O ESG foi parar na Justiça. Esse fundo quer ganhar dinheiro com isso

Com dinheiro de Soros e Jeff Skoll, gestora Aristata Capital quer custear processos de comunidades vulneráveis contra grandes empresas por danos socioambientais

Ilustração mostra a balança da Justiça
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A gestora britânica Aristata Capital anunciou a captação de 40 milhões de libras (US$ 48 milhões) para um tipo inédito de fundo: os recursos serão usados para financiar ações judiciais em torno de questões ESG.

Já existe uma indústria bilionária de financiamento de ações coletivas na Justiça por terceiros – em troca de uma parte de eventuais indenizações –, mas o fundo da Aristata é o primeiro a se concentrar exclusivamente em casos ligados à sustentabilidade.

O fundo oferece o dinheiro para grupos de pessoas ou comunidades afetadas por um problema ambiental, por exemplo, e que não teriam condições de arcar com os custos de um escritório de advocacia.

Caso haja uma sentença favorável, a Aristata recebe de volta um múltiplo do dinheiro que investiu ou então uma porcentagem da indenização. O objetivo do Impact Litigation Fund I é dar um retorno de 20% ao ano aos investidores.

A gestora Capricorn Investment Group, do ex-eBay Jeff Skoll, e o Soros Economic Development Fund, que pertence ao bilionário George Soros, ancoraram a primeira rodada de captação do fundo.

O anúncio do novo fundo acontece num momento em que a via judicial começa a ganhar importância como uma das armas na luta contra a mudança climática e seus impactos.

Do Peru à Austrália, indivíduos e comunidades estão buscando reparação nos tribunais. No Brasil, uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu o Acordo de Paris como um tratado de direitos humanos, o que pode ter desdobramentos na política ambiental brasileira.

A Aristata diz já ter apoiado duas ações. A primeira envolve uma comunidade indígena do Pacífico Sul que “quer garantir seus direitos perante um provedor de serviços monopolista que não está cumprindo os termos de seu contrato”.

A segunda ação, que corre na Austrália, diz respeito a uma empresa que usou brechas legais para pagar salários abaixo da remuneração mínima estabelecida pela lei do país.

A gestora diz ter pelo menos outros 40 casos no seu radar, em todo o mundo, com temas que vão de desastres ambientais a questões de negligência médica.

“Os investidores não precisam escolher entre retorno financeiro ou impacto social e ambiental”, afirmou em comunicado o CEO Rob Ryan. “Estamos confiantes de que vamos obter retornos competitivos em um novo segmento de mercado e ao mesmo tempo vamos reduzir as desigualdades nos litígios comerciais, em que o sistema penaliza quem não tem [força] financeira.”

Mais uma forma de exploração?

Questionado se a prática não seria apenas mais uma forma de exploração de populações e comunidades já marginalizadas e vulneráveis, Ryan afirmou que uma das regras do fundo é destinar pelo menos 50% das indenizações aos autores dos processos.

Outra justificativa, afirmou o CEO da gestora, é o perfil das ações financiadas. A ideia é selecionar aquelas em que recursos filantrópicos seriam insuficientes para fazer frente aos “litígios comerciais de grande escala”.

Em sua experiência prévia como diretor jurídico de uma ONG, ele afirma que obtinha resultados favoráveis com algumas centenas de milhares de libras. O fundo atual vai fazer investimentos entre 1,5 e 5 milhões de libras (US$ 1,8 milhão a US$ 6 milhões).

O objetivo do fundo é chegar a um mínimo de 50 milhões de libras e a um máximo de 100 milhões. A captação deve ser concluída no início de 2023.

O financiamento por parte de terceiros sem qualquer relação com a causa é uma indústria bilionária, especialmente nos Estados Unidos, país cujo Judiciário costuma impor indenizações milionárias ou bilionárias.

Um dos argumentos a favor do sistema é um confronto desigual entre os reclamantes individuais reunidos em uma ação coletiva e grandes corporações.

Os custos de levar adiante um processo podem ser proibitivos. Em alguns casos, os próprios advogados assumem o caso em regime de risco. Em outros, empresas ou fundos se encarregam do financiamento.

O modelo é mais próximo do capital de risco que de um empréstimo, já que o dono dos recursos não é ressarcido caso a decisão não lhe favoreça.

Ferramenta eficaz

Ações judiciais têm sido consideradas cada vez mais uma ferramenta adicional para causar impacto positivo – inclusive por parte dos grandes investidores e gestores de recursos.

O fundo de pensão sueco AP7 considera o litígio parte de sua estratégia de investimentos. “O importante é gerar um impacto que dificilmente seria alcançado usando outros métodos”, disse o CEO do fundo, Richard Gröttheim, em entrevista recente ao site Responsible Investor.

“Ainda dialogamos com as empresas, votamos nas assembleias. Mas elas precisam saber que também vamos para a Justiça se for necessário.”

O AP7 obteve uma vitória importante há cinco anos numa ação contra o então Facebook (hoje Meta). A empresa queria criar uma nova classe de ações que permitiria a seu fundador, Mark Zuckerberg, vender parte de sua participação sem abrir mão do controle da companhia.

Mas é um processo no front ambiental que vem chamando a atenção do mundo ESG: Saúl Luciano Lliuya, um fazendeiro peruano, está processando a RWE, maior empresa de energia da Alemanha.

Ele alega que as emissões da companhia ao longo de seus mais de 120 anos de história são em parte responsáveis pelo derretimento de uma geleira na Cordilheira do Andes.

A poluição da RWE é emitida a milhares de quilômetros dali, mas o argumento de Lliuya e seus advogados é simples: o CO2 não tem fronteiras.

Há sete anos, ele entrou com uma ação na Justiça alemã pedindo que a RWE contribuísse com 17 mil euros do custo para construir uma represa que vai proteger a cidade de Huaraz de possíveis enchentes causadas pelo derretimento do glaciar.

Os custos do processo são cobertos por doações, mas os observadores apontam que o caso tem menos a ver com uma possível compensação financeira e mais com o precedente importante: uma sentença favorável ao fazendeiro peruano poderia abrir o caminho para uma onda de processos contra grandes poluidores, dos pontos mais distantes do globo.

E o Brasil?

Em termos globais, fundos como o criado pela Aristata podem ter impacto relevante, diz a advogada Caroline Dihl Prolo, diretora da Laclima, entidade que reúne advogados da América Latina especializados em meio ambiente.

Processos que pedem indenizações costumam exigir investimentos altos para a produção de evidências técnicas. “Depende das leis de onde for proposta a ação, mas o dinheiro com certeza é necessário.”

Já no Brasil, tanto a modalidade de “investimento judicial” quanto ações na Justiça pedindo reparação por prejuízos climáticos ainda são incomuns no Brasil.

“Essas ações normalmente são propostas pelo Ministério Público. E a maioria das ações de litigância climática hoje são mais estratégicas, buscando obrigar governos ou empresas a tomar determinada conduta, em vez de buscar uma indenização volumosa”, afirma Prolo.

Mas isso não quer dizer que o tema não esteja no radar de algumas entidades. Em junho, a Conectas Direitos Humanos entrou com um processo contra o BNDES e a BNDESpar, que administra as participações societárias do banco de desenvolvimento.

A ONG cobra do banco um plano para redução das emissões de gases de efeito-estufa pelas companhias na carteira do BNDES que esteja em linha com os compromissos assumidos pelo país no âmbito do Acordo de Paris.