O ‘barco voador’ que quer resolver o transporte na Amazônia

Fundada por alunos do ITA, startup AeroRiver desenvolve aeronave que voa a poucos metros da superfície dos rios

Protótipo da aeronave desenvolvida pela startup AeroRiver
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São José dos Campos – A expressão “passa por cima!” pode deixar de ser apenas uma deselegância de motoristas estressados. Nos rios da Amazônia, com casco de lancha e asas de avião, o Volitan poderá ultrapassar barcos e cortar trechos sinuosos pelos ares. É esse o plano da AeroRiver, startup que trabalha no “barco voador”. 

O transporte fluvial é essencial para o comércio e a população da região Norte. Mas ele tem um problema básico: é lento. Voos regionais, quando existem as rotas, custam caro demais.

A missão da AeroRiver, startup que integra o Incubaero, a incubadora do Instituto Tecnológico Aeronáutica (ITA), é criar uma opção literalmente no meio do caminho. O Volitan é um barco que pode alçar voo – ou quase isso.

Tecnicamente, esse misto de embarcação e aeronave é conhecido como ecranoplano, tipo de veículo que se aproveita de um princípio físico chamado de “efeito solo”.

Como voam a uma altura máxima de poucos metros da água (ou do chão), os ecranoplanos são mais eficientes que um avião tradicional. Eles têm maior capacidade de carga por tamanho e também consomem 40% menos combustível que um avião tradicional comparável.

Apesar da curta história de sucesso nas Forças Armadas da ex-União Soviética, o design hoje é considerado mais uma curiosidade que uma aeronave de vocação comercial. 

Mas os três fundadores da Aeroriver – um amazonense, um rondoniense e um mineiro radicado em Manaus há 20 anos – enxergam nos ecranoplanos uma solução perfeita para os desafios da região amazônica.

A AeroRiver já captou R$ 2 milhões por meio de editais e investidores-anjo, como Denis Benchimol Minev, presidente das Lojas Bemol, varejista com forte presença na região Norte. A meta atual é levantar outros R$ 10 milhões até dezembro para seguir fazendo testes com a primeira versão do Volitan e preparar a aeronave para o lançamento comercial.

Projetado para a Amazônia

Por enquanto, os testes são realizados com um protótipo (foto) que tem um sexto do tamanho da aeronave que a AeroRiver quer produzir, de 18 metros de comprimento. Os primeiros voos – não-tripulados – acontecem numa represa vizinha ao ITA, em São José dos Campos, no interior de São Paulo.

​​Mas todo o desenvolvimento se baseia na realidade da região amazônica. “De onde venho, em Porto Velho, ainda tem algumas estradas. Não é bom [o transporte], mas conseguimos dar um jeito. Já Manaus é uma ilha. Eu não esperava e me surpreendi com aquela realidade quando cheguei”, diz Felipe Bortolete, cofundador e diretor de projetos da startup. 

A primeira versão da aeronave, por exemplo, será equipada com um motor de carro e movida a gasolina comum. Motores elétricos estão nos planos futuros, mas o objetivo é utilizar a infraestrutura de postos de abastecimento flutuantes existente em vários rios – que também serão as “pistas de pouso e decolagem”.

Mas são apenas os termos associados ao “barco voador” que ficam entre o céu e a água. Apesar de ser uma aeronave, as certificações serão emitidas pela Marinha. O Volitan pode atingir uma altitude máxima de 150 metros e portanto dispensa o aval da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). 

Fabricar, não voar

​​Esse é o primeiro veículo do tipo a avançar no desenvolvimento no Brasil. Lucas Guimarães, um dos cofundadores e diretor executivo da startup, afirma que o plano da empresa é fabricar as aeronaves em Manaus já a partir de 2025. 

“A gente estima que o custo do veículo fique em torno de R$ 1,5 milhão”, afirma Guimarães, que é manauara.  Como uma Embraer ou Boeing, a AeroRiver pretende atuar só como fabricante. Os veículos serão vendidos para empresas que ficarão responsáveis pelos serviços de transporte de passageiros ou frete.

O primeiro modelo terá lugar para dez passageiros ou poderá carregar até uma tonelada de carga. A aposta da companhia é que o Volitan terá custos mais baixos de operação e manutenção que aeronaves convencionais – em outras palavras, as passagens teriam preços bem mais baixos.

Na comparação com o transporte fluvial, a vantagem está na velocidade. De lancha, o trajeto de mais de 400 km de rio entre Parintins e Manaus leva dez horas. Com o barco voador, ele seria percorrido em três horas. O Volitan pode atingir até 150 km/h.

Do lado do fretamento, Guimarães acredita que a Bemol seria uma cliente potencial, pois precisa transportar sua mercadoria mais rápido para as cidades interioranas da região.

Uma associação de práticos também está entre os investidores-anjos da startup. O interesse seria de ordem… prática. “Como Manaus fica dentro do continente, eles demoram para chegar até as cidades costeiras e os navios com que trabalham. Atualmente, levam muito tempo para fazer essa viagem e alguns chegam até a comprar aviões para fazer esse trajeto”, conta Guimarães. 

Operações de vigilância e patrulhamento das Forças Armadas poderiam usar o veículo. O transporte de pacientes e insumos hospitalares no Amazonas, palco da maior tragédia brasileira durante o pico da pandemia da Covid-19, também poderia ser facilitado. 

Os usos potenciais para um veículo desses numa região carente de infraestrutura como a Amazônia são inúmeros, mas a AeroRiver primeiro terá que provar que os ecranoplanos têm viabilidade comercial.

Existem algumas operações de pequeno porte do Sudeste Asiático, para transporte marítimo em águas calmas. Como a startup pretende sobrevoar rios, o risco de marés violentas não se aplica, afirma Guimarães.

Os problemas são de outra natureza, afirma o cofundador. “Nosso projeto tem de levar em conta espaços menores e curvas mais fechadas.”