Na Constellation, o 'E' do ESG ainda é o maior desafio

Na Constellation, o 'E' do ESG ainda é o maior desafio
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Uma das gestoras de fundos de ações mais tradicionais do país, a Constellation decidiu há pouco mais de um ano incorporar questões como meio-ambiente, impacto social e governança de forma sistemática à sua estratégia de investimento.

Hoje, para decidir que empresa entra na carteira de R$ 11 bilhões sob gestão, a gestora tem um questionário extenso que avalia cada um desses itens e atribui a eles uma pontuação. 

Empresas com score muito baixo são vetadas – e aquelas na área cinzenta são submetidas a uma avaliação mais qualitativa antes de serem apresentadas ao comitê de investimentos.

A demanda veio dos próprios clientes da Constellation, que tem 80% dos recursos vindos de investidores estrangeiros institucionais, para os quais a sigla ESG [do inglês environmental, social e governance] virou palavra de ordem. “O ESG veio para ficar”, diz Florian Bartunek, sócio-fundador da Constellation. 

“Mas, no fim das contas, esses critérios nos dão a disciplina para não entrar em armadilhas, especialmente em momentos como o atual, em que o mercado está subindo e tem empresas de segunda linha que começam a parecer baratas, mas lá na frente afundam”, diz ele.

Hoje, os maiores investimentos da Constellation são em Rumo, B3, Lojas Renner e Localiza.

Na vanguarda do movimento no Brasil, iniciativas como a da Constellation ainda tentam se equilibrar numa corda-bamba, navegando entre duas pontas antagônicas de ceticismo.

Por um lado, ambientalistas e defensores mais aguerridos da agenda social podem dizer que o movimento é tímido e insuficiente para mudar a agenda empresarial de forma mais definitiva.  Por outro, há o preconceito de alguns investidores – especialmente os locais –, que desconfiam que a Constellation pode estar deixando dinheiro na mesa. 

No último ano, o principal fundo da Constellation rendeu 50,9%, contra 31,6% do Ibovespa.

Mas o sistema de pontuação excluiu empresas como JBS, cujas ações mais que dobraram em 2019. A siderúrgica Usiminas é outra empresa que foi reprovada pela metodologia.

Em contrapartida, o sistema não veta a participação em empresas como Vale, protagonista de dois dos maiores desastres ambientais do País num curto espaço de tempo, e Petrobras, alvo da maior parte dos questionamentos dos clientes estrangeiros da Constellation.

A metodologia permite uma exposição a esses papéis na carteira, mas menor do que seria possível dada sua liquidez em Bolsa – e ambos os investimentos chegaram a figurar de forma esporádica na carteira no último ano. 

“É um aprendizado: nossos critérios não são absolutos e nem definitivos”, diz Florian. “Mas o ‘E’ do ESG é definitivamente nosso maior desafio”.

O Reset conversou com Florian sobre os principais desafios da gestora nessa transformação. A seguir, os principais trechos da conversa:   

Como foi o caminho para construir um sistema que contempla o ESG?

Começamos a estudar melhor o que é o ESG e percebemos que, na prática, já adotávamos uma parte da agenda. O G é de governança, que é nosso ‘bread and butter’ – uma preocupação que temos desde que a Constellation nasceu. O S, de social, também começamos a olhar no nosso processo de investimento há uns três anos, por conta de um motivo muito claro: o risco de disrupção. Como investidor, esse é um dos meus principais medos: o que garante que uma empresa hoje aparentemente bem sucedida não vai ser desbancada por outra alternativa num curto espaço de tempo? 

Quem desbancou os táxis não foi o Uber, foram os clientes. A mesma coisa com os bancos. O cliente não tinha uma experiência tão boa com alguns prestadores de serviço, e quando surge uma alternativa, ele pula fora. Se você está tratando bem os cliente, o risco de disrupção diminui muito. A mesma coisa para os funcionários: se você não trata bem, eles vão embora e há uma escassez de mão de obra qualificada, especialmente no Brasil. O funcionário feliz trata bem o cliente. 

E a parte de meio-ambiente? 

Essa, para nós, é a mais difícil de mensurar. Primeiro, porque é mais novo e, em alguns casos, mais controverso. Você pode estar num setor ruim, mas se é uma empresa inovadora neste setor, não está fazendo um bem para ele? Eu não vou ter nenhuma mineradora? E se tiver uma que está fazendo um baita programa social legal, criando métodos inovadores? Não vou ter? Estamos aprendendo…  Não temos resposta para essas perguntas ainda, de verdade.

Chama atenção que, mesmo já sob a vigência dos critérios de ESG, a Constellation chegou a montar uma posição em Vale depois de Brumadinho. A empresa passou no crivo da metodologia de vocês? 

A nossa metodologia não reprova completamente o investimento, mas a posição tem que ser muito pequena do que poderia ser considerando a liquidez da empresa na Bolsa. Mas tivemos apenas uma posição tática, de alguns dias quando houve uma disparada no preço do minério. 

E Petrobras? 

Petrobras é a principal pergunta dos investidores estrangeiros, porque é uma indústria polêmica e entra nessa questão que mencionei anteriormente: elimino a indústria ou mantenho uma empresa que está tentando melhorar suas práticas? O caso é o mesmo da Vale: nossa metodologia ESG limita muito nossa posição no papel. Hoje, não temos na carteira.

Como tem sido a receptividade das empresas em relação aos questionamentos de vocês? 

Tem muitos empresários que começaram a se engajar nessa agenda dizendo: “ah, ok, vou fazer porque o mercado está exigindo”. Mas com o tempo eles vêem que isso faz diferença no negócio. No fim das contas, essas preocupações dizem muito sobre o futuro das companhias. Hoje em dia, se uma Ambev ou o Itaú faz uma coisa que não é bacana, viraliza rapidamente nas redes sociais e o efeito de imagem é gigantesco – e muitas vezes irreversível. Isso custa muito caro para as empresas. 

Neste tempo levando à frente essa agenda, a gente percebeu que tem uma grande receptividade. Tem um tabu hoje. O investidor às vezes não pergunta sobre isso com medo de parecer que não quer ganhar dinheiro. O funcionário não pergunta porque não quer parecer abraçador de árvore. O empresário fica com o pé atrás: “poxa, se eu falar vou passar vergonha porque não estou no padrão internacional”. Mas quando você bota a agenda na mesa, pouca gente corre. O empresário vê e fala: ainda bem que tem alguém para me ajudar a pensar nessa agenda.

Um ponto cada vez mais caro a essa agenda de ESG é a padronização. Vocês seguem algum padrão internacional? 

Assinamos o PRI e nos qualificamos no SASB. [O PRI é o Principal for Responsible Investing e o SASB é o Sustainability Accounting Standards Board, um sistema internacional que desenvolve frameworks setoriais para 77 indústrias] 

Como está a adoção de padrões por parte das empresas por aqui? Elas já têm critérios bem estabelecidos para questões que envolvem o ESG? Ou os analistas ainda precisam cavar fundo para conseguir atender ao sistema desenvolvido por vocês?

As empresas mais tradicionais e as maiores – uma Ambev, uma Renner um Itaú – já tem e o assunto faz parte do dia a dia deles. As empresas menores ou mais recentes na Bolsa estão atrás. Era uma coisa que não estava na lista de prioridade, mas vem ganhando relevância. O próprio movimento dos investidores ajuda nesse sentido. 

Em pouco mais de um ano aplicando o score, qual o maior desafio de vocês? 

Tem um desafio muito comezinho, de ordem prática. Meu analista tem, vamos dizer, uma hora com o CEO. Agora ele tem um assunto novo está abrindo mão de 15 minutos de outro assunto para tratar ESG. Em meio a tantas perguntas que podem surgir, tem que ter disciplina para pilotar isso. 

O segundo maior desafio: entender a materialidade de cada uma dos assuntos para a tese de cada empresa. Quanto mais a gente vai se aprofundando, mais complexo fica, e mais difícil de sistematizar fica. Outro ponto é medir os trade-offs: se eu virar mais pró-ESG, meu produto vai ficar mais caro. O cliente está disposto a pagar? A beleza realmente vem quanto as empresas usam a preocupação com ESG para achar um produto ou solução inovadora que consegue solucionar esse problema de forma sustentável. 

As Bolsas estão nas máximas históricas tanto aqui no Brasil quanto lá fora. O quanto você acha que a agenda de ESG veio para ficar e o quanto dela pode ser revertida se entrarmos num ciclo de baixa? 

Sem dúvida é mais fácil ser diligente quando se é rico do que quando se é pobre. Mas, dito isso, a agenda está posta: ela pode acelerar ou desacelerar de acordo com a economia, mas veio para ficar. 

Tem um lado que é importante para o negócio e outro lado que é importante para o mundo. Essa discussão de que é frescura, de que não existe aquecimento global é tão intelectualmente pobre. Tem gente que fala que é moda. Eu lembro quando começou a se usar o EBITDA [uma métrica não-contábil de geração de caixa]  no Brasil. Todo mundo disse: ah, isso é moda, uma coisa que o gringo está olhando. Desde então, todo mundo acompanha o EBITDA. O ESG é a mesma coisa: veio para ficar e vai vingar o tanto quanto a gente conseguir medir esses avanços.