Lollapalooza é acusado de explorar trabalho irregular. De novo

Pela quarta vez é identificado trabalho análogo à escravidão na montagem do festival; T4F e empresas patrocinadoras não explicam suas políticas

Lollapalooza é acusado de explorar trabalho irregular. De novo
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O festival de música Lollapalooza, que começa hoje em São Paulo, tem ingressos que chegam a custar R$ 3700, é organizado por uma empresa com ações listadas em bolsa, a Time for Fun, e tem uma constelação de patrocinadores de primeiríssima linha.  Muitos deles, inclusive, aproveitando o evento para promover ações de suas agendas ESG, como na destinação correta das toneladas de lixo que serão geradas nos três dias de shows.

Nada disso foi o suficiente para evitar, no entanto, que pela quarta edição seguida o evento fosse acusado de explorar trabalhadores e submetê-los a condições análogas à escravidão. 

Em uma fiscalização no Autódromo de Interlagos, local onde ocorre o festival, o Ministério do Trabalho e Emprego encontrou cinco trabalhadores terceirizados que prestavam serviços para o evento em situação precária. Os profissionais trabalhavam para a Yellow Stripe, terceirizada responsável pela operação dos bares, informou a Tickets for Fun (T4F).

Os trabalhadores, em regime informal, faziam dupla jornada. Durante o dia, em jornadas de doze horas, carregavam caixas de bebidas. À noite, tinham que vigiar as cargas, sendo obrigados a dormir numa tenda no autódromo — no chão ou sobre pallets das bebidas e colchonetes que conseguissem trazer de casa. 

Assim como aconteceu no caso das vinícolas gaúchas um mês atrás, a organizadora Time for Fun (TF4) soltou nota repudiando o ocorrido e disse que encerrou o contrato com a Yellow Stripe assim que a constatação foi feita.

Com mais de 9 mil pessoas trabalhando no local do evento e mais de 170 prestadoras de serviços contratadas, numa operação de guerra para erguer toda a estrutura que recebe o festival, controlar tudo o que acontece não é trivial. Mas, até pela complexidade, é preciso ter políticas claras e processos definidos para impedir que algo assim aconteça – e se repita.

Procurada para explicar quais políticas e práticas passou a adotar na contratação dos prestadores de serviços para evitar a repetição do problema, a T4F não concedeu entrevista. 

Nenhuma das patrocinadoras atendeu aos pedidos para compartilhar como monitora as condições de trabalho nos eventos que patrocinam, quais as exigências estipuladas e se denúncias como a desta semana sobre o Lollapalooza interferem nas práticas e cláusulas contratuais em situações semelhantes. 

Em notas encaminhadas à reportagem, Ambev, Vivo, Bradesco, GM, Diageo e Arcos Dorados (McDonald’s) repudiaram o ocorrido e informaram ter pressionado a T4F a se explicar e conduzir o caso adequadamente. As outras  – Adidas e Coca-Cola – não responderam até o fechamento desta reportagem. 

Abaixo, a íntegra das respostas dos patrocinadores:

Vivo

“A Vivo não compactua e repudia de forma veemente qualquer ato que exponha trabalhadores a condições análogas à escravidão. A Vivo procurou a organização do evento para obter os devidos esclarecimentos e acompanha as medidas adotadas para a solução deste caso.”

Ambev

“Assim que tomamos conhecimento da denúncia notificamos a organização do Lollapalooza Brasil imediatamente para garantir que os trabalhadores fossem acolhidos e recebessem todo o suporte necessário, além disso pedimos esclarecimentos do ocorrido. A empresa que organiza o evento nos explicou que encerrou imediatamente a relação com a empresa terceirizada e se certificou de que todos os direitos dos trabalhadores fossem garantidos, como exige o nosso compromisso contratual. Além disso, a empresa organizadora garantiu que continua cumprindo os seus protocolos e políticas para que nenhum caso volte a acontecer. Nosso compromisso com os direitos humanos dos trabalhadores é inegociável e qualquer prática contrária a isso é inaceitável.”

GM

“A GM e a Chevrolet repudiam veementemente qualquer tipo de trabalho que esteja  em desacordo com condições adequadas e que não garantam o bem-estar dos trabalhadores. Notificamos a T4F Entretenimento S/A, organizadora do Lollapalooza Brasil e responsável pela montagem e operação da infraestrutura do festival exigindo que sejam adotadas todas as medidas cabíveis para garantir que tais empresas cumpram integralmente a legislação. Requeremos, ainda, que seja prestada toda a assistência aos trabalhadores identificados pela fiscalização do Ministério do Trabalho’’.

Bradesco

“O Bradesco repudia veementemente qualquer tipo de trabalho que exponha os profissionais a condições degradantes ou análogas à escravidão e preza pelo compromisso com a segurança e o bem-estar de todos.”

McDonald’s

“Arcos Dorados, operadora da marca McDonald’s em 20 países da América Latina e Caribe, repudia qualquer tipo de trabalho que esteja em desacordo com normas legais e de respeito ao trabalhador. Imediatamente após tomarmos conhecimento das denúncias, foram realizados contatos solicitando esclarecimentos à T4F. Reiteramos nossa preocupação com o bem-estar e a segurança dos nossos funcionários, parceiros e clientes. A empresa tem o compromisso de oferecer um ambiente respeitoso e inclusivo para todas as pessoas. Essas premissas são fundamentais em nossas operações, independentemente de onde aconteçam, e guiamos nosso trabalho pela Política de Ambiente de Trabalho Seguro e Respeitoso (www.arcosdorados.com/quienes-somos/#politicas) mantida em canal aberto, interna e externamente.”

Diageo

“A Diageo, proprietária das marcas Johnnie Walker e Tanqueray, repudia toda e qualquer prática que fira os direitos humanos, assim como exige de seus parceiros o mesmo compromisso. Após tomarmos conhecimento do ocorrido via imprensa, exigimos formalmente, através de comunicado enviado à organização do evento, ação imediata por parte dos organizadores para garantir o respeito à dignidade dos trabalhadores e à legislação brasileira.

Após recebimento de confirmação de que medidas concretas foram prontamente tomadas, acreditamos que o festival entregará aos participantes uma celebração pautada na ética e no respeito.”