O caso Vini Jr. e o ‘S’ na agenda ESG dos patrocinadores

O caso Vini Jr. e o ‘S’ na agenda ESG dos patrocinadores
A A
A A

Não é de hoje que o patrocínio de empresas e marcas é o ganha-pão de campeonatos e clubes esportivos no mundo todo. 

Enquanto as marcas buscam ampliar sua presença e os pontos de contato com pessoas que já são ou podem vir a ser seus consumidores, os clubes buscam escalar o financiamento para suas operações e, como parte disso, envelopam seus jogadores como ativos atrativos para tais marcas.  

Ao vincular sua imagem, as empresas literalmente compram o bônus do sucesso dos clubes e dos jogadores e, historicamente, não participam do ônus do modus operandi e potenciais efeitos colaterais dessas relações. 

Mas todo velho padrão que não corresponde às expectativas atuais da sociedade tem sua hora para acabar.  

A percepção do que se espera de uma postura empresarial que valorize as dimensões sociais e ambientais, somada à digitalização do ativismo civil, torna inaceitável um posicionamento de marca para fins de propaganda que não seja coerente com o posicionamento geral do negócio. 

Muitas das marcas que usam espaços como o futebol para alavancar suas imagens também assumiram algum compromisso ESG. No entanto, as empresas ainda parecem entender essas duas forças institucionais como apartadas.

A falácia do caso isolado 

No último final de semana, o jogador brasileiro Vini Jr. foi vítima de um novo ataque racista da torcida do time Valencia na Espanha, pela La Liga Santander – primeira divisão do campeonato espanhol de futebol.  

Vini Jr. já sofreu 10 episódios de racismo somente nessa temporada. Contudo, até aqui as autoridades espanholas insistiram em arquivar os casos ou, quando muito, apenas impuseram multas brandas, esquivando o enquadramento dos episódios como crimes de ódio. 

A força e resiliência do Vini Jr. têm sido deturpadas em muitas falas que reforçam a falsa crença que ignorar é o melhor remédio para o fim das agressões. 

A cena comovente do choro de Vini Jr. escancara a urgência de reconhecer os efeitos de ambientes tóxicos na saúde, sobretudo mental. Estamos testemunhando em rede televisiva internacional o atravessamento do limite emocional psíquico de um jovem de 22 anos.

Seja qual for a relação institucional, as empresas não podem se eximir dessa responsabilidade. Ainda que defendam ser atores indiretos, estão sendo omissos ou cúmplices.

Importante ressaltar que o enfrentamento ao racismo está previsto em pactos, convenções e tratados internacionais de direitos humanos. E 12 dias antes desse último caso do Vini Jr, o Brasil e a Espanha haviam assinado um acordo de combate ao racismo e à xenofobia.

Espiral de impunidade

A recorrência e a impunidade dos casos desembocaram em uma pressão popular por responsabilização e escancararam a relação entre financiadores e a normalização das agressões. 

Segundo o portal UOL, nos últimos cinco anos, a La Liga elevou a receita com os patrocinadores em 300% e atingiu no ano de 2021 o montante de 155 milhões de euros.

O banco Santander é o patrocinador master atual e possui o direito do naming rights da La Liga desde 2016/2017. Pressionado a se posicionar nos últimos dias, o banco confirmou que não renovará o patrocínio para a próxima temporada, decisão que já havia sido anunciada no ano passado. Na ocasião, tanto o banco quanto os dirigentes da La Liga  agradeceram a parceria e não houve declarações que detalhassem as motivações para a não renovação. 

O banco, que tem o Brasil como seu maior mercado consumidor, após esse último episódio, soltou uma nota em que diz repudiar “veementemente qualquer manifestação de preconceito ou racismo”. A  empresa de materiais esportivos Puma também emitiu uma nota de repúdio. 

A responsabilidade moral e o risco reputacional por si só poderiam mover ações mais contundentes do que burocráticas notas de repúdio. 

O ‘S’ do ESG carrega o enfrentamento das desigualdades, sendo o racismo a sua esfera estruturante. O antirracismo deve ser um pacto social que envolva todas as pessoas e organizações. 

E os patrocinadores, se entenderem cada vez mais o papel do dinheiro no status quo das ligas, podem influenciar transformações efetivas.

Somente enfrentaremos a desigualdade quando coletivamente compactuamos a não naturalização do racismo e a desmonetização de espaços que vivem às custas do sofrimento de pessoas negras.

Ficam a reflexões, por ora no contexto do futebol, mas que facilmente também se aplicam a outras espaços:

  • Até onde vai a tolerância para associar suas marcas a práticas que normalizam o racismo?
  • De quem é a responsabilidade de desmantelar o racismo entranhado nos ambientes públicos e privados? 
  • Qual é o papel das marcas? E qual é o papel do dinheiro enquanto força motriz das estruturas vigentes?
  • Quais aprendizados que esse caso traz para as dinâmicas internas de monitoramento dos vínculos institucionais, especialmente aqueles sustentados pelo dinheiro? 

* Jéssica Silva Rios é cofundadora da BlackWin (Black Women Investment Network), membra do Comitê ESG do Grupo Fleury, conselheira do Pacto da Promoção da Equidade Racial, especialista em Gestão e Mensuração de Impacto e mentora voluntária de pessoas empreendedoras oriundos de grupos sub-representados, como mulheres e pessoas negras, que buscam expandir seus negócios.