O que esperar da COP27

Pedidos de ajuda financeira e discordância sobre o direito a reparações históricas devem estar em primeiro plano na conferência do clima

Logomarca da COP27 ao fundo com perfil da uma pessoa em primeiro plano
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A COP26, realizada no ano passado em Glasgow, deixou no ar uma sensação de otimismo reservado —ou no mínimo de que o resultado poderia ter sido pior.

Houve progressos importantes, como a finalização do chamado livro de regras do Acordo de Paris, o que era aguardado desde 2015 e destravou a criação de um mercado global de carbono.

Em paralelo, o setor privado fez promessas grandiosas para acelerar a descarbonização: das maiores companhias do agronegócio do mundo a uma aliança de instituições financeiras que administra US$ 130 trilhões, todos vieram a público afirmar seu compromisso com a neutralidade de CO2 a partir de 2050.

O slogan oficial da conferência deste ano é “juntos para a implementação”. Segundo alguns, a frase é imprecisa, no mínimo. É precipitado falar em “união” ou em “botar a mão na massa” quando abismos separam as partes em tantas questões essenciais, dizem os críticos.

No evento preparatório técnico da COP realizado em junho, ficou claro que alguns atritos históricos e não-resolvidos devem competir pelo primeiro plano na reunião que acontece em pouco menos de três meses em Sharm el-Sheik, no Egito.

A desigualdade deve ser uma das tônicas. Os países mais pobres estão cansados de esperar pela contribuição financeira das nações desenvolvidas.

Sem dinheiro, os países mais vulneráveis argumentam que não há como fazer as adaptações necessárias para evitar as consequências mais graves de um clima que já está mudando. Mais: eles querem reparação financeira pelos danos causados por séculos de emissões de CO2 do mundo desenvolvido.

Contradição é outra palavra que deve ser ouvida com frequência no centro de convenções do resort egípcio.

A reviravolta no mercado global de energia causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia promete acelerar a transição para a economia de baixo carbono, mas uma das principais preocupações dos europeus é manter casas aquecidas no inverno que se aproxima.

Alguns negociadores estarão na situação desconfortável de prometer (e cobrar dos colegas) cortes futuros de emissões de gases do efeito estufa enquanto em casa seus governos religam usinas que queimam carvão.

A escalada das tensões entre China e Estados Unidos também vai pairar sobre as discussões — o clima era um dos poucos canais de interlocução aberto entre as duas superpotências rivais.

Elencamos abaixo alguns dos principais temas em discussão na 27ª conferência do clima das Nações Unidas:

Onde está o dinheiro?

Na COP15, em Copenhague, os países ricos prometeram doar US$ 100 bilhões anuais para ajudar o mundo em desenvolvimento a atingir seus objetivos climáticos e, acima de tudo, se adaptar a um mundo mais quente.

Nos 12 anos desde então, a meta nunca foi atingida. No ano passado, a cifra aumentou 4% em relação a 2021, mas ficou em US$ 83,3 bilhões, segundo uma análise da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“Sabemos que mais precisa ser feito”, disse há três semanas o secretário-geral da entidade, Mathias Cormann.

Para as nações mais pobres do mundo — algumas delas as mais vulneráveis a eventos climáticos extremos —, declarações desse tipo não são mais aceitáveis.

O fato de a reunião acontecer num país em desenvolvimento deve realçar o assunto dinheiro.

“Deve vir muito forte a agenda de cobrança para que economias avançadas alcancem o compromisso de financiamento climático para mercados emergentes, países menos desenvolvidos e pequenos estados- ilha”, diz Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade.

E a reivindicação vai além dos recursos para adaptação.

“Demandamos que a COP27 estabeleça um mecanismo internacional de financiamento para as perdas e danos [causados] pela mudança climática em solidariedade com as vítimas menos responsáveis e menos equipadas para lidar com choques físicos extremos.”

A declaração acima foi dada por Kenneth Ofori-Atta, ministro das Finanças de Gana. O país preside o V20, coalizão que reúne 20 dos países mais ameaçados pelo aumento da temperatura global.

O termo chave é “perdas e danos”. O argumento é que estamos onde estamos porque uma parte do planeta se desenvolveu queimando óleo e carvão, mas quem paga o preço são os outros.

Os membros do V20 — Bangladesh, República Dominicana e Marrocos, entre outros — teriam produzido 20% mais riqueza entre 2000 e 2019 se não fosse a mudança climática, de acordo com um estudo do grupo divulgado em junho.

Nos casos mais extremos, as perdas superaram o crescimento econômico no período. Ao todo, o V20 estima o impacto em US$ 525 bilhões.

Mas as reparações históricas, mais uma vez, não estarão na pauta oficial da COP. Na reunião técnica que definiu a agenda da conferência realizada em junho, a inclusão da expressão perdas e danos foi mais uma vez derrotada.

Isso não quer dizer que o tema será ignorado, pelo contrário. A bola vai passar para as autoridades, em discussões de mais alto nível. O mundo desenvolvido “já percebeu que o coro pedindo soluções para as perdas e danos é cada vez mais alto”, disse à revista Time David Waskow, diretor de ação climática da influente ONG World Resources Institute.

Cortando as emissões de CO2

Antes de Glasgow, os países tiveram de apresentar suas metas auto estabelecidas de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa, as chamadas NDCs, conforme estabelecido no Acordo de Paris.

Para que se alcance o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C no fim do século (em comparação com o período pré-industrial), esta década é “crítica”, como diz a ONU.

Uma análise das NDCs, porém, indica que os compromissos atuais são insuficientes para isso. Em tese, a próxima revisão das metas  nacionais só acontecerá em 2025, cobrindo o período depois de 2030 – quando pode ser tarde demais.

Uma das esperanças é que o documento final da COP27 inclua algum tipo de obrigação para que as atuais metas autodeterminadas sejam revisadas para cima.

A dificuldade, como sempre, é como dividir as responsabilidades. Liderados pelos Estados Unidos, os países ricos querem que a conta caiba a todos os grandes emissores.

Países como China e Índia alegam que reduções mais agressivas significam um freio ao desenvolvimento e que existe uma clara diferença na responsabilidade histórica de ricos e pobres.

“A narrativa de ter obrigações quase similares para todas as partes está criando uma nova fase de colonialismo no mundo: o colonialismo do carbono”, afirmou em entrevista recente o boliviano Diego Pacheco, que representa uma coalizão de países em desenvolvimento.

O fato de que muitos países da Europa Ocidental aceitaram um aumento na queima de combustíveis fósseis no curto prazo por causa da ameaça de desabastecimento de gás natural da Rússia é um complicador a mais.

O assunto terminou em impasse na reunião preparatória de junho e deve ser um dos temas mais importantes da conferência.

Créditos de carbono

Uma das decisões mais esperadas e celebradas da COP26 foi a finalização do Artigo 6, que diz respeito a um mercado de carbono global que envolva nações, além dos mecanismos privados que já existem hoje.

Na prática, porém, pouco se decidiu além dos princípios básicos de funcionamento desse novo mercado de créditos de carbono. A expectativa é que haja avanços na conferência do Egito.

Será necessário decidir a estrutura e a governança da entidade que fará o registro dos créditos de carbono, para garantir uma contabilidade central e íntegra desses ativos.

Também será necessário definir como se darão as transações entre países e entre países e entes privados, os tipos de certificação, mecanismos para resolução de conflitos e assim por diante.

Um ponto controverso que foi “empurrado com a barriga” é o que fazer com o legado de créditos de carbono do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, parte do Protocolo de Kyoto, suplantado pelo Acordo de Paris.

“O que existe até agora é basicamente uma grande lista de temas a resolver”, diz Caroline Dihl Prolo, diretora-executiva da Laclima, uma associação de advogados da América Latina especializada em temas climáticos.

Veterana de COPs, ela afirma que as coisas só acontecem aos “45 do segundo tempo”. Mesmo assim, ainda há muito a resolver em fóruns técnicos antes que a primeira transação seja realizada.