ISE 2.0: Como vai funcionar o novo Índice de Sustentabilidade da B3

ISE 2.0: Como vai funcionar o novo Índice de Sustentabilidade da B3
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Depois de mais de um ano de estudos, debates com empresas e investidores e consultas públicas ao mercado, a B3 chegou ao novo Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que passará a valer em 2022, com a pretensão de finalmente emplacar como uma referência para investimentos em ações ESG no país. 

No novo ISE , a bolsa procurou resolver problemas que afetam a credibilidade do índice e são alvo de críticas de investidores, especialmente a falta de clareza quanto aos critérios para inclusão e exclusão das empresas da carteira. 

O resultado, de fato, é um índice mais robusto, com uma metodologia mais sofisticada e transparente. Em linhas gerais, o ISE vai se basear numa pontuação ESG das empresas, que será pública e definirá o peso de cada companhia na carteira. (Hoje essa ponderação varia apenas de acordo com o valor de mercado das companhias.)

Outras duas mudanças importantes: o questionário que define a pontuação foi enxugado e refinado para entregar resultados mais materiais e vão entrar em campo dois provedores de informações externos para dar mais independência às questões climáticas e de reputação — o CDP e a RepRisk, respectivamente.

A nova metodologia ainda trará um bônus: todas as empresas que se inscreverem para participar da seleção — e não apenas as selecionadas para o ISE — serão ranqueadas segundo uma nota ESG geral e também de acordo com critérios específicos. E todas essas informações serão tornadas públicas, no formato de dashboards por companhia. 

Ou seja, será possível saber em quais quesitos cada companhia vai bem ou mal, acompanhar a evolução e comparar desempenhos.  

“Você vai saber como performaram as companhias, aquelas que estão e aquelas que não estão na carteira. É bom para a companhia porque, se ela estiver muito bem em alguma dimensão, tem uma história para contar. E, se ela estiver ruim, vai relatar ou explicar, como manda o bom princípio do ESG”, diz Ana Buchaim, diretora-executiva de sustentabilidade da B3.

O ponto de partida continua sendo o mesmo: as 200 empresas mais líquidas da bolsa serão convidadas a participar voluntariamente do processo de seleção para a carteira que vigorará a partir de janeiro.

Tudo novo

A partir daí, quase tudo mudou, inclusive com a remoção  de um obstáculo de ordem financeira: a  taxa de inscrição de R$ 35 mil deixará de existir. “Pode não ser super material, mas para algumas companhias isso era um limitador de inscrição”, diz Buchaim.

As inscritas terão que responder a um questionário que vai definir a pontuação inicial, que estará na base do índice.

Nesse sentido, o processo segue sendo autodeclaratório, como na metodologia atual, algo que nunca agradou aos investidores. Mas a B3 adicionou duas etapas ao processo seletivo com base em informações de entidades independentes, para as dimensões de clima e reputação.

O questionário atual, de 337 perguntas, é considerado muito longo e trabalhoso pelas empresas. A nova versão será, em média, 40% mais curta. Sua extensão vai variar de empresa para empresa, uma vez que haverá questões gerais e outras específicas por área de atividade, para refletir o que é prioritário (material) em termos de critérios ESG para cada setor. 

O índice avalia as empresas em seis dimensões: capital humano, governança corporativa e alta gestão, modelo de negócio e inovação, capital social, meio-ambiente e mudança climática.

Assim como já acontece hoje, as empresas terão que apresentar evidências das informações dadas no questionário. Por exemplo, se responder que tem uma política para gestão de riscos acompanhada pelo conselho de administração, a companhia terá que entregar documentos oficiais que descrevam a política e a ata do conselho aprovando tal política. Se falhar em comprovar itens que declarou, a empresa terá a nota inicial reduzida paulatinamente, até o limite de 50%.

Daí resultará o score final das empresas, dando origem a um ranking. Só serão elegíveis ao ISE as empresas que pontuarem acima da nota de corte, que para 2022 é de 60,23 pontos, numa escala de zero a 100.

Na sequência, as empresas serão submetidas a alguns critérios de exclusão. Mesmo que tenha ficado acima da nota de corte, a empresa não pode zerar em nenhum dos temas (são cerca de cinco temas em cada uma de seis dimensões analisadas).

Clima e reputação

Para avaliar a resposta das companhias às mudanças climáticas e também a sua reputação, a B3 fechou convênio com duas instituições externas.

O questionário do ISE já contemplava aspectos da mudança climática, mas, a partir de agora, o desempenho nesse quesito passará a ser medido segundo um padrão mundialmente aceito e apoiado por investidores, que é a nota obtida no score do CDP. 

O Carbon Disclosure Project é uma organização sem fins lucrativos que visa fomentar a transparência e a ação ambiental. Quase 10 mil companhias, com cerca de 50% da capitalização do mercado global de ações, divulgaram dados ambientais por meio do CDP em 2020.

Para prosseguir no páreo do ISE, as companhias terão que tirar uma nota maior ou igual a ‘C’ no score do CDP.

Para avaliar a reputação das empresas, a B3 contará com o monitoramento de mídia da RepRisk, que presta esse serviço a grandes instituições financeiras no mundo. Quanto maior o envolvimento de uma empresa em controvérsias ambientais, sociais ou de governança, maior a sua pontuação de risco reputacional, numa escala de zero a 100.  Ficarão de fora do ISE empresas que marcarem mais de 50 pontos.

Em tese, esse filtro poderá dar conta de barrar nomes controversos cuja presença no ISE é criticada por gestores de fundos atualmente. Estão na carteira, por exemplo, investigadas por atos de corrupção, flagradas pela Operação Lava-Jato, como CCR e Ecorodovias. A Braskem, uma das protagonistas da Lava-Jato e pivô de um desastre ambiental e social em Maceió, figurou na carteira até o ano passado.

Ponderação e exclusão

No novo ISE, empresas com melhor desempenho ESG terão maior peso na carteira. Pode parecer óbvio, mas atualmente não é assim. Hoje, o peso das companhias na composição da carteira é dado pela capitalização de mercado do free float, ou seja, em função do tamanho das empresas. No índice repaginado, o fator de ponderação será o score ISE B3 — com um teto de 10% por empresa.

Mas uma empresa muito pequena também não poderá ter uma participação excessiva no portfólio: o peso no índice de determinada empresa fica limitado a um máximo de três vezes a sua representatividade de mercado.

A carteira não terá mais o limite de 40 empresas como tem hoje. Mas não é esperado um crescimento explosivo do número de participantes, dados os critérios adotados. 

O ISE passará a ter um rebalanceamento quadrimestral, que hoje não existe, em maio e setembro. Tanto a nota do CDP quanto a do RepRisk vão balizar essas revisões, determinando a inclusão ou exclusão de companhias.

Fora isso, podem haver também exclusões extemporâneas, desencadeadas por crises. “No caso de uma crise imediata, que tenha relação com fatores ESG, tem um comitê, que é o mesmo de todos os índices, que analisa a gravidade da situação. Pode aplicar uma advertência, solicitar esclarecimento ou determinar a exclusão do índice”, diz Buchaim. A metodologia e governança para esse tipo de exclusão, segundo a executiva, serão tornadas públicas juntamente da divulgação da carteira do ISE para 2022.

Hoje, a falta de tempestividade e transparência no processo de exclusão de empresas envolvidas em controvérsias graves é alvo de críticas.  A Vale, por exemplo, foi mantida no ISE quando houve o desastre em Mariana, em 2015, mas foi cortada em 2019 pós-Brumadinho.

Se a metodologia é mais robusta, apenas quando a carteira do ISE para 2022 for conhecida será possível saber se ela de fato entrega o que os investidores esperam.