O potencial e os desafios do mercado de captura de carbono

De grandes petroleiras a pequenas startups, cresce o entusiasmo com tecnologias industriais capazes de retirar o CO2 do ar — mas custo e complexidade ainda são desafios

O potencial e os desafios do mercado de captura de carbono
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Evitar as consequências mais catastróficas da mudança climática passa tanto por reduzir as emissões de gases de efeito estufa quanto por retirar parte dos gases que já estão na atmosfera. 

Reflorestamento e sequestro de carbono pelo solo por técnicas de cultivo regenerativas estão entre as ferramentas para atingir esse último objetivo — mas quase todos os cenários para neutralizar as emissões de CO2 até 2050 passam por algum tipo de tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês). 

Trata-se de literalmente tirar o dióxido de carbono direto do ar. A alquimia é conhecida. Desde os anos 1970, a indústria petroleira já utiliza o processo na extração de petróleo, como uma forma de aumentar a produtividade: o CO2 é reinjetado nos poços para ajudar a tirar mais petróleo.

Mas, na última década, a captura e armazenamento de carbono passaram a ser encarados também como arma na mudança climática. 

As petroleiras são as maiores entusiastas do processo, tanto como uma forma de tentar sequestrar as próprias emissões e dar sobrevida aos combustíveis fósseis em segmentos em que a substituição por alternativas renováveis é mais complexa, como para vender o serviço de sequestro de carbono para as indústrias pesadas que precisam retirar o CO2 que hoje jogam na atmosfera antes que ele saia por suas chaminés. 

Além disso, dezenas de startups têm planos ainda mais ambiciosos, de retirar o CO2 do ar que respiramos, seja para enterrá-lo, reciclá-lo ou até mesmo transformá-lo em combustível. 

A necessidade e o capital estão aí.

Só que, por enquanto, ninguém sabe dizer com certeza se essa tecnologia terá o papel decisivo que se espera na luta contra a emergência climática. 

Apesar de todo o entusiasmo das gigantes do Big Oil com a tecnologia, dúvidas em relação a ela voltaram ao noticiário nos últimos dias. 

Na semana passada, a Chevron reconheceu que um dos maiores maiores projetos do mundo de CCS, na Austrália, não está entregando o resultado esperado. 

A gigante americana do petróleo opera no país desde meados de 2019 uma planta para processar e enterrar o dióxido de carbono emitido na extração de gás natural —uma das condições para a licença de exploração concedida pelo governo australiano.

A promessa era capturar 80% das emissões nos primeiros cinco anos, mas estima-se que o total, por ora, esteja em apenas 30% — colocando em xeque a meta. O projeto vinha sendo observado de perto por causa do tamanho e da ambição: o sistema custou ao todo US$ 3 bilhões. 

Escala e complexidade

Este é um dos problemas essenciais dos esquemas de captura de carbono no ponto de emissão: apesar de baseados em princípios químicos elementares, os projetos requerem enorme escala, complexidade e ainda custam muito caro. 

Existem hoje apenas 65 plantas em operação e desenvolvimento no mundo, segundo o Global CCS Institute, um centro de estudos especializado no tema. Trata-se de uma quantidade ínfima diante do tamanho do problema. 

O entusiasmo das petroleiras também precisa ser colocado em contexto. A Exxon Mobil calcula que existirá um mercado de sequestro de carbono de US$ 2 trilhões em 2040. Uma nova unidade de negócios de baixo carbono da companhia — que atenderia a própria Exxon e outras empresas da indústria pesada — tem 20 projetos em desenvolvimento. 

Mas a maioria dos planos envolve o que se chama na indústria de ‘enhanced oil recovery’, o que significa usar o CO2 para dar um “empurrãozinho” em reservas ainda produtivas e, no fim das contas, gerar novas emissões quando o combustível for queimado. 

“Pelo menos do ponto de vista de geração de energia, faz mais sentido — tanto do ponto de vista econômico quanto da sustentabilidade — investir em fontes renováveis do que insistir no sequestro de carbono”, diz o pesquisador de tecnologias ambientais da Universidade de Lancaster na Inglaterra, Duncan McLaren. “Sendo direto, é mais um esforço deliberado para estender a vida da economia dos combustíveis fósseis.”

‘Lixões’ submarinos

Apesar de a maioria dos projetos de sequestro de carbono envolver o setor energético, outros setores começam a demonstrar interesse — e aí sim a tecnologia pode ter o impacto esperado. 

Indústrias pesadas, como a cimenteira — responsável por 8% das emissões de carbono do mundo causadas pela atividade humana –, vêm puxando a fila. 

A fabricante de cimento norueguesa Norcem vai receber subsídios governamentais de quase US$ 3 bilhões para montar e operar um esquema de sequestro de carbono na usina da cidade de Brevik. 

A fumaça que emana das chaminés da planta será submetida a um tratamento químico. Depois de isolado e liquefeito, o CO2 será acomodado e transportado para entrepostos especiais e então embarcado em navios, para chegar ao seu destino final: reservatórios de petróleo já esgotados no fundo do Mar do Norte. 

O projeto, batizado de Longship (em referência às embarcações viking), também inclui o serviço de transporte e armazenagem de carbono capturado. 

Klaus Lackner, diretor do Centro de Emissões Negativos de Carbono da Universidade do Arizona e um dos pioneiros na tecnologia de remoção de CO2 da atmosfera, compara esse novo negócio à coleta de lixo. 

“A empresa que tira o lixo da minha rua ganha dinheiro vendendo o serviço, com o lixo em si”, afirma. “Se, no futuro, essas companhias [de remoção de carbono]  descobrirem maneiras de reciclá-lo, ótimo. Mas temos um problema mais urgente que é tirá-lo de circulação.”

Reciclagem de CO2 — e o mercado das startups

Uma startup americana ainda em fase inicial quer trabalhar exatamente na ‘reciclagem’. 

Fundada há pouco mais de um ano, a Aircela está desenvolvendo um produto que vai permitir produzir gasolina em casa. As únicas matérias-primas necessárias serão ar, água e eletricidade, explica ao Reset Eric Dahlgren, num escritório recém-ocupado a poucas quadras da Times Square, em Nova York. 

Como dezenas de outras startups que estão pipocando pelo mundo, a Aircela enxerga um negócio na captura do CO2 diretamente do ar e não necessariamente no ponto de emissão. 

A companhia está desenvolvendo um produto de uso doméstico que vai essencialmente sugar o ar, separar o dióxido de carbono e combiná-lo com moléculas de hidrogênio (vindas da água) para produzir cerca de quatro litros de gasolina por dia. O custo seria somente o da energia elétrica — que deve vir de fonte renovável, claro. 

Quando utilizada, a gasolina sintética vai colocar mais carbono na atmosfera, mas será um carbono reciclado. “O modelo faz sentido porque as três matérias-primas estão amplamente distribuídas, assim como a demanda por gasolina”, diz Dalhgren. 

O equipamento que vai realizar a alquimia ainda não existe, e a companhia — que foi fundada com capital inicial de US$ 2 milhões– está desenvolvendo um protótipo.

Mas é um exemplo de um mercado de startups que retiram CO2 diretamente do ar, que ganha cada vez mais porte. 

A suíça Climeworks já recebeu US$ 138 milhõe em investimentos — e quer usar o dióxido de carbono captado do ar principalmente para a indústria de bebidas (como fonte de CO2 do refrigerante ou da água gaseificada, por exemplo). 

Já a canadense Carbon Engineering, que vende uma espécie de crédito de remoção de carbono a partir de máquinas que o ‘sugam’ do ar, anunciou em março seu primeiro grande cliente. A Shopify, uma provedora de infraestrutura de comércio eletrônico, vai comprar 10 mil toneladas de carbono, que serão capturadas e armazenadas por uma planta da Carbon Engineering. 

A viabilidade econômica dessas companhias ainda não está comprovada e muitas delas incluem em suas contas os subsídios governamentais para que se atinjam as metas de uma economia neutra em emissões. 

Mas, na corrida contra a mudança do clima, nenhuma inovação pode ser ignorada.