O Chile já largou na corrida do hidrogênio verde. Por que o Brasil tem que ficar de olho

País vizinho tem plano desenhado para transformar o sol do deserto do Atacama e os ventos do Estreito de Magalhães em energia para exportação

O Chile já largou na corrida do hidrogênio verde. Por que o Brasil tem que ficar de olho
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A maior indústria do Chile é o cobre, mas o governo aposta que nas próximas décadas uma nova commodity pode competir com o minério no topo do ranking das exportações do país: o hidrogênio verde.

Com uma política nacional anunciada há mais de um ano e metas ambiciosas para produzir o H2V a preços competitivos, o vizinho sul-americano já largou na corrida por uma das fontes de energia mais promissoras do mundo de baixo carbono.

O Brasil, também com enorme potencial para ocupar espaço nesse mercado nascente, está em estágio mais inicial de desenvolvimento e precisa correr se quiser garantir o seu lugar.

No país vizinho, cerca de cem empresas estão envolvidas em 60 projetos, disse durante a COP26 o ministro das Minas e Energia do Chile, Juan Carlos Jobet. O plano é ter uma capacidade de eletrólise 5 GW já em 2025 – 20 vezes mais que o parque instalado no mundo hoje.

O modelo leva em conta a redução de emissões dentro do próprio país (o carvão gera 40% da eletricidade usada pelos chilenos), a descarbonização das mineradoras e, num passo seguinte, a exportação para o mercado internacional.

Um mapa comparando o custo potencial do H2V no mundo todo desenhado pela Agência Internacional de Energia retrata o entusiasmo dos chilenos pelo hidrogênio verde.

Hoje, com produção em pequena escala e o desenvolvimento de novas tecnologias, um quilo de hidrogênio produzido por meio da eletrólise de água sai por mais ou menos US$ 5.

As coisas começam a ficar interessantes quando o preço cai para a faixa dos US$ 2 por quilo. Essa é a faixa ocupada pelo Nordeste brasileiro no mapa da IEA.

Já o Chile tem uma posição ainda mais privilegiada. No norte do país, por causa do deserto do Atacama, e, no sul, graças aos ventos que sopram no Estreito de Magalhães, o país tem condições teóricas de produzir H2 a menos de US$ 2 já em 2025.

No meio do século, ainda de acordo com as projeções da IEA, o custo de produção chileno cairia pela metade, com o aumento da escala e ganhos de eficiência.

O Chile importa 98% dos hidrocarbonetos que consome. “Somos pobres na energia do passado, mas ricos na do futuro”, diz ao Reset Max Correa Achura, responsável pela divisão de combustíveis e novas energias do Ministério da Energia Chileno.

“O Atacama tem o maior fator de capacidade do mundo em termos de energia solar, e em Magalhães nossa produção eólica onshore é comparável a instalações em alto mar de outros países.”

Fator de capacidade é o indicador que determina a geração de uma usina solar em relação ao máximo teórico que ela poderia produzir.

Exportando vento e sol

O projeto chileno pode ser entendido como uma maneira de exportar o sol e o vento abundantes do país. A capacidade instalada de geração de eletricidade do país é de 25 gigawatts. Juntas, as duas renováveis poderiam gerar 2 terawatts.

Ou seja, o país pode produzir 80 vezes mais eletricidade do que consegue consumir. Como ainda não inventaram uma maneira de estocar vento (e não é prático encher cargueiros para cruzar o Pacífico com baterias carregadas), o hidrogênio verde é a solução lógica.

O verde do nome se refere ao processo de produção. A separação das moléculas de hidrogênio e oxigênio da água com auxílio de uma corrente elétrica é conhecida como eletrólise.

Quando se usam fontes renováveis de energia, o produto é hidrogênio verde. (Outros processos usam matérias-primas como gás natural e carvão e resultam em hidrogênio cinza, marrom ou azul.)

O hidrogênio funciona, então, como um vetor energético, assim como as baterias, e não uma fonte de energia propriamente. Para utilizá-lo, células combustíveis fazem o processo inverso: o hidrogênio é misturado com oxigênio, produzindo eletricidade e vapor d’água como único resíduo. 

Materializar todo o potencial chileno vai depender, em primeiro lugar, da instalação dessa capacidade de geração renovável. Este ano, o país vai inaugurar 6 GW. “Tudo o que temos de nova geração é renovável”, diz Correa. “Hoje, ela representa cerca de 25% do nosso consumo. Até 2030, a participação será de 70%.”

Primeiro, o fim do diesel

Correa afirma que o plano é investir agora para ter volume já a partir do meio da década. Inicialmente, o mercado será interno. Uma das alternativas é vendê-lo na forma de amônia para a indústria química. Esse insumo é importado, e o preço flutua com o do gás natural (fonte do hidrogênio do composto).

Mas é na mineração que o H2V chileno pode ter seu primeiro grande impacto, em especial nos enormes caminhões usados nas minas – “do tamanho de um edifício de três andares”, diz Correa.

Essas máquinas gigantes podem consumir mais de 200 litros de combustível por hora. O plano é substituir os caminhões por modelos “flex” ou movidos a células de hidrogênio.

Eliminar o diesel é parte central da meta de extrair cobre sem emissões até 2050 – os caminhões são responsáveis por parte considerável do CO2 da mineração.

Rota do Pacífico

O passo seguinte é buscar o mercado internacional.

Uma das principais aplicações imaginadas para o hidrogênio verde é na indústria pesada. Siderúrgicas e cimenteiras já conseguem utilizar esse vetor energético para substituir combustíveis fósseis em suas instalações atuais (mas o aço 100% verde depende de uma tecnologia inteiramente nova).

Tomada como um bloco, a União Europeia é a segunda maior produtora de aço do mundo, atrás apenas da China. A UE tem uma política agressiva de produção de hidrogênio verde dentro de suas fronteiras e também está de olho na produção além-mar.

Representantes do governo chileno anunciaram durante a COP26 memorandos de entendimento para estudar unidades produtoras de H2V em parceria com dois portos belgas. Acordos semelhantes já tinham sido firmados com o porto de Roterdã e o de Cingapura.

O Chile é um potencial competidor do Brasil no que diz respeito às exportações de H2V.

Em sua passagem por Glasgow, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o país deve apresentar uma política nacional de hidrogênio no início do ano que vem.

Operadoras de portos estrangeiros, além da australiana Fortescue Future Industries (subsidiária da mineradora australiana Fortescue Metals que tem ambições de protagonizar esse mercado nascente), já demonstraram interesse em produzir H2V no país.

Mesmo que as definições venham depois das dos vizinhos chilenos, o Brasil já tem ampla geração de energias renováveis, especialmente no Nordeste. É lá que se estudam as primeiras unidades de produção do H2V – mais perto dos compradores europeus.

A proximidade não pode ser subestimada. Armazenamento e transporte são dois obstáculos técnicos para a exportação. Em grandes quantidades, é necessário liquefazer o H2. Isso consome cerca de 30% da energia contida no gás – o processo acontece a -253° C — e custa caro.

“É claro que o custo de produção importa, mas no fim das contas trata-se do preço que você vai ser capaz de oferecer ao mercado”, diz Emilio Matsumura, presidente do centro de estudos E+ Transição Energética.

Outro “detalhe” da produção do H2V, especialmente no deserto do Atacama, é a fonte de água, já que o elemento é o outro insumo essencial do hidrogênio verde. A ideia é usar água do mar dessalinizada. Correa afirma que cada projeto terá um desenho, mas que esse não deve ser um obstáculo.

“Hoje temos 20 plantas de dessalinização de água. A Espanha tem 800. E as quantidades necessárias para a produção não são muito grandes”, afirma Correa.