Natura &Co: os erros e correções por trás da troca de comando

Com Fábio Barbosa, ideia de plataforma global de marcas de beleza deve dar lugar a um conglomerado de diferentes empresas; Natura e Avon tendem a virar negócio único

Natura &Co: os erros e correções por trás da troca de comando
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Já eram favas contadas. Com ações em queda livre de 70% em doze meses, dificuldades para digerir a aquisição da Avon, forte perda de receita e a última linha do balanço tingida de vermelho, havia meses os investidores não tinham dúvidas de que o executivo Roberto Marques perdera a condição de liderar o projeto global da Natura &Co.

A solução para o bode na sala veio na forma de surpresa na última quarta-feira, com a nomeação do executivo veterano (e conselheiro da empresa há seis anos) Fábio Barbosa para substituir Marques como CEO da holding – acompanhada da decisão de acabar com o acúmulo do cargo de chairman em nome da boa governança.

A jornalistas e depois a analistas Barbosa repetiu o mantra de que a ideia é reduzir o tamanho da holding, dando mais autonomia às quatro unidades de negócios — Natura, Avon, The Body Shop e Aesop — para planejar e executar suas próprias estratégias. 

“A organização foi ficando burocratizada em função da estrutura montada para buscar certa harmonia entre as várias marcas. Agora passou do ponto. Estamos perdendo agilidade, as empresas estão se ressentindo do fato de não conseguir tomar algumas decisões em nível local”, disse.

No fim das contas, reconheceu, tudo isso impactou negativamente tanto receita quanto margem. Barbosa disse ainda que vai reavaliar as geografias em que cada marca vai permanecer, sugerindo que alguns mercados serão abandonados.

A reação imediata foi positiva e as ações da companhia subiram 8% na B3 no dia.

Ainda assim, analistas e investidores se ressentiram da falta de detalhes na teleconferência conduzida ainda de manhã. 

Mais respostas, segundo Barbosa, devem ser dadas pelo enxuto comitê de transição, composto pelos líderes da área financeira, legal e de recursos humanos, que até o fim do ano vai assessorá-lo na reestruturação.

Mas quem acompanha de perto as costuras que levaram à troca de comando apresenta uma narrativa mais bem amarrada: a ideia inicial de construir uma plataforma global de marcas de beleza está sendo abandonada para dar lugar a um desenho de conglomerado de diferentes empresas, com modelos de negócio e estratégias distintos.

Avon + Natura?

Nesse novo desenho, o maior problema a ser enfrentado é a Avon International, que está presente em 38 países e carrega uma marca desgastada, com vendas em queda e até aqui mal digerida pelo grupo.

Para resolver isso, os negócios de Natura e Avon tendem a se tornar um só no futuro, assegura uma pessoa que acompanha de perto o assunto.

As marcas coexistiriam e a Avon passaria a incorporar os valores da Natura em seus produtos. “A Avon deverá ser a Natura da Europa. A ideia é levar para outros países produtos ambientalmente progressistas, com relações com as comunidades da Amazônia.”

Se esses novos rumos se confirmarem, quem ganhará espaço no grupo é João Paulo Ferreira, o CEO da Natura & Co para América Latina, executivo que agrada o mercado e tido como quem realmente entende do negócio. Hoje a Avon é liderada pela romena Angela Cretu, uma executiva com mais experiência em produtos do que propriamente em gestão.

Questionado na entrevista a jornalistas sobre eventuais mudanças no comando das quatro unidades de negócios, Fábio Barbosa disse que todos estavam confirmados em seus lugares.

O que deu errado?

Trata-se de uma senhora guinada na estratégia e que terá que provar seu valor.

Desde que engrenou uma sequência de aquisições de marcas internacionais de produtos de beleza – primeiro Aesop, depois The Body Shop e por fim a gigantesca Avon, um sonho antigo dos controladores –, a Natura vendeu ao mercado a ideia de que se transformaria numa versão brasileira da francesa L’Oréal, ou seja, uma plataforma global com várias marcas.

Roberto Marques encarnava esse projeto e, depois de costurar a compra da Avon, criou a holding Natura &CO para levá-lo a cabo.

A ideia era que a estrutura centralizada permitiria a captura de sinergias entre as quatro unidades de negócios (uma para cada marca) e ainda ficaria responsável por fazer todo planejamento estratégico, financeiro e de gente de todas as marcas do grupo.

Com o passar do tempo, entretanto, a holding passou a se mostrar uma estrutura cara e que engessava a tomada de decisão das unidades de negócios. Além disso, alguns acionistas começaram a defender que as aquisições realizadas não resultaram numa empresa de várias marcas, mas sim num grupo de beleza com quatro negócios bastante diferentes entre si.

Natura e Avon focadas na venda direta; Aesop uma empresa de produtos mais artesanais e de alto valor agregado; The Body Shop uma cadeia de lojas físicas. “Esse conjunto nunca formou uma plataforma de marcas de beleza”, diz um gestor com grande posição na companhia.

Uma estrutura cara – e ineficiente

Só no ano passado, a holding custou ao grupo mais de R$ 550 milhões. Se a ideia inicial era que a conta não passaria de 0,8% das vendas, seu peso relativo aumentou conforme a empresa perdeu receita, até chegar a 1,4%. 

Incomodados com o tamanho da conta e, mais ainda, com a falta de clareza sobre a alocação desse custo, analistas e investidores vinham pressionando a empresa por enxugamento. A resposta de Roberto Marques era que a estrutura era extremamente eficiente e havia pouca margem para redução, uma vez que 90% dos custos eram operacionais.

Com a holding centralizando planejamento e decisões, os CEOs de cada uma das unidades foram ficando ‘desconfortáveis e claustrofóbicos’, nas palavras de um gestor.

“A holding vai decidir em que geografias cada marca vai trabalhar, mas cada CEO vai decidir quais as linhas de produtos, se serão menos linhas. Eles terão metas e vão tomar as decisões, com bastante liberdade”, disse Fábio Barbosa.

Desempenho em queda

Depois de performar surpreendentemente bem no primeiro ano da pandemia e ver seu valor de mercado chegar ao pico de quase R$ 84 bilhões em julho do ano passado, a Natura passou a encarar uma ladeira abaixo.

A inflação global em alta encareceu o preço dos insumos e corroeu os ganhos de sinergia, a guerra na Ucrânia derrubou vendas na Europa, a terceira onda da covid nos Estados Unidos fez com que os franqueados da The Body Shop ficassem com os estoques abarrotados na virada do ano. Aos fatores macro, somaram-se também erros de gestão.

Um dos principais, que derrubou as vendas no Brasil, foi a mudança na remuneração das consultoras Avon, para alinhá-la ao modelo da Natura.

Com a ideia de diminuir o turnover e aumentar o engajamento, a remuneração passou a ser menos transacional e mais focada em aumento de produtividade. O resultado foi que a base de consultoras encolheu muito e o ganho de produtividade não veio, impactando diretamente a receita.

The man for the job?

Fábio Barbosa fez carreira e se notabilizou bem longe do setor de bens de consumo. Presidiu os bancos ABN Amro Brasil e Santander e também a poderosa Febraban. E, depois de uma passagem pelo Grupo Abril em que não conseguiu reverter a rota de declínio da empresa de mídia, passou a se dedicar a conselhos de administração de grandes empresas, como Itaú, Suzano e Ambev, além da própria Natura.

Consciente de que seu histórico poderia seria alvo de algum questionamento, na conversa com jornalistas Barbosa fez questão de dizer que antes de migrar para o setor financeiro chegou a passar uns bons anos na Nestlé.

Na teleconferência com analistas, dois deles quiseram ouvir do executivo como ele achava que sua experiência poderia contribuir para o sucesso do grupo de cosméticos.

“A sensação é que a Natura poderia ter feito um processo sucessório mais robusto, recrutando um executivo do setor e com experiência multinacional”, disse privadamente um analista do buy side, ressaltando que as trocas de comando na Natura têm sido mais frequentes do que o desejável e com algumas escolhas no mínimo questionáveis no caminho, como a de Roberto Lima, vindo da telefônica Vivo e que durou dois anos no cargo.

“Quem questiona se o Fábio é o homem certo para a função é porque ainda não entendeu o que será feito. Ele não entende e não precisa entender do setor de beleza. Ele será o agente da transformação de um projeto em outro. Quem precisa entender do negócio são os CEOs de cada empresa”, diz um gestor.

Muito próximo dos controladores Guilherme Leal, Luiz Seabra e Pedro Passos, Barbosa comunga do mesmo apreço pela sustentabilidade nos negócios que eles. À frente do ABN Amro Brasil, foi pioneiro nessa agenda no sistema financeiro brasileiro ainda nos anos 90.

Nesse sentido, a escolha de seu nome também representa a reafirmação dos valores dos fundadores que, em meio à disfuncionalidade criada pelo modelo anterior, foram colocados em risco.

Há pouco mais de um ano, o fraco desempenho financeiro da Danone fez com que o CEO Emmanuel Faber fosse demitido e as credenciais de sustentabilidade da companhia fossem apontadas por alguns como uma distração do que realmente importa. Neste ano, outra estrela do chamado capitalismo de stakeholder, a Unilever virou alvo de questionamento semelhante

Principal referência em ESG no mercado local, a Natura não chegou a passar por isso. Mas certamente o receio existe – e isso ficou evidente no recado final de Barbosa aos jornalistas na quarta-feira: “É importante que uma empresa como essa tenha bons resultados para mostrar que a gente pode, sim, ter sucesso fazendo as coisas com essa cabeça.”