Na crise da Danone, a sustentabilidade não é a protagonista (ainda)

Um dos mais vocais defensores do capitalismo responsável, o CEO Emmanuel Faber foi derrubado por investidores descontentes com a performance financeira. Mas não é bem o que você está pensando

Na crise da Danone, a sustentabilidade não é a protagonista (ainda)
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Um dos defensores mais vocais do capitalismo responsável, o CEO e chairman da Danone Emmanuel Faber foi demitido nesta semana após uma intensa pressão de investidores ativistas descontentes com a performance financeira da companhia. 

Sua saída foi rapidamente embalada como uma derrota para o ESG: o mercado não estaria pronto para lidar com empresas sustentáveis, ou, na outra ponta da argumentação, a sustentabilidade seria uma distração do que realmente importa. 

Muita calma nessa hora. Para todo problema complexo existe uma resposta (ou uma narrativa) fácil — que pode estar equivocada. 

Atribuir o problema da Danone à verve sustentável de Faber é um desses casos.

O fato de a companhia ter se tornado uma ‘entreprise à mision’, cravando em estatuto que seu propósito de contribuir com as pessoas e o planeta e as iniciativas nessa direção não tiveram nada a ver com a história, à primeira vista.  

Nos argumentos dos investidores ativistas para chacoalhar a companhia não apareceram questionamentos sobre os bilhões que a empresa está investindo para reduzir o uso de plástico, ajudar os fazendeiros que produzem seu leite ou reduzir a emissão de gases de efeito-estufa. 

O que destronou Faber foi algo além: a dificuldade da Danone de inovar, investir nas suas marcas e garantir o crescimento do seu core business. 

“Apesar de a covid-19 ter tido um impacto negativo em certos produtos no curto prazo, no longo prazo a subperformance advém de subinvestimento em inovação e desenvolvimento de produtos”, escreveu o Artisan, hedge fund americano de US$ 45 bilhões e terceiro maior acionista da Danone, que conduziu a campanha ativista. 

Nos últimos anos, a Danone vem perdendo market share em categorias relevantes, como de água mineral, iogurtes e fórmula infantil, e suas vendas têm crescido abaixo do mercado, levando seus papéis à mínima em sete anos na Bolsa de Paris. Nos últimos cinco anos, as ações da francesa caíram 5%, contra alta de 41% da Nestlé e da 32% da Unilever, respectivamente. 

“A Danone costumava ser uma empresa inovadora, que sempre estava à frente das novas tendências para alimentos, mas eles perderam essa cultura e estão perdendo market share também”, disse Jen Bennick, um consultor contratado pela Artisan para formular um plano de negócios para a companhia, ao Financial Times. 

No centro da discussão, está um problema comum a diversas gigantes multinacionais: uma estrutura insular, viciada em uma cultura interna e processos construídos ao longo de anos, e que precisa de um chacoalhão para pensar fora da caixa. 

“Mais que liderança financeira, experiência profunda em produtos e na frente operacional, de pessoas de fora da companhia, são cruciais para executar um turnaround”, pontuou Bennick.

Equilíbrio fino

A Bluebell Capital, uma pequena gestora de Londres que começou a campanha pedindo pela saída de Faber no ano passado, ressaltou em carta enviada ao conselho que apoiava o “duplo projeto econômico e social da Danone”, mas pontuou que, sob a liderança de Faber, a companhia “não conseguiu atingir o equilíbrio correto entre a criação de valor para o acionista e a sustentabilidade”. 

É um recado poderoso: Faber olhou para um lado, mas descuidou de outro. 

Porém, na mesma carta, o fundo aponta que não vê um dilema entre práticas sustentáveis e lucro, apontando para empresas como Unilever e Nestlé como companhias também “extremamente comprometidas com a sustentabilidade” e que atingiram resultados melhores que os da Danone.

A própria BlueBell conduz campanhas ativistas também na frente ambiental e vem batendo de frente com a química Solvay, a quem acusa em campanha pública de jogar resíduos industriais de uma fábrica de carbonato e bicarbonato de sódio, na Itália, diretamente numa praia na Toscana. 

A Artisan, que deu escala ao movimento pela saída do CEO da Danone, foi na mesma linha: 

“Aplaudimos os passos que a companhia tomou em seu tornar um negócio ambientalmente sustentável e responsável socialmente”, colocando os esforços como “de vanguarda”. 

Na agenda ESG, o calcanhar de Aquiles da Danone estava na última letrinha. Só o fato de Faber ser chairman e CEO é considerado uma péssima prática de governança — já que torna mais difícil para o conselho supervisionar e questionar a diretoria executiva. 

As últimas semanas mostraram que Faber tentou de alguma maneira se entrincheirar. Numa solução intermediária, no início do mês o conselho concordou em deixá-lo apenas na posição de chairman e começar a procurar por um novo CEO. 

Mas o que realmente desagradou os investidores foi a decisão de que o cargo de ‘lead independent director’, que tem um importante papel de supervisão do board, não ficaria a cargo de Gilles Schnepp, o candidato dos acionistas, mas sim de Jean-Michel Severino, que está no board desde 2011 e era um aliado próximo de Faber, reporta o Financial Times. 

Foi a gota d’água. 

Sob a nova gestão, ainda a ser definida, essa é uma história em desenvolvimento. Os próximos capítulos irão mostrar se o que Faber fez de bom será preservado, ao mesmo tempo em que a performance financeira é restaurada — ou se esse legado será sacrificado, num teste de realidade para a fé do mercado na integração entre práticas sustentáveis e lucro. 

O fato de a missão e o compromisso socioambiental terem sido assegurados em estatuto, levados à assembleia e aprovado pela ampla maioria dos acionistas há menos de um ano, são um indicativo de que as práticas podem sobreviver.