Só 16% das empresas da bolsa têm metas claras de inclusão

Levantamento indica que 59% das companhias da B3 não têm ou não apresentam políticas para aumentar diversidade de gênero, étnica e de raça

Só 16% das empresas da bolsa têm metas claras de inclusão
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De 404 empresas com ações negociadas na B3, 59% não apresentam ao público metas definidas de inclusão de mulheres, pessoas não-brancas e pessoas com deficiência (PCD) em seus quadros. Entre as companhias restantes, o assunto é geralmente abordado de maneira vaga. Apenas 16% das empresas de fato apresentam metas claras de inclusão.

É o que aponta um levantamento realizado pela consultoria Luvi One em parceria com a fintech Arara.io. A pesquisa usou relatórios de sustentabilidade e documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para analisar como as companhias de capital aberto estão desenhando estratégias para garantir inclusão segundo recortes de gênero, raça e etnia e PCD.

A metodologia desenvolvida pela Luvi One descartou outros recortes, como classe social de origem, idade ou orientação sexual por causa de uma conhecida carência na abordagem do “S” do ESG: dados despadronizados que não permitem comparação.

Segundo Felipe Gutterres, presidente da Arara.io e da Luvi One, as metas foram divididas entre genéricas e específicas. 

“O assunto de inclusão é apresentado geralmente através de declarações vagas como ‘consideramos a questão de gênero ou de raça em nossas contratações’. Apenas 67 empresas estabelecem percentuais e prazos de execução para ao menos um dos três temas analisados”, afirma Gutterres.

Das 404 empresas analisadas, 61 (15%) possuem metas específicas de inclusão de mulheres, 21 (5%) traçam uma estratégia para a inclusão de pessoas não-brancas e 7, (2%) consideram PCD nas metas. Vale lembrar que empresas com mais de 100 funcionárias são obrigadas desde 1991 a ter ao menos 2% de contratados com alguma deficiência.

Quando os dados são cruzados, o número de companhias com estratégias de inclusão diminui ainda mais. Somente 19 empresas (5%) consideram, em conjunto, mulheres e pessoas não-brancas. 

São empresas que estão lidando diretamente com o público e sentem a demanda por justiça social bater à porta com maior frequência, como as do setor de alimentos e bebidas (Carrefour, Assaí, Ambev), vestuário (C&A, Renner) ou serviços financeiros. Neste último segmento, se destaca a XP, única que contempla todas as categorias.

“São números que não nos surpreendem, mas ainda assim impressiona que 82% das companhias listadas não tenham definido metas tangíveis para a inclusão de mulheres, taxa que sobe para 95% quando somamos a ausência de estratégia para a inclusão de pessoas não-brancas. Estamos falando de empresas de capital aberto que são vistas como as mais relevantes em seus setores”, afirma Gutterres. 

O estado das coisas

Faltam poucos meses para que as empresas listadas passem a divulgar mais informações sobre aspectos ambientais, sociais e de governança dos negócios, conforme exigência da CVM. Se o levantamento da Luvi One e da Arara.io servir como sinalização, as respostas devem ser imprecisas, a despeito de acordos firmados nos últimos meses e em descompasso com o cenário internacional.

Em novembro de 2021, B3, Anbima, Fecomercio e Febraban aderiram ao “Pacto de Promoção da Equidade Racial” com o objetivo de “traçar planos e partir para a ação”, disse Ana Buchaim, diretora executiva de Pessoas, Marketing, Comunicação e Sustentabilidade da B3 à época.

No contexto internacional, o regulador do mercado de capitais americano permitiu o estabelecimento de objetivos de inclusão nos recortes de raça, gênero e orientação sexual para as empresas listadas na Nasdaq. Na Europa, Parlamento Europeu anunciou que vai obrigar empresas de capital aberto na União Europeia a ter um mínimo de 33% de mulheres nos conselhos que têm função executiva até 2026

Apenas 12 empresas brasileiras listadas na B3 declararam o compromisso de ter 30% ou mais de mulheres em cargos executivos até 2025. No entanto, na União Europeia, as mulheres já ocupam 30,6% dos assentos em conselhos, na média. 

No Brasil, essa ocupação é inexpressiva, principalmente quando consideramos mulheres que são negras. Pesquisa feita pelo jornal O Estado de São Paulo informa que, entre 1.505 posições em conselhos e diretorias de empresas de capital aberto, há apenas duas mulheres negras. 

São elas Solange Sobral, conselheira de administração da Telefônica/Vivo e da Locamerica, e Rachel Maia, conselheira de Vale, Banco do Brasil, CVC e Grupo Soma. O jornal observa que as companhias não mantêm dados de autodeclaração racial, portanto o número pode ser maior.

Segundo um ranking da consultoria Spencer Stuart, estima-se que mulheres ocupem 11,5% dos cargos de liderança no mundo corporativo brasileiro. O IBGE aponta que negros são 4,7% do total. 

Encurtando o abismo

Um movimento em alta entre as companhias é a realização de programas de trainees voltados especificamente para pessoas negras ou pessoas formadas em escola pública. Iniciativas especializadas na formação de programadores, uma carreira em que a ascensão costuma ser rápida, têm sido especialmente demandadas. Mas o caminho entre desenvolvedor júnior e um cargo de direção é longo.

Iniciativas como as da Fin4she, Mulher 360 e Conselheira 101 querem avançar na agenda da inclusão promovendo o estreitamento de redes de contatos entre profissionais e companhias, enfrentando o mito de que não existem mulheres e pessoas não-brancas com a preparação necessária para liderar.

Esses grupos se apoiam em levas de pesquisas que demonstram que sucesso e diversidade andam juntos. Segundo um estudo de 2020 da agência de avaliação de risco Moody’s, na Europa, existe uma correlação entre empresas com melhores notas de crédito e a presença de mulheres em cargos de liderança. A maior diversidade de opiniões é apontada como fator de melhoria da governança.

No Brasil, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicada em 2022 também demonstrou uma correspondência entre a presença de mulheres em cargos executivos de 52 empresas (de capital aberto e fechado) e desempenho ESG. Em 31% das empresas com um score de “baixo ESG” não havia mulheres líderes. Elas estavam presentes em 83% das companhias com “alto ESG”.

Gutterres, da Luvi One e da Arara.io, chama a atenção para outro fator: evitar o risco da má reputação. “Não basta que as empresas façam uma reestruturação dentro de casa. Existe um risco enorme nas cadeias de suprimento. Se um fornecedor apresenta más práticas, ele transfere o risco para o topo da cadeia”, afirma Gutterres.

Os dados usados neste estudo foram extraídos e analisados em maio de 2022, tomando como base as informações de 404 empresas listadas na B3 durante o ano de 2021. Este é o primeiro estudo da Luvi One e da Arara.io com lupa em questões sociais. No início do mês, as duas empresas já tinham divulgado um balanço de metas de redução de impacto ambiental.