O brasileiro no comando da startup que desenvolve o ferro verde

José Noldin lidera a francesa GravitHy, que vai investir 2,2 bilhões de euros em planta que vai ajudar na descarbonização da siderurgia

José Noldin, CEO da startup francesa de ferro verde Gravithy
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A GravitHy, startup francesa que tem a ambição de liderar a descarbonização das siderúrgicas europeias, escolheu o brasileiro José Noldin como seu CEO.

A fluência em francês e o passaporte comunitário certamente ajudaram (ele também tem cidadania belga), mas foi o currículo que levou os acionistas da companhia a selecionar o executivo catarinense.

Noldin, 49, passou os dois últimos anos como responsável pela área de inovação da CSN e trabalha com inovações no mundo do aço desde seu primeiro emprego, na Tecnored.

A empresa hoje é controlada pela Vale e é uma das grandes apostas tecnológicas da mineradora para cumprir suas metas climáticas.

O negócio era um “projeto piloto com risco tecnológico absurdo”, diz Noldin sobre os primórdios da TecnoRed, que também quer produzir ferro sem emissões.

A abordagem tecnológica é diferente, mas o desafio da GravitHy é muito parecido: a startup quer produzir “ferro verde” para que as siderúrgicas o transformem em aço de baixas emissões.

A empresa foi fundada por um grupo de seis sócios, incluindo empresas do setor de energia e uma aceleradora europeia que se dedica à transição para a economia de baixo carbono.

A GravitHy é parte de um esforço dos países da iniciativa Fit for 55, uma meta de reduzir em 55% as emissões de gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelos países da União Europeia até 2030.

Globalmente, a produção global de aço é responsável por cerca de 8% de todo o CO2. A maior parte dessas emissões acontece dentro dos altos-fornos.

O processo da GravitHy utiliza hidrogênio verde em vez do carvão que há séculos é queimado para a obtenção do aço, uma etapa de processamento do minério de ferro chamada de redução.

O ferro da startup pode entrar na cadeia de produção convencional do aço. Como o hidrogênio é obtido com eletricidade limpa, o metal resultante tem um teor muito mais baixo de emissões de gases de efeito estufa em seu ciclo produtivo.

A demanda já existe. “Se você tivesse alguém vendendo 10 milhões de toneladas de aço verde, teria mercado”, diz Noldin. O que falta é a matéria-prima.

A primeira planta da GravitHy deve ficar em Fos-sur-Mer, uma pequena cidade portuária na costa mediterrânea da França, a cerca de 50 quilômetros de Marselha. O plano é começar a obra em 2024 e iniciar a produção em 2027.

A meta é que a usina seja capaz de produzir 2 milhões de toneladas anuais, o equivalente à metade da produção da usina da CSN em Volta Redonda (RJ). Só nesta primeira planta, o investimento deve ser de 2,2 bilhões de euros.

“Não é brincadeira de criança”, diz Noldin. “É um investimento massivo, mas siderurgia é isso. Intensiva em capital, intensiva em tecnologia, intensiva em conhecimento.”

Hidrogênio verde em casa

Não é de hoje que o hidrogênio verde é considerado um dos elementos essenciais na descarbonização da indústria pesada, e em particular da siderurgia.

A sueca H2 Green Steel, uma das pioneiras na tentativa de inaugurar a era do aço verde, foi fundada em 2020. A ArcelorMittal, segunda maior produtora do mundo, comprou a Companhia Siderúrgica do Pecém em parte de olho no hub de combustível verde que será implantado no porto cearense.

O modelo da GravitHy, entretanto, é um pouco peculiar: a empresa vai produzir o próprio combustível.

A empresa foi fundada por seis acionistas. Um deles é a americana Plug Power, que começou produzindo células de combustível de hidrogênio, mas no ano passado reorientou o negócio para grandes projetos de geração de combustível.

A Plug Power vai fornecer os eletrolisadores, os equipamentos que quebram a molécula da água e separam os átomos de oxigênio e hidrogênio. Toda essa infraestrutura ficará no próprio site da usina.

A eletricidade fica a cargo de outra sócia, a Engie, uma das maiores empresas de energia da França. A ideia é comprá-la da rede, de fontes limpas.

(Ainda falta muito tempo para assinar os contratos de compra de energia, mas Noldin afirma que a fonte pode ser também nuclear, já que quase 70% da eletricidade da França é gerada em usinas atômicas. Esse hidrogênio é conhecido como “rosa”, mas, assim como o H2 verde, ele não tem emissões de CO2 associadas à sua produção.)

Com novos projetos de usinas de hidrogênio verde sendo anunciados quase diariamente nos mais variados lugares do mundo, inclusive no Brasil, por que não comprar esse insumo no mercado?

“Quando você olha a cadeia siderúrgica, existe muita integração. A própria CSN tem minério de ferro e calcário [necessário para a produção de aço]”, afirma Noldin.

“Tem quem compre, mas fica exposto a custos de produção, a oscilações de negócio. O hidrogênio vai ser um componente crítico de custo. Então faz sentido no nosso modelo de negócio.”

O ferro que vai sair da planta da GravitHy será utilizado inicialmente para a produção de aços mais nobres – e mais caros.

O destino final serão fabricantes de turbinas eólicas, empresas de eletrodomésticos e também as montadoras e quem mais estiver “comprometido com a descarbonização de suas cadeias”, diz o executivo.

“Esse mercado é servido basicamente por offsets [compensações das emissões de CO2 via crédito de carbono]”, diz Noldin. “Mas aqui na Europa já estão torcendo o nariz pra isso. Não adianta transferir seu compromisso de redução de emissões. Você precisa efetivamente produzir emitindo menos.”

Apoio europeu

Junto com o minério de ferro, o outro insumo básico da GravitHy é a eletricidade limpa e a baixo custo. O Brasil tem ambos e é um dos candidatos a liderar a transformação da siderurgia. Noldin diz que o país foi considerado.

“Mas falta acesso a capital e a demanda agregada e também uma legislação que dê segurança a um novo entrante”, afirma o executivo.

Além de todos esses argumentos, existe outro talvez mais importante: desenvolver a economia pós-carbono é uma estratégia da União Europeia há muitos anos, e o tema ganhou ainda mais urgência com a crise energética causada pela guerra da Ucrânia.

Um dos acionistas da companhia é a EIT InnoEnergy, uma parceria público-privada que se dedica exclusivamente ao setor de energia e atua como investidora e aceleradora de negócios.

A agência já investiu quase 700 milhões de euros em 500 projetos que devem gerar mais de 70 bilhões de euros em receita em 2030. “Precisamos de capital e de acesso a pessoas, e [a EU] tem instrumentos para ajudar nos dois casos”, afirma Noldin.

Os seis sócios da GravitHy fizeram um investimento inicial para a montagem da equipe e o lançamento da empresa. A ideia é buscar financiamento para o negócio, incluindo a unidade de produção, no mercado.

O salto tecnológico

A tecnologia básica da GravitHy já existe, mas ainda será necessário superar um obstáculo. Já são produzidas anualmente 100 milhões de toneladas de ferro usando a redução direta com hidrogênio.

Mas o hidrogênio é produzido a partir de gás natural – e portanto não é carbono zero –, e o processo usa cerca de 70% de gás (o restante é carvão).

“Vamos ter de dar esse salto de 70% para 100%. Não é um desafio tecnológico enorme, mas teremos de demonstrar que é possível”, afirma Noldin.

O minério de ferro também precisa ter um grau de pureza mínimo para que o processo da GravitHy tenha eficiência. Hoje, a oferta dessa matéria-prima ainda é limitada. Noldin acredita que as próprias forças de mercado se encarregarão desse potencial problema.

“Vale, BHP, Rio Tinto hoje não precisam dessa qualidade maior”, afirma ele. “Mas o setor está mudando. ‘Agora meu cliente quer um minério com menos impurezas? Então em vez de parar em 58% [de concentração de ferro] vou até 63%, 64%.”

Se todos os projetos de ferro verde saíssem do papel agora, haveria um sobrepreço, mas ele aposta numa transição gradual.

Uma das suas concorrentes será a própria Tecnored, onde ele começou sua carreira. A Vale anunciou há quatro meses o início da construção da primeira unidade comercial da Tecnored, que vai produzir aço verde utilizando biomassa.

A concorrência virá de todos os lados. “Velocidade é o nome do jogo”, diz Noldin.