto piloto, dividido entre os fabricantes do polo de Santa Gertrudes, no interior de São Paulo, numa região de perfil fortemente canavieiro. A associação ainda estuda quem vai atender o contrato.

A ideia é dar uma sinalização firme para as usinas, incentivando investimentos, afirma o vice-presidente da Anfacer, Benjamin Ferreira Neto.

Até 2030, o objetivo é ter 1 milhão de m3/dia de abastecimento via biometano. Hoje, somente a indústria paulista de cerâmicas, principal polo produtor, consome 2,3 milhões de m3/dia de gás natural. 

A ReiterLog fez uma aposta de mais de R$ 100 milhões para reforçar a sua frota com 127 caminhões que rodam com GNV ou biometano, em vez do diesel, de olho em clientes que querem reduzir a pegada de carbono do transporte de mercadorias. 

O número é expressivo: segundo a Anfavea, de 2017 a 2022 foram emplacados apenas 505 caminhões a GNV no Brasil, com o grosso do volume vindo a partir de 2021. 

A ambição da Reiter, que tem 1,8 mil veículos, é ter toda a frota abastecida por fontes renováveis até 2035. A empresa oferece um serviço chamado “logística verde”, em que constrói soluções com rotas de menor pegada de carbono e veículos elétricos.

Na maior parte delas, o diesel é substituído por GNV, que garante uma redução de 15% na pegada de carbono. Mas em algumas localidades, como na região de Seropédica, no Rio de Janeiro, já é possível rodar com biometano – com 90% de queda na intensidade de CO2.

E o preço? Com uma escala ainda pequena, o biometano ainda sai mais caro que o gás natural. No caso dos caminhões, aqueles movidos a GNV têm um custo maior e são mais novos que a frota a diesel que roda o país, o que ainda encarece a operação.

“Mas o componente ambiental é relevante”, diz Vanessa Pilz, diretora comercial e de ESG da ReiterLog. 

Alessandro Gardemann, fundador da GEO, pioneira em biogás, lembra ainda uma outra vantagem. “O biometano não está sujeito às oscilações de preço no mercado internacional e no dólar, como o gás natural, o que dá uma previsibilidade muito maior de custo.”