Na Food To Save, um modelo para evitar o desperdício de alimentos

Com marketplace para alimentos próximos à data da validade, startup quer gerar economia para consumidores, restaurantes e varejistas

Visão de cima da mão de uma pessoa colocando embalagens de plástico com comida em uma sacola de papel da Food To Save. Na sacola, está escrito "Obrigada por me salvar!".
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Da indústria plant-based aos aplicativos de entrega, as foodtechs aceleraram uma revolução que atrai cada vez mais capital. Mas ainda hoje há muito a se fazer para resolver um dos principais problemas da cadeia de alimentos: o desperdício.

A Food To Save nasceu para tentar suprir essa lacuna. Fundada há dois anos, a startup funciona como um marketplace que conecta diversos negócios – como padarias, mercados, restaurantes e confeitarias – a consumidores. 

A empresa recebe pelo alimento que seria jogado fora, enquanto o consumidor tem acesso a produtos com até 70% de desconto: desde o pãozinho assado de manhã que já não tem mais tanta saída à tarde até vegetais em formatos diferentes e caixa de suco com leve amassados, que ficam para trás – tudo mais do que próprio para consumo. 

Em uma padaria que adere ao sistema da startup, por exemplo, em vez de separar os alimentos ao fim do dia e jogar fora, os funcionários são treinados para montar as sacolas surpresas. O consumidor escolhe entre as categorias de produtos doces, salgados ou uma mistura dos dois. 

Segundo a empresa, hoje, a cada dez sacolas montadas, oito são resgatadas. O app ganha uma comissão pelas vendas. 

A ideia da Food To Save veio quando o cofundador, Lucas Costa Infante, liderava a franquia de uma rede de supermercados na Espanha. Durante a pandemia, ficaram ainda mais claros os impactos do desperdício. 

“Deixei de ser apenas um consumidor para ser um empresário, que não só está inconformado com o impacto ambiental, como também sentiu no bolso”, diz ele. 

Estima-se que cerca de 41 milhões de toneladas de alimentos são descartadas no Brasil anualmente, o equivalente a um terço da produção do país, de acordo com o World Resources Institute (WRI). Enquanto isso, 116 milhões de brasileiros não têm comida suficiente na mesa, segundo a Rede Pessan. 

Além de escancarar as desigualdades, o desperdício é um problema ambiental: menos desperdício significa menos necessidade de terras e água para produzir. 

E, na prática, é uma questão de eficiência para toda a indústria. De agricultores a indústrias, varejistas e restaurantes, todos saem no prejuízo. Segundo a ONU, o desperdício de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos custa US$ 750 bilhões por ano para a economia global.

Novo modelo

Há pouco mais de três meses, a Food To Save começou a testar um modelo de “centro de distribuição anti-desperdício”. 

O app compra a valores descontados produtos de empresas como Dengo, Nestlé, Cacau Show, Shopper e Americanas. Diferentemente dos produtos de padaria, por exemplo, que são mais perecíveis, esses produtos têm tempo de prateleira maior — mas normalmente deixam de ser vendidos nas varejistas ou nos sites tradicionais alguns meses ou semanas antes da data do vencimento. 

Nesse modelo, a startup pode esticar o período para montar as sacolas surpresas e distribuí-los com um pouco mais de folga no tempo 

O negócio ainda é incipiente. Até agora, foram evitadas 8 toneladas de comida desperdiçada nessa frente. A projeção é que se atinja 15 toneladas de alimentos resgatados só nessa operação no primeiro trimestre de 2023. Ao longo do ano, o objetivo é expandir esse modelo pela capital paulista. 

Ao todo, nesses quase dois anos de operação, a Food To Save estima que salvou 815 toneladas de alimentos – acima da meta de 500 toneladas. 

Para 2023, a proposta é que essa quantidade dobre e que a startup se consolide nas 12 cidades em que está presente, dentre elas, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. 

Para isso, a foodtech está em meio de uma captação para rodada de seed de investimento. Infante conta que estão em conversas com fundos de impacto, mas ainda não há contratos fechados. 

A rodada pré-seed se deu no início do ano, com pouco mais de R$ 1,5 milhão por crowdfunding no CapTable. 

A principal referência de modelo de negócio para a Food To Save vem da dinamarquesa Too Good To Go, que já atua em mais de 15 países com seu modelo de “sacolas surpresas”. 

Na rodada de investimento no início do ano passado, de série A, a companhia levantou US$ 31 milhões. O Dealroom estima que o valuation ficou entre US$ 124 milhões e US$ 186 milhões.

Economia e conscientização

No Brasil da inflação galopante nos supermercados, a economia ainda é um dos principais fatores de compra. Do meio milhão de usuários, a maior parte vêm das classes C e D. “Ao mesmo tempo, vimos que houve um crescimento de 13 pontos percentuais [na participação] das classes A e B”, diz o cofundador. 

Lidar com alimentos é sempre uma tarefa complexa e que envolve vários desafios logísticos. Mas, para Infante, a principal barreira para o negócio por enquanto é cultural. Para rompê-la, a foodtech aposta num papel de educação – e de provocação na sociedade. 

“A gente consegue chamar atenção com o conceito de sacola surpresa e brincar com isso: ‘Prove essa experiência de salvar um alimento'”, afirma Infante. 

Pelas redes sociais, a comunicação da Food To Save se concentra em guiar o movimento antidesperdício, com receitas de partes comumente descartadas de alimentos e dicas de conservação. 

Ainda em escala bem menor do que outras foodtechs, vem surgindo cada vez mais startups e iniciativas que buscam atacar o problema do desperdício de alimentos.

Entre elas, estão: 

  • Connecting Food: repassa excedentes de alimentos doados por empresas para organizações da sociedade civil
  • Refood: permite que consumidores retiram sacolas surpresas por preços mais baratos em diferentes estabelecimentos;
  • Comida Invisível: conecta pessoas, empresas e organizações em uma mesma plataforma para doação de alimentos;
  • B4Waste: possibilita que usuários selecionem os produtos próximos ao vencimento que querem levar por menor custo de restaurantes, lojas e supermercados disponíveis.