O modelo da Belterra para dar escala às agroflorestas

Startup implanta lavouras para recuperar áreas degradadas na Amazônia e na Mata Atlântica, diminuindo a pressão para expandir a fronteira agrícola

O modelo da Belterra para dar escala às agroflorestas
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Criada há apenas três anos, a Belterra Agroflorestas é uma prova de que o negócio do reflorestamento no Brasil atrai cada vez mais interesse e capital – e começa a ganhar tração.

Nesse tempo, a empresa já captou R$ 45 milhões e implantou sistemas agroflorestais em 2 mil hectares de pequenas e médias propriedades rurais degradadas nos biomas da Amazônia e da Mata Atlântica. 

E já tem contratos assinados ou em fase avançada de negociação para recuperar outros 8 mil hectares até o começo de 2025, o que vai demandar outros R$ 250 milhões – o reflorestamento é uma atividade altamente intensiva em capital.

Nas próximas semanas alguns desses acordos devem ser anunciados, um deles com uma grande multinacional de commodities e outro com uma das Big Techs.

Em todos eles, não se trata simplesmente de restaurar a vegetação nativa, o que por si só é um grande desafio, mas sim de implantar lavouras integradas à floresta, os chamados sistemas agroflorestais, ou SAFs. 

Esse consórcio de espécies melhora a produtividade e preserva a qualidade do solo, o que ajuda a diminuir a pressão para expandir a fronteira agrícola no país. A receita vem da venda dos produtos plantados de forma sustentável e dos créditos de carbono de reflorestamento.  

“A Europa já colocou commodities como o cacau na nova lei que proíbe a importação de produtos de áreas desmatadas. Essa agenda é inadiável e o Brasil tem muita área degradada que pode migrar para modelos agrícolas regenerativos e cadeias sustentáveis”, diz Valmir Ortega, sócio da Belterra.

Geógrafo e professor, Ortega trabalhou 15 anos em governos – foi secretário do Meio Ambiente do Pará e diretor do Ibama – e outros tantos em ONGs como a Conservação Internacional e a Conexsus, que cofundou.

Decidiu criar a Belterra porque percebeu que dinheiro filantrópico nenhum no mundo daria conta de recuperar os 80 milhões de hectares de terras degradadas existentes no país. “O desafio é fazer em escala e só vai ser possível por meio de negócios.”

Batizada com o nome de uma cidade no Pará que, assim como Fordlândia, foi planejada pela Ford no ciclo da borracha nos anos 30 e que hoje vive a pressão do desmatamento, a Belterra já nasceu acelerando. 

Criada com recursos do Fundo Vale para colaborar no cumprimento da meta da mineradora de restaurar 100 mil hectares de mata brasileira até 2030, a empresa não viveu o ciclo natural das startups, de fazer pilotos, acelerar e ganhar tração aos poucos. “Como tinha meta, fechamos o acordo num mês e começamos a plantar no outro”, diz Ortega.

A empresa já atua no Pará e em Rondônia, dois epicentros do desmatamento na Amazônia, e também na Bahia e em Minas Gerais. Este ano vai estrear no Mato Grosso.

“Para Amazônia e Mata Atlântica já conseguimos desenvolver modelos escaláveis. Para a Caatinga ainda não chegamos lá e estamos fazendo pesquisas.”

Modelo de negócios

Como a atividade demanda muito dinheiro, em todos os projetos a Belterra busca operar com um investidor ou parceiro que põe dinheiro na frente. Ou porque tem interesse em comprar os produtos agroflorestais ou porque olha para créditos de carbono para compensar emissões. 

Ou seja, a monetização dos esforços se dá via venda de produtos agrícolas e créditos de carbono (cujos projetos ainda serão estruturados).

Uma das primeiras apostas da Belterra está na cadeia do cacau. “É uma espécie em que o Brasil tem potencial enorme e uma cadeia dominada por Costa do Marfim e Gana, que enfrentam problemas de trabalho infantil e desmatamento”, diz Ortega. 

Hoje a empresa tem um modelo totalmente verticalizado, que vai da identificação das áreas, desenho dos projetos, orientação técnica e  plantio à captação de recursos e venda de produtos. 

“Decidimos começar assim porque percebemos que, embora os sistemas agroflorestais rendam 15 vezes mais que a pecuária e cinco a seis vezes mais que a soja, o produtor não faz porque não tem conhecimento técnico, não tem capital e não existe um mercado consumidor com cadeias estruturadas”, diz Ortega.

São três as possibilidades de parceria. Ou a Belterra arrenda uma terra ociosa para fazer o projeto e devolve a área depois de dez anos para o proprietário seguir produzindo; ou fecha uma parceria rural em que opera o projeto junto com o proprietário, dividindo custos e receitas; ou faz contratos de integração com indústrias.

Esse último pressupõe que a indústria garanta a compra, dê acesso a crédito ao produtor e, assim, o integre à cadeia de fornecimento, em modelo semelhante ao que existe no setor de aves e suínos.

Se o modelo verticalizado é necessário na fase atual em que os sistemas agroflorestais ainda engatinham no Brasil, o futuro da Belterra não está nele, diz Ortega. 

“Hoje temos 200 funcionários CLT e no plantio chegamos a ter outros 200 colaboradores temporários no ano passado. Este ano vamos precisar contratar 600 temporários. Até os tratores são da Belterra.”

Carregar tudo isso, diz, é muito pesado e limita a capacidade de crescimento da empresa. O modelo do futuro vem sendo testado em Rondônia, onde a Belterra não é dona de nada e, dos tratores aos viveiros de muda, tudo é contratado.

“Para escalar, vamos ter que ficar mais leves”, diz.