O que constitui um fundo sustentável? A Anbima começou a botar ordem na bagunça

Fundos de ações e renda fixa que levam ESG, sustentável, impacto e outras variações no nome terão que se enquadrar em novas regras — ou abandonar a nomenclatura

O que constitui um fundo sustentável? A Anbima começou a botar ordem na bagunça
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Nos últimos anos, o número de fundos de investimento que se dizem sustentáveis, verdes, ESG ou de impacto— ou as inúmeras variações do mesmo tema — cresceu quase tanto quanto o assunto ganhou as manchetes. 

Agora, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) tem uma proposta para começar a botar ordem na bagunça, na primeira iniciativa mais organizada para definir e padronizar o que de fato pode ser considerado um investimento sustentável no Brasil. 

Não se trata de apontar quais ativos podem ser considerados sustentáveis.

A ideia é que os fundos de investimento detalhem e formalizem suas estratégias de investimento sustentável e integração ESG em documentos públicos, apresentados com a devida transparência ao investidor.

Outro ponto relevante: não basta apenas o produto financeiro em si ser sustentável. A gestora ou instituição responsável também terá de ter estruturas de governança e decisão para garantir a aplicação dos fatores ESG. 

“Mais do que criar uma classificação estanque, a ideia foi estabelecer princípios, mas sem perder a objetividade”, afirma Carlos Takahashi, vice-presidente e coordenador do grupo consultivo de sustentabilidade da Anbima. “Esse é um assunto que ainda está em debate no mundo todo.”

Com foco, num primeiro momento, apenas em fundos de ações e de renda fixa, as regras criadas pela entidade, que é responsável pela autorregulação da indústria, contemplam dois níveis de sustentabilidade. 

A primeira é a categoria de “fundo de investimento sustentável”, que englobará as estratégias mais puro-sangue, que têm a sustentabilidade como um dos seus principais objetivos, ao lado do retorno financeiro. 

Esses fundos poderão levar o sufixo “IS” no nome.

As estratégias de investimento que não se pautam por essa intencionalidade clara, mas integram de alguma forma as questões em seus processos de gestão de riscos e mapeamento de oportunidades — onde parece estar hoje a maioria dos fundos do tipo no Brasil — também foram contempladas. 

Para promover esses atributos em suas estratégias comerciais e materiais publicitários, esses veículos terão que seguir um conjunto de regras para mostrar efetivamente o que (e como) estão fazendo. 

A proposta, que está em consulta pública até o dia 29 de outubro, é resultado de mais de um ano de trabalho do comitê de sustentabilidade da Anbima, que reúne diversos profissionais de bancos, assets e gestores de patrimônio. 

“Hoje não é possível nem começar a mapear o volume de recursos que está em estratégias sustentáveis no Brasil”, afirma Luzia Hirata, head de investimentos ESG da consultoria Resultante e que teve participação ativa no grupo de sustentabilidade da Anbima ao longo dos últimos anos, quando ainda estava no Santander. 

“Essas regras são um passo importante para que comecemos a ter alguma clareza nesse sentido e foram construídas ouvindo muitos atores do mercado.”

Na prática

No caso dos fundos de “investimento sustentável”, ou IS, as regras para enquadramento na autorregulação da Anbima são mais restritivas. 

O fundo precisa, antes de mais nada, incluir o objetivo de investimento sustentável no seu regulamento e estar apto a demonstrar o alinhamento da carteira a esses objetivos.

Outra exigência será ter um processo sistemático para se engajar com as empresas responsáveis pelos ativos do portfólio e adotar práticas de votação que estejam em harmonia com os objetivos do fundo.

“A barra ficou relativamente alta”, afirma Gustavo Pimentel, sócio da consultoria Sitawi Finanças do Bem. “Para algumas gestoras, será uma questão de formalizar processos, mas, para boa parte delas, esses processos ainda nem estão definidos.”

Já para os fundos que integram questões ESG e quiserem fazer disso um argumento de venda, os gestores precisarão também formalizar em documentação qual a estratégia utilizada, como métricas para avaliá-las e as possíveis limitações, dando transparência para isso em seu website. 

Em ambos os casos, a gestora ou instituição financeira responsável terá que mostrar que tem uma política clara para tomada de decisões ESG e uma “estrutura funcional, organizacional e de tomada de decisões adequada para que sejam cumpridas as responsabilidades relacionadas à gestão dos fundos de investimento sustentável”. 

Essa estrutura pode ser uma área, um fórum (como um comitê de sustentabilidade) ou um profissional, desde que seja reconhecido pela alta administração da gestora em questão. 

A Anbima pretende publicar oficialmente as regras no começo do ano, já incorporando eventuais alterações que possam surgir até a audiência pública. 

A partir de então, fundos que se identificam como verdes, sociais, de investimento de impacto, ASG, ESG “ou quais outros termos similares” e que queiram se classificar como IS terão 12 meses para se adequar. Caso contrário, terão que abandonar esses termos na sua nomenclatura.

Embora não se trate de uma norma regulatória, a adesão às regras é obrigatória para todas gestoras de fundos associadas à Anbima — o que deve cobrir 99% do mercado considerado sério nesse universo.

“No fim, o que queremos é que cada vez mais fundos se inspirem para buscar o sufixo IS”, aponta Takahashi. 

Fonte: Anbima

Nada se cria… 

As regras da Anbima beberam muito da fonte do Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR), elaborado pela Comissão Europeia, que começou a valer neste ano e que, em linhas gerais, também divide os investimentos sustentáveis em duas categorias, de acordo com a intencionalidade de cada estratégia. 

No caso europeu, no entanto, a classificação dos produtos de investimento faz parte de um esforço regulatório mais abrangente do bloco de classificar quais ativos podem ser considerados sustentáveis para direcionar a transição para baixo carbono, com a criação de uma “taxonomia verde” que engloba toda a economia. 

“Aqui não quisermos entrar nessa definição. No fim, os fundos são apenas veículos que comportam os ativos. Começar uma taxonomia pelos fundos seria o rabo abanando o cachorro”, diz Takahashi. 

Hoje, a Anbima já tem uma subcategoria chamada sustentabilidade/governança, restrita apenas a renda variável e engloba 44 veículos, com um patrimônio total de R$ 2,4 bi. 

Mas, na prática, a alcunha nunca vingou efetivamente, porque ela era considerada uma “estratégia de gestão”, alternativa a práticas como “valor/crescimento”, “dividendos” ou “small caps”, que acabavam sendo mais decisivas para o posicionamento comercial e categorização dos fundos em rankings.

Para resolver o problema, na nova classificação, o atributo de “investimento sustentável” é um qualificativo adicional à estratégia — isto é, um fundo pode ser de “Ações, ativo, small caps, investimento sustentável”. A subcategoria sustentabilidade/governança deixará de existir. 

Próximos passos

As regras para fundos de ações e de renda fixa são apenas o começo de um amplo trabalho que está sendo feito pela Anbima.

A ideia, diz Takahashi, é avançar para outros tipos de fundos, como multimercados e Fundos de Direito Creditório (FIDCs) — esses últimos, que já estão sendo alvo de uma regulação por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a criação dos FIDCs socioambientais. 

“O próximo passo deve ser com os FIDCs, que já estão com uma audiência pública na CVM. Mas o plano é ir avançando de estratégias líquidas para as ilíquidas, como FIPs e produtos estruturados”, diz ele.