Porto do Açu quer hidrogênio verde para descarbonizar o Brasil

Localizado no Sudeste, terminal aposta na demanda da indústria pesada nacional e também estuda produção de hidrogênio azul

Ilustração mostra o CO2 sendo substituído por H2, o símbolo do hidrogênio
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No começo de agosto, José Firmo, CEO do Porto do Açu, apresentou num evento realizado em Fortaleza os planos do terminal para produzir hidrogênio verde no Rio de Janeiro.

Ele estava jogando na casa do adversário. O Porto de Pecém, perto da capital cearense, tem concentrado as atenções quando o assunto é hidrogênio de baixo carbono, um dos combustíveis considerados essenciais na transição energética.

Firmo sorri ao comentar sua participação no congresso, promovido pela Federação das Indústrias do Ceará: “E ainda por cima um cara que passou 27 anos na indústria de óleo e gás falando de hidrogênio verde…” (Antes do porto, Firmo ocupou cargos de liderança em empresas especializadas em exploração offshore, como Seadrill e Schlumberger).

Mas ele diz que não houve desconforto algum. Em primeiro lugar, porque a demanda por esse vetor energético será contada em dezenas de bilhões de toneladas, não nas centenas de milhares previstas nos projetos já anunciados ao redor do mundo. Ou seja, haverá espaço para todos.

E também porque ele enxerga vocações diferentes para os dois portos. Enquanto Pecém tem uma localização ideal para abastecer clientes na Europa, o Porto do Açu está mais próximo do “núcleo econômico brasileiro”.

Na opinião de Firmo, estar no Sudeste permite que o Açu não atenda só o mercado externo, mas também seja um agente da descarbonização da indústria brasileira.

Esse futuro não vai chegar amanhã, diz Firmo. Mas a transformação do Porto do Açu em um dos eixos da economia baseada em energias limpas começa agora.

Ventos favoráveis

Por enquanto, Açu anunciou três memorandos de entendimento com companhias que exploram a produção de hidrogênio verde. No Porto de Pecém já são pelo menos dez documentos exploratórios.

Um dos motivos para a dianteira do porto cearense é o perfil dos projetos: todos são focados em exportação e estão interessados na competitividade comprovada da energia solar e eólica no Nordeste.

A eletricidade de fontes limpas é o principal insumo do hidrogênio verde. Apesar das várias formas de obtê-lo, a principal aposta é na quebra das moléculas da água usando energia renovável.

O porto do Açu tem atualmente apenas uma promessa de planta solar, com capacidade de 220 MW (o projeto, da norueguesa Equinor, está em fase de estudos).

Mas, em suas apresentações, Firmo apresenta um slide com uma ilustração que mostra várias turbinas em alto mar, posicionadas na frente do Açu.

“São 30 GW para possível desenvolvimento”, diz o executivo. “A fartura, o fato de o Açu estar em um dos três hotspots de energia eólica offshore no Brasil, coloca a gente numa posição de competitividade absurda para a próxima década.”

Eledelineia dois cenários. No primeiro, os grandes consumidores do hidrogênio verde serão os europeus, que buscam uma alternativa ao gás russo e para a substituição de combustíveis fósseis.

Neste caso, os vencedores seriam aqueles que apostarem na produção de baixo custo, próxima da (e também na própria) Europa.

Na estratégia pensada para o Porto do Açu, essa seria somente uma primeira onda.

Inevitavelmente, a indústria química e as siderúrgicas brasileiras terão de se descarbonizar também – e o hub no litoral norte fluminense seria uma das fontes de energia alternativa.

O hidrogênio verde pode ser utilizado, por exemplo, na produção de briquetes de ferro, um insumo que “embute” energia limpa e que deve ser parte da transição de uma das atividades econômicas mais poluentes do mundo.

“Estou falando de Usiminas, CST. [Os briquetes] podem reduzir em 60%” as emissões de CO2 de uma usina tradicional, ou seja, sem a necessidade de que se construa uma infraestrutura completamente nova, diz Firmo.

Outro potencial uso do H2 verde é na produção de fertilizantes de baixas emissões. “Hoje, nós importamos 90% de todo [o fertilizante] nitrogenado” consumido no país, diz Firmo.

O hidrogênio está presente na molécula da amônia, uma das matérias-primas essenciais dos adubos nitrogenados. Com a produção de amônia verde, o país poderia caminhar rumo à autossuficiência de um insumo crítico para o agronegócio.

Hidrogênio ‘na prática’

A experiência com energia seria outra vantagem importante do terminal fluminense. Um terço do petróleo brasileiro exportado passa pelo Porto do Açu, que fica perto das bacias de Campos e Santos.

Em funcionamento há oito anos, o porto é o único 100% privado do país. A administração fica a cargo da Prumo Logística, e o empreendimento é controlado pela EIG Energy Partners.

“Temos 60 quilômetros quadrados de área e R$ 20 bilhões já investidos em infraestrutura para receber” a produção de hidrogênio verde, diz Firmo.

“Em Antuérpia (porto belga que é co-administrador do Açu), a área é mais ou menos parecida, mas 95% está ocupada. Eles têm que fazer milagres para conseguir alguma área para transição energética. Aqui, o parquinho está pronto.” 

Firmo não aponta uma data em que seu ‘parquinho’ esteja operando em escala industrial. Faltam anos para que os cataventos sejam instalados na costa brasileira.

A primeira iniciativa que deve dar resultados concretos no porto é um projeto piloto da Shell.

A petroleira anunciou há três meses a assinatura de um acordo para estudar a viabilidade de uma planta piloto de hidrogênio verde no terminal. “Na semana seguinte eles já estavam aqui fazendo a primeira reunião”, diz Firmo.

Com investimento estimado entre US$ 60 milhões e US$ 120 milhões, a Shell pretende começar a produzir em 2025. O plano seria não apenas ter uma usina de demonstração, mas usar a oportunidade para desenvolver tecnologia nacional.

“Vamos fazer eletrolisador nacional, vamos aproveitar o hidrogênio para o transporte dentro do porto. Isso é material, não é só um projeto.”

Hidrogênio azul

A proximidade do pré-sal também abre a possibilidade de produção de hidrogênio azul, uma variedade que muitos acreditam ser uma etapa intermediária inevitável antes do hidrogênio zero carbono se tornar escalável.

Hoje, quase a totalidade do H2 consumido no mundo é obtido a partir do gás natural. A “cor” do hidrogênio por esse processo altamente poluente é cinza (a classificação, porém, é apenas uma referência às emissões; o hidrogênio gasoso é incolor).

Como ainda não há energia renovável nem eletrolisadores para produzir H2 verde, fala-se em capturar e armazenar o CO2 emitido na produção do hidrogênio cinza – que então passa a se chamar hidrogênio azul.

A extração de petróleo do fundo do mar também traz para a superfície uma quantidade enorme de gás natural. Hoje, esse gás é reinjetado nos poços para ajudar na produção de óleo.

Mas mudanças na política nacional de combustíveis e a construção de um gasoduto que vai ligar um dos campos do pré-sal ao Açu podem viabilizar mais essa alternativa, diz Firmo.

“Parece uma alternativa muito boa porque estamos perto da maior província de campos maduros”, afirma o executivo, fazendo referência a poços esgotados em que o CO2 capturado poderia ser armazenado.

Mas, até aqui, essa é uma “opção júnior”, nas palavras de Firmo. Falta o gasoduto, faltam regulações no país  para a estocagem do dióxido de carbono, falta a demanda pelo hidrogênio azul.

A ideia é mostrar flexibilidade, mesmo porque ainda não se sabe se o mundo vai simplesmente pular a produção com captura de carbono e partir direto para o H2 verde.

No Brasil e no mundo, a maior parte dos projetos está em fase de estudos de viabilidade – inclusive iniciativas bilionárias anunciadas por grandes companhias petroleiras.

Mas o que interessa mesmo, diz Firmo, são as letras FID, sigla em inglês para decisão final de investimento. Ele espera que elas venham em mais ou menos um ano, tanto para o projeto da Shell quanto para o da Equinor.

“Tem muita gente falando de hidrogênio. A gente quer ser o porto que faz hidrogênio.”