O app que busca uma fórmula mais justa para os entregadores

Competindo com os gigantes IFood e Rappi, AppJusto quer provar que é possível equilibrar os interesses de clientes, restaurantes e motoboys

O app que busca uma fórmula mais justa para os entregadores
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João faz entregas de delivery há quatro anos. Como ele, 1,5 milhão de brasileiros que se sustentam com aplicativos não têm acesso aos padrões mínimos de trabalho decente, de acordo com a pesquisa Fairwork Brasil 2021, realizada por uma instituição ligada à Universidade de Oxford.

“Pelo IFood trabalho para um OL (operador logístico), que funciona como um chefe. Tenho que cumprir horário e meta, mas não tenho carteira assinada. Pelo Rappi é a mesma coisa”, afirma o entregador.

Há oito meses, João, que pediu para que seu verdadeiro nome não fosse revelado, conseguiu algo com o que a maioria de seus pares só pode sonhar: uma alternativa às duas maiores plataformas de entrega de comida do país.

O volume ainda é pequeno, mas alguns dos pedidos que ele transporta chegam pelo AppJusto, aplicativo que atua em São Paulo, capital, e que pretende fazer o que diz no nome: estabelecer uma relação mais justa entre a comodidade para os clientes, as oportunidades de venda para os restaurantes e a remuneração dos entregadores.

O ponto de partida do serviço foram as demandas feitas nos “breques dos apps”, como ficaram conhecidas as greves dos trabalhadores de aplicativo. Para integrar a rede do AppJusto, eles precisam estar formalizados como MEI (microempreendedor individual), o que garante a seguridade social oferecida pelo governo.

Além disso, o aplicativo tem uma parceria com a seguradora Iza contra acidentes pessoais e, como medida de transparência, faz os pagamentos aos entregadores em uma plataforma separada, a Iugu, para demonstrar ao cliente que a taxa de entrega fica toda com o motoboy.

Os entregadores recebem R$ 10 fixos por pedido entregue, mais R$ 2 por quilômetro rodado acima de 5 km. Isso representa um valor médio de R$ 11,56 por corrida.

O IFood não divulga ganhos por corrida, mas afirma que a plataforma rende cerca de R$ 11,68 por hora trabalhada. São R$ 6 fixos mais R$ 1,5 por quilômetro rodado acima de 5 km, conforme reajuste de abril de 2022.

Pedro Saulo Brito, CEO da startup, tem um bom termômetro para medir o sucesso da iniciativa junto aos trabalhadores. “Um dia de paralisação para o Ifood ou para o Rappi é um dia normal para nós”, afirma ele. No último breque, em abril, “os motoboys continuaram fazendo corres pelo AppJusto.”

Enfrentando gigantes

Brito, desenvolvedor de software de formação, conta que a ideia surgiu em 2020, quando a explosão da demanda pelo delivery durante a pandemia expôs as condições precárias dos trabalhadores que entravam no negócio. “O start veio quando assisti a um episódio do programa Greg News sobre o assunto. A primeira linha do código do aplicativo foi desenvolvida em julho de 2020, na época da primeira greve nacional dos entregadores.”

Criado com o amigo Rogério Nogueira, o serviço estreou um ano depois, em agosto do ano passado. Nos primeiros seis meses, o app cadastrou 300 restaurantes parceiros, 2,5 mil entregadores e fez 6 mil entregas.

Hoje, a base de restaurantes já dobrou e o número de entregadores quintuplicou. A projeção da empresa é que o aplicativo feche 2022 com 5 mil restaurantes preparando 20 mil pedidos mensais, levados por 10 mil entregadores a 300 mil clientes cadastrados.

É um crescimento respeitável, mas diante dos números do IFood, que concentra cerca de 80% do mercado, o AppJusto é um erro de arredondamento. O líder do segmento de delivery de refeições do Brasil recebe 60 milhões de pedidos por mês, transportados por 160 mil entregadores cadastrados.

A dominância de Rappi e, principalmente, IFood nesse mercado já fez sucumbir o Uber Eats no começo deste ano.

Um abismo ainda mais relevante entre a startup e as grandes diz respeito ao dinheiro. Em 11 anos, o IFood já recebeu US$ 591 milhões em capital de risco.

Nos dois primeiros anos de vida, o AppJusto recebeu R$ 910 mil de oito anjos que foram atraídos pelo impacto social do negócio. Eles incluem Emiliano Graziano, do Fundo JBS pela Amazônia; Cláudio Neszlinger, da Synthase Impact Ventures; Gissele Ruiz Lanza, general manager da Intel Brasil; Marcelo Romcy, CEO da Proteus; Gustavo Araújo, CEO da Distrito e MG Tech, investidora Neon e Caju.

O plano agora é fazer uma rodada de capital semente no valor de R$ 4 milhões. Desse total, a ideia é levantar R$ 2,25 milhões na plataforma de equitiy crowdfunding Kria.

Com a participação de mais de 800 investidores individuais, a campanha é até agora a mais bem sucedida na plataforma. A meta mínima, de R$ 1,5 milhão, foi alcançada na semana passada, o que significa que a empresa vai receber os recursos. O AppJusto ainda tem duas semanas para chegar ao objetivo máximo.

Com o valor da meta mínima, o negócio consegue rodar por mais 10 meses. Segundo a empresa, os recursos serão usados para repor os salários dos funcionários e montar uma equipe de comunicação robusta para converter mais restaurantes e escalar os pedidos.

“Temos uma base de mais de 100 mil consumidores cadastrados. Nos preparamos para escalar os pedidos. Há espaço porque, para cada restaurante que fecha com o IFood, há quatro que não fecham”, diz o CEO.

Não existe frete grátis

Uma certeza de Brito é sobre o que não fazer com os recursos. “Não vamos queimar dinheiro do investidor em cupons [de desconto] e frete grátis”, diz ele.

Plataformas agregadoras como IFood e Rappi baseiam seus negócios num modelo de “winner takes all”, afirma ele. Elas têm que “criar um crescimento artificial muito custoso aos investidores e só conseguem rentabilidade dominando o mercado e impondo seu serviço à sua maneira”.

A posição dominante dá a esses marketplaces um poder desproporcional.

Muitas vezes, essa relação é codificada no software. Brito diz que o AppJusto não tem e nem terá bots de atendimento, sistema de score e algoritmos secretos.

Essas ferramentas muitas vezes penalizam os entregadores com bloqueios de até 12 horas porque seus celulares estão com pouca bateria ou porque houve alguma disputa do cliente com o restaurante, por exemplo.

“A não ser por seções relacionadas aos dados e segurança dos usuários, nosso software é 100% aberto e livre, qualquer desenvolvedor pode usar nossa base tecnológica”, afirma Brito.

Do lado dos restaurantes, o AppJusto também não faz imposições, como exigências de exclusividade.

O IFood virou alvo de representações feitas por Rappi, Uber Eats e pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes por conta de contratos de exclusividade que poderiam ser interpretados como práticas anticoncorrenciais. Os processos ainda estão em andamento, mas o Cade impediu que novos contratos sejam celebrados até decisão final.

“O IFood domina 80% do mercado. Para concorrer teríamos que nos submetermos ao modelo e não queremos jogar nos mesmos termos. Nossa proposta é ser uma alternativa para o cliente que se preocupa em tornar a gig economy mais justa”, diz Brito.