Marfrig quer política pública para rastreabilidade do gado 

Companhia avança na meta de rastreio integral na Amazônia e Cerrado, mas, sem atuação do poder público, afirma "estar caçando com gato"

Rebanho bovino em fazenda na Alemanha
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A Marfrig foi o primeiro frigorífico brasileiro a lançar um compromisso para rastrear toda sua cadeia de produção, do bezerro ao abate, há pouco menos de três anos — e avalia que conseguiu avançar mais rápido que o esperado. 

Por meio de um sistema de geomonitoramento e de uma estratégia de engajamento com os fornecedores, hoje a companhia tem visibilidade sobre 72% de sua cadeia indireta na Amazônia e está confiante que chegará aos 100% em 2025, como prometido. 

No Cerrado, o patamar é de 71% e a meta de rastreabilidade completa deve ser antecipada em relação ao prazo original, de 2030.

Mas a companhia afirma que, para conseguir garantir uma cadeia 100% livre de desmatamento, vai precisar do poder público. Por isso, está se juntando como uma das maiores vozes de um coro por uma política nacional de rastreabilidade. 

“Construímos um sistema muito robusto com o que temos disponível, mas a verdade é que ele tem limitações. Estamos caçando com gato”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig. 

O ponto central é que os sistemas de monitoramento se baseiam em dados autodeclarados pelos produtores. O mais básico deles é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro obrigatório para todas as propriedades rurais, com o objetivo de unificar  informações ambientais. 

Esses dados precisam ser verificados pelos órgãos ambientais estaduais, mas até hoje apenas 2% passaram pela validação completa. 

Outro pleito da companhia é que a Guia de Transporte Animal (GTA), documento hoje usado para controle sanitário, também seja aberta para mostrar o caminho do gado. 

Na prática, o GTA dá a garantia que há adequação sanitária — uma grande preocupação do setor —, mas os produtores sempre foram resistentes em abrir o documento porque ele contém informações consideradas sensíveis do ponto de vista comercial, como o estoque de gado de cada propriedade. 

Num trabalho de engajamento para adequação, a Marfrig tem conseguido acesso às GTAs dos fornecedores diretos — protegendo as informações sensíveis por meio de uma tecnologia de blockchain. Esses fornecedores, por sua vez, têm as informações de quem fornece para eles. 

O sistema é capaz de dizer se há algum problema de conformidade na cadeia do fornecedor, mas não permite que a Marfrig tenha total visibilidade do processo. 

“Por que não abrir essa informação do GTA e torná-la pública, e permitir integrá-la ao CAR? É um passo rápido para todo setor conseguir a rastreabilidade”, questiona Pianez, afirmando que essa é uma pauta a cargo dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. 

Construindo o consenso

A Marfrig está capitaneando conversas com diversos atores do segmento, de concorrentes a ONGs, passando por instituições financeiras, para levar a conversa ao governo federal. 

Na manhã de hoje, reuniu cerca de 30 participantes em São Paulo para discutir os desafios e possíveis caminhos para o setor, e quer transformar os insights num paper. 

“Temos que aproveitar que novamente temos uma escuta ativa no governo para isso”, aponta. “Não é mais uma questão de cada empresa, de Marfrig, JBS, Minerva, de Frigol. O que temos hoje é uma questão de Brasil.”

Segundo o executivo, no setor está crescendo o consenso de que é necessária uma política mais robusta de rastreabilidade – e que vem ganhando cada vez mais adeptos com a sobretaxação a produtos que possam estar associados ao desmatamento. A União Europeia já aprovou uma lei nesse sentido.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) também está sensível ao assunto. 

O Plano de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDam), que foi retomado este ano após ficar parado nos anos de governo Bolsonaro, já coloca a integração entre base de dados como um dos pontos para atacar a questão do desmatamento na região. 

Um dos principais vetores de derrubada da Floresta Amazônica é o uso para pastos de baixa qualidade, onde são criados principalmente os bezerros que, em seguida, são vendidos para fazendas de engorda. 

Soluções financeiras 

Além do poder público, a Marfrig afirma também que é necessário trazer soluções financeiras para que os produtores de pequeno e médio porte operem em conformidade ambiental.

É um ponto que vem sendo discutido desde o início do Plano Verde+ da companhia, mas avançou pouco, a despeito dos vários planos para a Amazônia anunciados pelos principais bancos brasileiros privados no período. 

“Tem muito produtor com problemas ambientais históricos, e que não consegue se regularizar por falta de acesso a financiamento”, diz Pianez, acrescentando que vem mantendo diálogo com instituições financeiras. 

“Tem que ser crédito com alguma carência, temos que pensar em juros subsidiados, desenhos em que a própria indústria [de frigoríficos] possa fazer parte da garantia e diminuir o risco.”

A Marfrig vem trabalhando em conjunto com os fornecedores para ajudá-los na regularização, em vez de apenas excluir da sua cadeia de fornecimento aqueles que não estão em conformidade. 

Atuação em terra indígena, propriedades em unidades de conservação e trabalho escravo são automaticamente bloqueados. “Aí estamos falando de crime.”

Mas em casos que é necessário recompor alguma área de preservação permanente ou fazer uma adequação de regularização fundiária, o fornecedor fica suspenso até que se adeque. 

A Marfrig dá suporte com assistência técnica e jurídica. Desde o início do plano, 3036 produtores foram regularizados. Ao todo, a cadeia da companhia é formada por cerca de 60 mil produtores, diretos e indiretos.